- Valor Econômico
O voluntarismo de Dilma mostra que país carece de instituições
Quando, em 2010, o Brasil cresceu 7,5%, a expansão mais rápida em 24 anos, analistas concluíram que, depois de 25 anos de redemocratização, o país atingira a estabilidade econômica e política. Pela primeira vez, saiu inteiro de severa crise internacional - a de 2007-2008, quando o epicentro foram os Estados Unidos -, dois anos antes havia conquistado o selo de bom pagador junto às agências de classificação de risco, as desigualdades sociais e a pobreza diminuíam, o desemprego caía a níveis recordes e estrangeiros vinham aos montes investir aqui.
Não, o Brasil não havia resolvido todos os seus problemas, longe disso. As deficiências estruturais - como a elevada carga tributária e a taxa de juros mais alta do planeta, decorrentes de um desequilíbrio fiscal jamais solucionado - e os anacronismos nunca enfrentados - como a manutenção de quase 150 empresas estatais, parte do Estado "soviético" herdado da ditadura militar - continuavam presentes, mas havia alento porque pela primeira vez, desde a crise da dívida externa, em 1982, o Brasil parecia criar as condições para se tornar "um país do futuro" e, assim, cumprir a profecia feita, em 1941, pelo escritor austríaco Stefan Zweig.
O futuro não chegou justamente porque, como dizia o ex-ministro, deputado e diplomata Roberto Campos, o Brasil nunca perde a oportunidade de perder oportunidades. O futuro está sempre distante porque, aqui, temos o péssimo hábito de não planejá-lo, como se o porvir fosse uma abstração e não a consequência do que fazemos agora. A sociedade brasileira tem, ainda, uma característica perversa: a de transferir para as próximas gerações - portanto, aos descendentes - a conta do que deveria ser pago neste momento.
Some-se a isso uma personalidade como a da ex-presidente Dilma Rousseff. Eleita em 2010, no melhor momento do país em três décadas, justamente porque a maioria dos eleitores atribuiu o sucesso às políticas adotadas por Luiz Inácio Lula da Silva ao longo de dois mandatos, ela decidiu mudar o arcabouço macroeconômico que a levou ao poder, em vez de, tirando proveito da estabilidade alcançada, propor uma agenda de mudanças que criasse as condições para o país aumentar a produtividade da economia, única forma de acelerar o crescimento sem gerar inflação.
A crise mundial de 2007-2008 foi tão grave que as economias europeias levaram quase dez anos para sair dela. Os EUA, porque possuem uma economia mais dinâmica, demoraram menos tempo - em torno de sete anos - para reduzir o endividamento das empresas e dos consumidores e, assim, voltar a crescer. Em 2010, todos sabíamos que, por pelo menos cinco anos, tanto os EUA quanto a Europa e o Japão cresceriam pouco e teriam espaço reduzido para aumentar a competitividade de suas empresas. Sabia-se também que, quando os efeitos da crise passassem, essas economias voltariam mais fortes ao competitivo cenário internacional.
Era a chance perfeita para o Brasil usar aquele período na promoção de reformas necessárias ao salto do país ao futuro sonhado. Dilma reunia condições para tocar uma agenda modernizante: era popular - num dado momento, gozou de popularidade superior à alcançada por Lula, o presidente mais popular da história do país - e detinha folgada maioria no Congresso Nacional.
Justiça seja feita, no início do primeiro mandato, a então presidente deu dois passos em direção aos objetivos de uma agenda positiva: ao criar o fundo de pensão dos funcionários federais (Funpresp), regulamentou a reforma - aprovada em 2003 por iniciativa do governo Lula - que acabou com a aposentadoria integral de servidores contratados a partir dali; e começou a privatizar os aeroportos, um sinal de que, finalmente, um governo de esquerda no Brasil reconhecia que o Estado não tem mais dinheiro para oferecer serviços que, concedidos à iniciativa privada, geram retorno bem maior para a população. É verdade que nem tudo eram flores: no modelo de privatização dos terminais, Dilma exigiu que 49% do capital ficasse nas mãos da Infraero, um contrassenso, afinal, a ideia era tirar a estatal da operação porque ela não tinha mais recursos para bancar investimentos.
Paralelamente a essa agenda, porém, Dilma desmontou os pilares da política econômica herdada de Lula e, rapidamente constatando que as mudanças não surtiam o efeito esperado, isto é, a aceleração do crescimento, partiu para o populismo desenfreado, tática que lhe restou para tentar salvar o projeto de poder do qual fazia parte. A escalada de equívocos jogou o país na mais longa recessão de sua história.
É injusto e errado atribuir inteiramente a Dilma a responsabilidade pela crise fiscal que ameaça o futuro da nação. O desequilíbrio das contas públicas vem de longe - desde o início dos anos 1990, provocado principalmente por decisões tomadas pelos constituintes de 1988. Em 2007, início do segundo mandato de Lula, a Previdência, por exemplo, já consumia algo como 45% das receitas da União - hoje, 57%. O que Dilma fez foi empurrar o caminhão ladeira abaixo - no período em que ela dominou o governo, entre 2008 e 2015, os gastos cresceram inacreditáveis 50% acima da inflação, enquanto as receitas avançaram apenas 15%.
O que se diz em Brasília é que é muito difícil convencer o Congresso a aprovar medidas "impopulares" em tempos de bonança. Um exemplo mencionado é o da renovação da CPMF, o antigo "imposto do cheque". Mesmo no auge de sua popularidade, Lula não conseguiu estender a vigência do tributo, que expirou em 2007. De fato, a experiência mostra que o Congresso só aprova transformações importantes em períodos de crise. Agora, por exemplo, a queda da inflação e dos juros e a melhora tanto da atividade quanto das condições financeiras teriam tornado os deputados mais suscetíveis a pressões do funcionalismo contra a reforma da Previdência.
O voluntarismo de Dilma, que foi capaz de tirar o país do caminho da virtude e jogá-lo no abismo, e a dificuldade da nação de sair da areia movediça em que se encontra mostram que quem julgou - como este colunista - que em 2010 o Brasil tinha, finalmente, alcançado a estabilidade política e econômica estava redondamente enganado. Sem a construção de instituições verdadeiramente democráticas, o futuro visto como o tempo em que este imenso país viverá sem pobreza e sem a chaga da desigualdade será sempre uma miragem. Não funcionará nem como utopia - porque esta, mesmo irrealizável, traz ganhos quando perseguida.
Um comentário:
Excelente artigo, porém está mais na direção de "diagnóstico". Quando vi o título, pensei que Romero fosse fazer um arrazoado das previsões para 2018. Sei que são difíceis de fazer - como já se disse, no Brasil, até o passado é incerto-, mas sei que o articulista tem a enorme capacidade de enxergar através da "cortina de fumaça" em que se transformou o cenário político.
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