Chama-se apropriadamente A Verdade Vencerá o livro que Lula da Silva assina e com o qual anuncia, como costumam fazer os espíritos autoritários, sua pretensão de ser julgado somente pelo tribunal da História. É o que lhe resta, já que, nos tribunais em que valem as leis do País, o ex-presidente foi condenado por corrupção e sentenciado a mais de 12 anos de prisão – isto em apenas um dos vários processos aos quais ele responde.
Nesse tribunal da História ao qual Lula está a recorrer, as leis não contam, e sim a narrativa. E de construir narrativas o demiurgo de Garanhuns entende como poucos, tendo sido capaz de elaborar, para seus embasbacados adoradores, uma imagem de herói da ética e de campeão do povo, mesmo tendo protagonizado os maiores escândalos de corrupção da história nacional e mesmo tendo sido o grande responsável pela catastrófica Presidência de Dilma Rousseff, sob a qual os pobres tanto padeceram.
A construção histórica de Lula inclui absolvê-lo mesmo que se reconheçam seus crimes, como fez recentemente, em entrevista ao Valor, o ativista argentino Adolfo Pérez Esquivel – para quem, afinal, “não somos uma sociedade de anjos, mas de homens e mulheres com virtudes e defeitos”, e “todos os governos podem cometer erros”, mas “o importante é ver os aportes que fazem a seu povo”. Ou seja, é a legitimação do bom ladrão e do bom selvagem como arquétipos de estadistas. Já que Lula provavelmente não poderá concorrer à Presidência por ser oficialmente ficha-suja, Esquivel acha – a sério – que o petista poderá ao menos concorrer ao Prêmio Nobel da Paz. É a atração dos semelhantes, que isso também existe.
Nada disso, obviamente, é casual ou gratuito. O Lula que emerge dessa narrativa é um homem que está sendo condenado não pela corrupção – que ele, de todo modo, jura não ter cometido –, mas sim porque sempre agiu no interesse dos pobres. Por esse motivo, os processos a que ele responde seriam fruto da sistemática perseguição de uma elite inconformada – que, no léxico lulopetista, é chamada de “eles” e que inclui todo o Judiciário, os empresários, a imprensa, o capital internacional e até o governo dos Estados Unidos.
Assim, Lula espera que o tribunal da História reconheça que o sistema judiciário nacional o condenou em razão de suas virtudes, e não de seus crimes. Lula seria, então, um prisioneiro político – e, como se sabe, só existem presos políticos em regimes de exceção. É nesse ponto, então, que a narrativa histórica que o lulopetismo pretende emplacar se conecta com a denúncia de que o impeachment de Dilma Rousseff foi um “golpe”. A “verdade” anunciada pelo libelo de Lula “vencerá”, segundo ele, quando houver o reconhecimento de que a acusação das “pedaladas” contra Dilma e de corrupção contra o ex-presidente foi pretexto para que uma gigantesca concertação de forças planetárias hostis ao povo humilde do Brasil desalojasse o PT da Presidência e impedisse Lula de voltar ao poder.
Não à toa, a narrativa lulopetista obviamente inspira-se na defesa que Fidel Castro fez de si mesmo em 1953, quando foi preso depois de ter tentado derrubar o governo de Fulgencio Batista em Cuba. Fidel aproveitou a ocasião para confrontar o regime. Dizendo não temer a prisão – assim como Lula faz hoje –, o futuro ditador cubano argumentou que estava ali exclusivamente por ser um “dos homens que lutam pela liberdade e pela felicidade do povo”. Ademais, questionou a acusação segundo a qual havia se insurgido “contra os poderes constitucionais do Estado”, salientando que “a ditadura que oprime a nação não é um poder constitucional, mas inconstitucional”. Como se sabe, quando enfim tomou o poder, Fidel resolveu esse problema incorporando à Constituição o direito de oprimir a nação. Deve ser por esse motivo que Lula disse considerar Fidel “o maior de todos os latino-americanos”.
Mas, apesar de todo o empenho dos hagiógrafos de Fidel, o tribunal da História já julgou e condenou aquele cruel ditador – e somente os liberticidas empedernidos ainda se empenham em sua defesa. Ao contrário do que aposta Lula, a História não perdoa.
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