O Mercosul fechou na semana passada acordo de compras governamentais que permitirá às empresas instaladas na Argentina, no Brasil, Paraguai e Uruguai participar das licitações realizadas pelos governos desses países em igualdades de condições com os fornecedores locais. Foram cerca de 20 anos de negociações e acertos de última hora para superar resistências inesperadas do Paraguai, pouco antes da assinatura do protocolo. O acordo de compras governamentais acabou representando algum consolo frente ao novo adiamento da conclusão das negociações com a União Europeia (EU), que se arrasta também há duas décadas. A assinatura ocorreu em Brasília, na cúpula do Mercosul, e coroou o encerramento do período da presidência rotativa do Brasil à frente do bloco. O Paraguai assume agora o comando. Participaram do encontro também os presidentes da Argentina e do Uruguai, além da Bolívia e da Guiana. Chile, Peru, Colômbia e Equador que mandaram ministros e vice-ministros como representantes.
O mercado de compras públicas nos países do Mercosul é estimado em US$ 80 bilhões, mas nem todo esse valor está incluído no acordo, uma vez que governos estaduais, municipais e empresas estatais ficaram de fora. Na prática, o mercado aberto para as empresas brasileiras é de R$ 15 bilhões; já o Brasil sozinho oferecerá acesso a compras de perto de R$ 40 bilhões. Pelo acordo, as licitações no caso de compras de bens e serviços acima de R$ 500 mil e de obras públicas acima de R$ 200 milhões devem ser abertas para as empresas dos países do bloco, o que deve incentivar a harmonização das normas técnicas de produtos e procedimentos, esperam os técnicos. O Paraguai terá um ano para melhorar sua oferta.
Essa foi a segunda iniciativa importante de abertura econômica do Mercosul neste ano. Em abril, um acordo de facilitação de investimentos foi assinado. O protocolo de compras governamentais é o primeiro do gênero firmado pela Argentina e o segundo do Brasil, que tinha apenas um acerto modesto com o Peru até agora. O único instrumento que disciplina o tema em âmbito global, atualmente, é um tratado da Organização Mundial do Comércio (OMC) do qual fazem parte 47 países, nenhum deles sul-americano.
O acordo de compras reforça o viés econômico que voltou a caracterizar o Mercosul, depois de alguns anos de predomínio do debate político. Colaborou para o processo a renovação do governo de alguns membros do bloco, como Maurício Macri, na Argentina, e Michel Temer no Brasil, que compartilham as críticas ao protecionismo na região. Ainda está vívida na memória o amplo uso pela ex-presidente Dilma Rousseff das margens de preferência para estimular empresas nacionais. Ainda assim, um destaque foi a aplicação da cláusula democrática à Venezuela. De acordo com Brasília, foram removidas 67 das 78 barreiras comerciais identificadas no início do ano.
Os resultados da balança comercial retratam bem a mudança. De janeiro a novembro, as exportações do Brasil para os outros membros do bloco cresceram 23,6%, mais do que os 18,2% do total das exportações. Fato significativo é que os manufaturados, como automóveis, representam 89% do volume exportado pelo Brasil para o Mercosul. De acordo com projeções do FMI, todos os países do bloco vão crescer mais do que o 1% do Brasil, com 2,5% na Argentina, 3,5% no Uruguai e 3,9% do Paraguai. O Brasil já tem sido cobrado a aumentar importações para minorar o desequilíbrio do comércio do bloco, o que deve ocorrer no próximo ano com a recuperação da economia.
O que ficou para trás foi o acordo de livre comércio com a União Europeia. No início de dezembro, havia muita expectativa de que um consenso fosse atingido ainda neste fim do ano. Agora, espera-se que saia nos próximos meses. Os mais otimistas falam até em janeiro. A negociação empacou do lado europeu, que tem um mecanismo complexo de consulta às 27 economias participantes e precisa de tempo para articular uma resposta. O Mercosul ampliou as concessões e aceitou eliminar as tarifas para 60% das importações vindas da União Europeia em dez anos, e para 90% em 15 anos. Os europeus reagiram positivamente, mas não estavam em condições de oferecer reciprocidade, principalmente para a carne e o etanol do Brasil. Nada garante que a previsão de um acordo em janeiro seja cumprida, mas nunca se esteve tão próximo dele.
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