segunda-feira, 26 de agosto de 2019

O que pensa a mídia | Editoriais

Irresponsabilidade fiscal: Editorial | O Estado de S. Paulo

Na quinta-feira passada, formou-se maioria no Supremo Tribunal Federal (STF) para declarar inconstitucional a permissão de diminuir a carga horária com a proporcional redução de salários de funcionários públicos, tal como previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal como forma de enfrentar situações de grave desequilíbrio das contas públicas. Uma vez que a Carta Magna não prevê expressamente essa possibilidade, a maioria dos ministros entendeu que, por força do princípio da irredutibilidade dos vencimentos, uma lei não pode criá-la.

O estranho nessa história é que não se pode nem mesmo dizer que a posição majoritária entre os ministros do STF protege a Constituição. Ao contrário, ela dificulta que sejam respeitados os limites previstos na Carta Magna. “A despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não poderá exceder os limites estabelecidos em lei complementar”, diz o art. 169 da Constituição. Como limite máximo para o gasto com pessoal, a Lei de Responsabilidade Fiscal determinou o porcentual de 60% da Receita Corrente Líquida.

Preocupada em assegurar que esse limite seja de fato respeitado, a Constituição previu medidas drásticas para a União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios. Havendo risco de ultrapassar tal limite, o ente federativo deverá – trata-se de uma ordem constitucional, e não mera possibilidade – reduzir as despesas com cargos em comissão e funções de confiança em pelo menos 20% e exonerar servidores não estáveis.

Se essas medidas não forem suficientes, “o servidor estável poderá perder o cargo, desde que ato normativo motivado de cada um dos Poderes especifique a atividade funcional, o órgão ou unidade administrativa objeto da redução de pessoal”. Tudo isso é texto constitucional, incorporado à Carta Magna por meio da Emenda Constitucional (EC) 19/1998.

Aprovada após a EC 19/1998, a Lei de Responsabilidade Fiscal previu uma medida mais branda que a exoneração de servidores. “É facultada a redução temporária da jornada de trabalho com adequação dos vencimentos à nova carga horária”, estabeleceu a Lei Complementar 101/2000.

Com isso se forneceu aos Estados e municípios mais um caminho para que fosse respeitado o limite constitucional dos gastos com pessoal. Em determinadas situações, já não seria necessário demitir servidores por causa do desequilíbrio fiscal. Bastaria diminuir as despesas do ente federativo mediante a redução temporária da carga horária, com a correspondente diminuição do salário.

Pois bem, a maioria do Supremo entendeu que tal redução de carga horária é inconstitucional. Tem-se, assim, um sistema ilógico. Por uma questão fiscal, pode-se demitir o funcionário público. Esse ponto não estava em discussão, já que a Constituição o prevê expressamente. No entanto, para a maioria dos ministros do STF, não se pode reduzir o salário, mesmo quando se diminua a carga horária de trabalho.

O relator da ação, ministro Alexandre de Moraes, foi voto vencido. “Não seria razoável impedir ao legislador a criação de um caminho intermediário que preservasse a garantia maior, que é a estabilidade, por meio de uma relativização temporária e proporcional de uma garantia instrumental, a irredutibilidade de vencimentos”, lembrou o ministro Alexandre de Moraes, cujo voto foi acompanhado integralmente pelos ministros Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes.

A Constituição não é um conjunto desconexo de normas. Ela dá forma e organiza todo o Estado. E, ao fixar os princípios que devem nortear o poder estatal, a Carta Magna reconhece a importância fundamental do equilíbrio das contas públicas. Como guardião da Constituição, o STF tem o papel de zelar pela efetividade de suas normas, promovendo – e não dificultando – a aplicação de medidas que assegurem a responsabilidade fiscal. A permissão de redução da carga horária e, consequentemente, de salários de servidores públicos prevista na Lei de Responsabilidade Fiscal era uma clara ajuda para que o art. 169 da Carta Magna seja de fato cumprido. Não faz sentido, portanto, declará-la inconstitucional.

Privatize-se: Editorial | Folha de S. Paulo

Plano de desestatizações é tímido; venda dos Correios dependerá de regulação

O governo anunciou um plano de venda de estatais ainda preliminar e tímido diante das expectativas criadas. Mais nove empresas passam a constar da lista, mas, fora isso, pouco mais se sabe sobre prazos, procedimentos e regulação.

Ainda assim, cumpre observar que, enfim, algo se move para a privatização de estatais diretamente controladas pelo Tesouro Nacional —até aqui, basicamente só avançou neste ano a alienação de subsidiárias da Petrobras.

