- Valor Econômico
BC reassumirá papel clássico de assistência de liquidez aos bancos
O Banco Central não divulgou as suas estimativas, mas as mudanças em curso no sistema de assistência financeira de liquidez aos bancos terão impactos significativos na liberação de depósitos compulsórios e no crescimento do mercado de títulos privados.
Os bancos centrais foram criados originalmente para operarem como emprestadores de última instância, mas no Brasil esse papel não é plenamente exercido. Hoje, quando há apertos de liquidez, as linhas de redesconto do Banco Central não são acionadas. Esse papel é exercido basicamente pelo Fundo Garantidor de Crédito (FGC) e, nas crises sistêmicas, pela liberação de depósitos compulsórios.
Na crise financeira mundial de 2008 o BC injetou no sistema o equivalente a 4% do Produto Interno Bruto (PIB) em compulsórios, que em valores de hoje equivalem a R$ 220 bilhões. Para ser eficaz, qualquer sistema de assistência financeira de liquidez deve ter, no mínimo, esse tamanho.
Ele será formado por várias partes. O BC não vai abrir mão das exigências de depósitos compulsórios, mas há muita gordura para queimar. Em julho, os recolhimentos somavam R$ 429 bilhões. Países emergentes, em geral, operam com metade do nosso nível.
Para, de fato, reduzir os compulsórios, será preciso aprovar no Congresso a criação dos depósitos voluntário dos bancos no BC. No sistema atual, quando o Banco Central libera compulsórios, deve retirar o dinheiro injetado no sistema bancário com as operações compromissadas, para evitar que os juros caiam abaixo dos níveis desejados pelo Comitê de Política Monetária (Copom). As operações compromissadas são contabilizadas na dívida bruta do governo, mas os depósitos voluntários não serão. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (PFL), disse ao Valorque a criação dos depósitos voluntários é um dos pontos prioritários da agenda legislativa do BC que ele discutiu na semana passada com o presidente da instituição, Roberto Campos Neto.
Além de uma base de compulsórios mais enxuta, o sistema de assistência de liquidez terá novas linhas. O redesconto foi ampliado depois da crise financeira de 2008, com prazos de 15 dias úteis e de 90 dias corridos, mas nunca foi usado. Os funcionários do BC não têm proteção legal e correm o risco de serem responsabilizados se uma linha concedida com boa fé não é recuperada. Os bancos não contam com o redesconto, porque têm dúvidas se estará de fato disponível e porque querem fugir do estigma de buscar ajuda no Banco Central.
O que funciona bem é a "standing facility", com prazo de até um dia. Os funcionários do BC não relutam em fazer empréstimos nessa linha porque são bem garantidos por títulos públicos. Ao longo do tempo, o BC conseguiu quebrar o estigma e convencer os bancos a tomá-la. De certa forma, o projeto atual do BC é fazer uma espécie de espelho dessa linha, usando títulos privados como colateral e concedendo empréstimos de até dois ou três dias.
Dez anos atrás, não seria possível aceitar esses papéis, porque o mercado ainda estava incipiente. Hoje, há liquidez, referência de preços e segurança jurídica para executar as garantias. O risco de crédito será dosado exigindo volume de títulos superior ao valor colocado à disposição na linha. Os bancos terão garantias de que poderão acessá-la em momentos de aperto porque funcionam como um limite de cheque especial. Os papéis privados serão apresentados previamente para a aprovação do BC e terão um gravame.
O BC está criando, também, uma linha com prazo de até 359 dias. Também nesse caso o BC avaliaria previamente os títulos privados que poderiam servir de garantia, mas não haveria aprovação automática - dependeria do julgamento da autoridade monetária sobre a viabilidade do banco que sofre aperto de liquidez e de sua importancia para a estabilidade financeira do país.
O novo sistema atuará para impulsionar o mercado de capitais. Bancos devem comprar mais desses papéis para, num aperto de liquidez, acessar linhas do BC. Em dezembro de 2018, os bancos tinham em carteira R$ 151 bilhões apenas em debêntures. Hoje, os bancos repassam liquidez lastreada em títulos públicos para os fundos de investimento. No futuro, passarão a fazê-lo também com papéis privados. Os fundos tinham R$ 146 bilhões em debêntures. Somando debêntures e papéis comerciais, os títulos privados na economia chegam a R$ 434 bilhões.
O desenvolvimento dessas linhas lastreadas em títulos privados permitirá que, no futuro, o BC fique menos dependente dos compulsórios para atuar em eventuais crises sistêmicas de liquidez. Nessas ocasiões, os bancos centrais costumam fazem uma liberação mais geral de dinheiro para o sistema bancário. Na crise de 2008, os Estados Unidos, por exemplo, flexibilizaram as exigências de colateral em leilões de empréstimo. A base desse sistema são justamente as linhas de "standing facility", nas quais os BCs desenvolvem sistemas para avaliar títulos privados e bloquear garantias.
No modelo desenhado pelo BC, o FGC seguiria dando assistência de liquidez ao mercado. A lógica é ter um ente privado vigiando os riscos privados. O Fundo Monetário Internacional (FMI) tem sido um crítico dessa atuação do FGC. Para fugir do estigma de pedir o redesconto do BC, os bancos em geral preferem procurar assistência no FGC. Dessa forma, o redesconto do BC nunca é usado e seu estigma nunca acaba. Além disso, socorrendo bancos, o FGC se expõe a riscos e fragiliza o sistema de seguro depósito.
Outra perna que falta no sistema de assistência de liquidez é a possibilidade de fechar operações de mais de um ano, que atualmente são proibidas pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). O BC desenhou um sistema de resolução de crises bancárias em que dinheiro do próprio banco faz o resgate financeiro de instituições em dificuldades. Discute-se ainda que, quando o problema e os riscos para a economia são grandes demais para o próprio banco quebrado absorver sozinho, o BC entre com a assistência financeira de liquidez ou até para equacionar deficiências patrimoniais. Para criar essa linha, é preciso quebrar o tabu contra uso de dinheiro público nas crises bancárias que vem desde o Proer, o programa de socorro dos bancos desenhado às pressas no Plano Real.
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