domingo, 18 de março de 2018

A democracia de Putin: Editorial | Folha de S. Paulo

Em eleição pouco competitiva, presidente russo deve obter seu quarto mandato neste domingo

Na teoria, uma eleição presidencial em que o atual ocupante do cargo disputa com outros sete candidatos sem restrições a fazer campanha é sinal de vitalidade democrática. Na prática, fala-se aqui da Rússia, o que põe sob suspeição tal pressuposto.

Vladimir Putin deve ser conduzido neste domingo (18) a um quarto mandato e uma segunda reeleição (mais quatro anos como primeiro-ministro). As pesquisas lhe dão mais de 60% dos votos; nenhum adversário deve superar 10%.

Não se questiona a autenticidade da expressiva preferência pelo mandatário. Ele detém mais de 80% de popularidade, muito em razão de sua abordagem agressiva contra o Ocidente, eficaz para reavivar o orgulho pátrio dos russos. Quaisquer que fossem seus concorrentes, provavelmente sairia vencedor da mesma maneira.

Pesa contra o processo eleitoral, na verdade, a real natureza das demais candidaturas. Há entre os postulantes figuras próximas ao presidente --que, para críticos do governo, estariam no páreo apenas para conferir um verniz de legitimidade à votação.

Recaem dúvidas até sobre a candidata mais vocal de oposição, a jornalista e socialite Ksenia Sobchak, única mulher no pleito.

Filha de um antigo aliado do governo, ela nega fazer o jogo do Kremlin. "A eleição é injusta, mas prefiro participar dela", disse Ksenia em entrevista à Folha. Com 1% das intenções, suas palavras em nada incomodam Putin.

Recorde-se que o oponente com maior potencial para desafiá-lo foi convenientemente impedido de ter seu nome nas urnas. O advogado e ativista Alexei Navalni, que liderou grandes protestos no ano passado, não pode concorrer por existir contra ele uma sentença de prisão por fraude, decorrente de um processo, no mínimo, nebuloso.

Em um cenário tão favorável, prestes a aproveitar os holofotes por sediar uma Copa do Mundo, o presidente parece cada vez menos preocupado com a reação da comunidade internacional a suas ações, seja o apoio ao ditador Bashar al-Assad na guerra síria ou a suposta interferência nas eleições dos Estados Unidos em 2016.

No episódio mais recente, o Reino Unido acusou a Rússia de tentar matar, por envenenamento, um ex-agente dos tempos soviéticos que vivia na Inglaterra --caso semelhante ao de outro ex-espião russo, morto em 2006. Apesar dos fortes indícios, Moscou nega envolvimento e vê "histeria russofóbica".

Se cumprir o mandato até 2024, Putin vai se firmar como o homem que por mais tempo comandou seu país desde Josef Stalin (de 1924 a 1953). Eis, sem dúvida, uma democracia que ele pode chamar de sua.

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