Segundo o mais recente boletim oficial, o governo possuía até abril 133 empresas, das quais 87 subsidiárias de Petrobras (34), Eletrobras (30), Banco do Brasil (16), BNDES (3), Caixa Econômica Federal (3) e Correios e Telégrafos (1).

Desse grupo de grandes companhias, a Eletrobras já tem sua desestatização planejada desde o governo Michel Temer (MDB). Agora, propõe-se também a venda dos Correios. Esta, sem dúvida, será bem-vinda —e o esbulho sofrido pela companhia ao longo dos anos petistas não é o único exemplo dos males do controle estatal.

Há, porém, decisões importantes a tomar. Especula-se, por exemplo, que a empresa venha a ser cindida em uma operação de logística e encomendas, como qualquer outra do ramo, e uma de serviços postais, ainda pertencente à União.

Na hipótese de privatização integral, restará definir como assegurar os serviços públicos prestados pela estatal, caso da entrega de correspondência em rincões do país.

Existem dúvidas similares sobre o destino de Serpro e Dataprev, que prestam serviços de tecnologia de informação, armazenamento e processamento de dados.

Lidam, nessa condição, com informações sensíveis ligadas a Previdência Social, carteiras de motorista, multas e registros fiscais, entre outros exemplos. Não está claro se haverá monopólio ou concorrência em tais atividades.

Nota-se, pois, a necessidade de cautelas regulatórias. Além do mais, o Congresso terá de aprovar a venda de certas empresas. Parece muito improvável que o processo esteja concluído até 2020.

No mais, será privatizada a controversa Companhia Docas do Estado de São Paulo, palco de muitas irregularidades, além dos portos de São Sebastião e do Espírito Santo. A empresa de chips Ceitec já vai mais do que tarde.

Observam-se ausências gritantes na lista de privatização. Entre elas, a Valec, de construção e administração de ferrovias, inepta e envolvida em corrupção. O inchaço e fracasso de audiência da EBC, de rádio e TV, pedem solução urgente.

É preciso, enfim, dar um destino a pelo menos outra dúzia de empresas, que não têm função pública, apenas absorvem recursos escassos ou são empecilhos ao funcionamento do mercado.

Para um governo que se alardeia liberal, o plano de desestatização ainda caminha de modo lento.

Renegociação em Itaipu precisa ser transparente: Editorial | O Globo

Retomada da negociação ocorre entre equipes técnicas, como deveria ter sido desde o início

Brasil e Paraguai retomaram as negociações sobre a contratação de energia de Itaipu. Espera-se que, desta vez, sejam conduzidas em bases técnicas, sem precipitações de governos ou interferências indevidas derivadas de interesses políticos e privados.

É necessário bom senso. Itaipu é um assunto de Estado, sempre prioritário. Trata-se de obra diplomática que pacificou a fronteira Sul e a transformou numa zona economicamente próspera, com dividendos para os dois países.

Para o Brasil, a usina é garantia de suprimento de 15% das necessidades energéticas. É a principal fonte de abastecimento do parque industrial das regiões Sul e Sudeste.

Para o Paraguai, tem outra dimensão. Responde por dois terços do Produto Interno Bruto. Despeja US$ 1 bilhão por ano na economia local, equivalente ao total de impostos das 500 maiores empresas paraguaias.

Itaipu tem a peculiaridade de ser uma empresa binacional. Pelo acordo, cada dólar gasto em um lado da fronteira deve, obrigatoriamente, correspondera o dispêndio de um dólar na outra margem do Rio Paraná.

A negociação atual dos contratos é prepara tória à revisão das condições estabelecidas no Anexo C do tratado de construção da usina há 43 anos. É uma fase de transição.

O Brasil quis acelerar essa etapa, com definições para a revisão de preços em 2023. Pressionou pela celeridade, no final do governo Temer, quando decidiu suspender uma fatura de US$ 54 milhões relativa à compra de energia.

O governo Bolsonaro manteve a pressão, natural numa negociação comercial, mas se precipitou na tentativa de reduzir o custo da energia comprada pelo Brasil. Um pré-acordo foi assinado em maio. Veio a público no Paraguai, onde prevaleceu a interpretação de que favorecia o Brasil e lesava interesses paraguaios.

O governo de Mario Abdo Benítez, há um ano no poder, quase foi derrubado pela oposição, que conseguiu unir e mobilizar o país em manifestações de rua. Diante da reação, que incluiu protestos diante da embaixada brasileira, Abdo Benítez anunciou a decisão unilateral de cancelar o pré-acordo assinado.

