- Valor Econômico
TV e fundo eleitoral viram armas da política tradicional
Fim de ano, época tradicionalmente relacionada a planos e esforços de renovação. Não na política brasileira. Apesar das expectativas alimentadas em parte do ano, não se pode dizer que 2017 garantiu as condições para "o novo" emergir das urnas em outubro do ano que vem e o sistema político passar por um processo de revitalização. Pelo contrário: apesar do empenho de diversos segmentos da sociedade civil organizada, as cúpulas dos principais partidos, que controlam a agenda do Congresso e consequentemente as discussões sobre mudanças no sistema político e nas regras eleitorais, atuaram para criar obstáculos a novos entrantes.
Há meses especula-se sobre a possibilidade de personalidades sem experiência ou tradição na política, os chamados "outsiders", surpreenderem nas eleições de 2018, diante do quadro de grande insatisfação da população com seus atuais representantes. Pelo menos até agora, no entanto, a reação da classe política a esse movimento tem sido bem sucedida.
O cenário que se esboça, neste momento, projeta uma disputa pelo Palácio do Planalto entre políticos tradicionais. Embora a campanha para as eleições presidenciais já comece a tomar as ruas, segundo a mais recente pesquisa do instituto Datafolha, quando a intenção de voto é perguntada sem a apresentação de possíveis candidatos, 46% dos entrevistados disseram que não sabem ainda em quem votariam. Mesmo assim, os pré-candidatos mais citados nos mais variados cenários são o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o deputado Jair Bolsonaro.
Em Brasília, Bolsonaro é visto até agora como a grande novidade das eleições. Mas não como um fator que poderá responder pelos anseios de renovação de grande parte do eleitorado. Afinal, um deputado com sete mandatos na Câmara Federal não deve ser considerado potencial protagonista de um processo de revitalização da democracia representativa brasileira, embora não faça parte do establishement político.
Bolsonaro já passou por diversos partidos. Sabe que ter o comando de uma máquina partidária será fundamental para manter sob controle a estratégia e as finanças de sua campanha presidencial, além de garantir a coesão e a estrutura de aliados nos Estados. O militar da reserva já anunciou que deverá sair do PSC e sinalizou que pretende filiar-se ao Patriota, mas até agora não efetivou o movimento devido a desentendimentos com a direção do partido.
O receio de mergulhar de cabeça numa aventura eleitoral e depois ver retirado o apoio a uma eventual candidatura ronda, por exemplo, as conversas que o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa mantém com o PSB. O próprio ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, entrou no jogo sucessório sem ter total certeza de que seu partido, o PSD, estará ao seu lado até a homologação na Justiça Eleitoral de uma eventual candidatura à Presidência da República.
Em outro exemplo, o empresário e apresentador de televisão Luciano Huck também chegou a correr o risco de lançar-se na disputa presidencial, abrir mão de seus atuais projetos profissionais e acabar tendo que enfrentar um desgastante processo de prévias no PPS.
Para driblar esses riscos, houve quem decidisse criar uma legenda para chamar de sua e, assim, ter mais autonomia. É o caso do grupo que fundou o Partido Novo e já lançou João Amoêdo na corrida pela Presidência. O banqueiro tem um discurso que agrada a empresários e investidores. Tenta reproduzir no Brasil o fenômeno personificado pelo presidente Emmanuel Macron na França, mas até mesmo seus admiradores já perceberam que sem tempo de televisão Amoêdo terá dificuldades para avançar. Hoje, de acordo com o Datafolha, ele não ultrapassa 1% das intenções de voto, seja qual for o cenário pesquisado.
Já o "Livres" adotou a estratégia de brigar pela renovação política a partir de uma estrutura montada e já acostumada com as regras do jogo. Como o próprio movimento diz, está "incubado" no Partido Social Liberal para, a partir dessa plataforma, tentar promover mudanças no sistema. Isso porque há a perspectiva de seus líderes sucederem a atual direção nacional da legenda.
Mas o PSL parece ser a exceção. Não bastasse a própria regra aprovada pelo Congresso para o rateio do fundo eleitoral alimentar a desigualdade entre os partidos, grande parte das legendas deve concentrar suas forças e recursos para catapultar as campanhas de quadros já consagrados ou que buscam a reeleição.
Em outra frente, pouco antes do recesso parlamentar, o Congresso impôs outra dificuldade a candidatos que poderiam usar recursos próprios para ganhar maior autonomia partidária e tração eleitoral: deputados e senadores derrubaram o veto do presidente Michel Temer ao dispositivo que liberava o autofinanciamento irrestrito de campanha. Com isso, o país entrará em ano eleitoral sem clareza sobre as regras relativas ao autofinanciamento. Lideranças partidárias já começaram a defender a ampliação do fundo eleitoral, alegando que o dinheiro previsto para 2018 será insuficiente. Estamos falando de R$ 1,7 bilhão.
Pelo menos por ora, os esforços empreendidos pelas tradicionais cúpulas partidárias têm dado resultados. Os candidatos a presidente que se apresentam como vetores de renovação na política - seja no espectro de centro, da direita ou da esquerda, como Guilherme Boulos, líder do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) - ainda não apresentam bons índices de intenção de voto. Huck, que se mostrava a ameaça mais real à classe política tradicional, recuou e informou que não entrará na disputa pela sucessão ao presidente Michel Temer.
Enquanto o desafio da esquerda é superar os entraves jurídicos que a candidatura de Lula enfrenta, o problema dos partidos de centro-direita é o fato de que seus pré-candidatos não decolaram nas pesquisas. Se o espaço reservado a uma candidatura de centro demorar a ser preenchido, as cúpulas dos maiores partidos poderão sucumbir e encontrar em alguma solução aparentemente descartada a única saída para se manter no poder. Esse cenário pode transformar "desistências" em "recuos táticos".
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