- Folha de S. Paulo
Governo não tem vértice, e sinal amarelo pisca forte
Quando os governantes se deixam levar pelas circunstâncias, perdem a noção do conjunto e acabam trocando o essencial pelo superficial. E quando o ator principal, por sua extravagância e desprovido de bom senso, continua a frequentar o palanque, a identidade do governo perde o eixo e deixa a sociedade perplexa sobre o rumo do país.
Esta percepção sobre o governo Bolsonaro se alastra. Nos quase oito meses da administração, tensões se expandem em função das posições do presidente, entre as quais se destacam: alinhamento automático com os EUA; ameaça da União Europeia de desfazer o acordo com o Brasil em virtude da questão ambiental, com foco no desmatamento da Amazônia e a exploração de minérios na região; a ameaça de perda de parcela do mercado argentino, com a eventual vitória do kirchnerismoem outubro; substituição da tradicional diplomacia brasileira por uma política ancorada na extrema-direita; extensão do apartheid social, sob o cultivo da base bolsonarista e tiros nos adversários; e esgarçamento da base governista, insatisfeita com o estilo bolsonarista.
O governo não tem um vértice. Bolsonaro pode até desfraldar a bandeira brasileira e cantar “Pátria Amada”, mas seu governo será um fracasso sem as reformas acalentadas pela sociedade, como a tributária/fiscal, a administrativa e até a dos padrões da política.
Avalia-se o desempenho de uma administração pela somatória de quatro campos de viabilidade: o político, o econômico, o social e o organizativo. O equilíbrio entre eles é responsável por sua fortaleza ou fragilidade. Vale dizer que o governo acumulou força des¬comunal com a vitória, mas até agora não soube transformá-la em ferramenta de eficácia da gestão. Deixa escapar, aos poucos, a condição de usar o poder como “capacidade de fazer com que as coisas aconteçam”, como ensina Bertrand Russel. Basta analisar os furos exagerados em três dos quatro cinturões. A área política é semeada de tensões e pressões, o que leva à instabilidade. Não fosse Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, a reforma da Previdência estaria emperrada.
A base governista, de cujo apoio o governo tanto necessita, constitui um aglomerado heterogêneo. Até o PSL, partido do presidente, se envolve em querelas. O ponto central: o governo não se assenta no conceito de coalizão e, assim, não tem compromissos com os parlamentares, o que torna frouxos os elos com as estruturas partidárias. Não há pacto de apoio; os acordos provisórios ficam sujeitos às circunstâncias, com a indicação de nomes por parlamentares importantes —o que lembra a velha política.
O território social está devastado pela improvisação. O povo espera mais uma graninha no bolso. Medidas paliativas, como a suspensão de radares móveis nas estradas, não esticarão o colchão social.
A segurança pública pode até melhorar com o pacote anticrime do ministro Sergio Moro (Justiça). Mas o próprio passa por vexames e até certo afastamento do coração do presidente. A desconfiança entre eles começa a brotar. A saúde carece de um choque de gestão, a começar pela rede hospitalar sucateada.Há investimentos para equacionar o déficit do programa Minha Casa, Minha Vida? E a rede de esgotos com apenas 47% dos domicílios brasileiros, dentre os quais apenas 20% dispõem de tratamento?
A administração tem furos. O governo prometeu enxugar a máquina e vê que é tarefa complexa. A burocracia ainda trava, apesar da Lei da Liberdade Econômica. Que eficiência se pode esperar de um ministério do tipo colcha de retalhos e com ministros sob suspeita?
Já o cinturão econômico conta com equipe brilhante. Porém, o ministro Paulo Guedes tem dúvidas sobre a aprovação de seus projetos. O desemprego continua acima dos 12 milhões. O arrocho tributário vai às alturas. A reforma tão falada vai aliviar a carga de pessoas físicas e jurídicas? Com tantas dúvidas, o sinal amarelo pisca forte, prenunciando o prolongamento da recessão.
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