- Folha de S. Paulo
Políticas econômicas do passado nos ensinam a ter mais cautela frente aos desafios do governo
O país pagou caro pelo experimentalismo do governo Dilma, com a disseminação dos créditos subsidiados, a tentativa fracassada de fortalecimento de algumas estatais e as intervenções setoriais desastradas.
A combinação explosiva de incompetência técnica com voluntarismo desenfreado contaminou a política monetária. O governo tentou controlar a inflação intervindo nas tarifas de transporte e nos preços dos combustíveis e da energia. A tese tinha a ligeireza das conversas de botequim: controla-se a inflação evitando-se o aumento dos custos.
Deu tudo errado. A inflação continuou alta e as medidas tiveram o dano colateral de fragilizar a Petrobras e as empresas de energia, prejudicando o investimento.
Não deveria surpreender. Afinal, ideias similares resultaram nos Planos Cruzado 2, Bresser e Collor. Não bastasse a folha corrida, decretaram que o Real fracassaria e que o Bolsa Família seria uma política liberal equivocada. Em junho de 2003, o manifesto “A Agenda Interditada” declarou que a política econômica levaria o país a Brasil “beco sem saída de estagnação e desemprego”.
Desde 2016, o Banco Central retornou à política convencional de ajustar a taxa básica de juros (Selic) para garantir a estabilidade dos preços. Essa política, em conjunto com novas medidas fiscais, permitiu a queda dos juros de mercado e a retomada da atividade econômica. Ainda há muito a fazer, mas estamos melhor do que antes.
A política monetária no Brasil se beneficiaria de procedimentos que, como no caso de novos tratamentos médicos, reduzissem o risco de curandeiros que prometem o paraíso e entregam desastres.
A. C. Garriga, em “Central Bank Independence in the World”, sistematizou o grau de autonomia dos bancos centrais em 182 países. O resultado não parece ruim. Existe uma correlação entre maior autonomia e menores taxas de juros e de inflação.
A autonomia operacional do Banco Central, ao contrário do que reza a lenda, não implica a criação de um poder independente. A sua diretoria teria que ser aprovada pelo Senado, e as diretrizes da política monetária, como a meta de inflação, continuariam a ser definidas pelo governo.
A autonomia se resume à gestão dos instrumentos, como a fixação da Selic, para cumprir essas diretrizes. Em caso de fracasso recorrente, o governo pode aceitar as explicações dos diretores do Banco Central ou optar pela sua demissão, desde que com a anuência do Senado.
Será que depois da lição cara dos experimentalismos recentes conseguiremos discutir com o cuidado necessário a autonomia do Banco Central? Com tantos desafios a serem enfrentados pelo novo governo em 2019, poderíamos ter um problema a menos.
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Marcos Lisboa, doutor em economia, foi secretário de Política Econômica no Ministério da Fazenda entre 2003 e 2005.
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