A retomada da negociação agora ocorre entre equipes técnicas, como deveria ter sido. O fracasso anterior impõe a exigência adicional de que transcorram em absoluta transparência, sem subterfúgios e, muito menos, interferências indevidas, como se viu na tentativa de conceder a uma empresa privada brasileira o monopólio na comercialização de uma cota paraguaia (300 MW) da energia gerada — algo que é inviável pelos termos do tratado.

Itaipu é um monumento político à paz na fronteira Sul, erguido na memória de uma guerra devastadora (1864-1870). É assunto de Estado entre Brasil e Paraguai. Não importam as circunstâncias, muito menos os governos, não se pode e nem se deve relevar esta premissa.

Governo usa desemprego para defender nova CPMF: Editorial | Valor Econômico

Em um cenário de lenta recuperação econômica e forte desemprego, o governo agora tenta associar a criação de um novo imposto, a Contribuição sobre Pagamentos (CP), à criação de novas vagas de trabalho. A retórica contraria uma das promessas do então candidato Jair Bolsonaro de reduzir a carga tributária.

Antes da vitória no primeiro turno, Bolsonaro publicou nas redes sociais: "Ignorem essas notícias mal intencionadas dizendo que pretendemos recriar a CPMF. Ninguém aguenta mais impostos, temos consciência disso". Foi uma resposta à revelação de que o então coordenador econômico da campanha, Paulo Guedes, adiantara a um grupo de empresários a intenção de criar um novo imposto, desta vez sobre todos os pagamentos realizados na economia.

Quase um ano depois, o secretário especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, finaliza um pacote de medidas para acelerar a geração de empregos. Uma delas é a substituição da contribuição patronal de 20% para o INSS sobre a folha de pagamento pela nova CPMF, rebatizada de Contribuição sobre Pagamentos e de incidência bem mais ampla do que o antigo imposto sobre o cheque.

Passados 11 meses, o hoje ministro da Economia, Paulo Guedes, não apenas defende publicamente o novo imposto, como o apresenta como gatilho para a abertura de milhares de novos postos de trabalho. "Se a classe política achar que as distorções causadas pelo imposto são piores que os 30 milhões de desempregados sem carteira que tem aí, eles decidem", argumentou na quarta-feira.

Na entrega do prêmio Valor 1000 na semana passada em São Paulo, Guedes disse que prefere "abraçar um imposto horroroso" ao desemprego. E se a alíquota do novo tributo for pequena, "não machuca". O secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, sustenta que o novo imposto "vai gerar um choque de empregos no país".

É notório o empenho do governo no avanço das reformas econômicas liberalizantes. Mas também é consenso entre economistas e políticos que nem a reforma da Previdência, que está com o cronograma atrasado no Senado, nem a sanção da Medida Provisória da Liberdade Econômica, que melhora o ambiente de negócios, vão proporcionar a imediata abertura de vagas. Sabe-se que só a retomada do crescimento econômico será capaz de devolver dinamismo ao mercado de trabalho. E o crescimento só virá pela expansão dos investimentos.

Os números do desemprego são alarmantes. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), havia 13 milhões de desempregados no Brasil. Na planilha de Guedes, entretanto, o número sobe para 30 milhões, considerando-se os subutilizados (qualificados em subempregos) e os desalentados (que desistiram de procurar emprego).

Reportagem do Valor mostrou na última semana que 24,1 milhões de brasileiros estão trabalhando "por conta própria", em atividades que exigem pouca qualificação e geram menor rendimento. Levantamento da consultoria IDados mostrou que 10,1 milhões vivem com menos de um salário mínimo por mês e desses 3,6 milhões vivem com R$ 300 por mês.

O Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), divulgado na sexta-feira, mostrou que foram criadas 43.820 vagas formais em julho. Mas o segmento que mais gerou vagas (18.721) foi a construção civil, que exige baixa qualificação.

Paulo Guedes investe na retórica do novo imposto como estímulo à geração de novos postos de trabalho e espera, assim, sensibilizar o presidente e a cúpula do Congresso, onde os presidentes das duas Casas e os principais líderes já se manifestaram contra a medida. A um ano das eleições municipais, os parlamentares estão em dívida com o eleitorado por causa das mudanças na aposentadoria. Aumentar impostos pode ser a pá de cal na chance de se eleger prefeito.

Bolsonaro encontra-se em uma encruzilhada. Na primeira tentativa de elevar o IOF, em janeiro, ele voltou atrás diante da péssima repercussão da iniciativa.

O mote do "choque de emprego" porém, é sedutor. Desta vez, o presidente pode estar trocando popularidade no curto prazo por recuperação do emprego mais adiante, com o consequente ganho político que essa resposta trará.

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