segunda-feira, 26 de agosto de 2019

Celso Rocha de Barros*: Rumo ao G7 a 1

- Folha de S. Paulo

Na crise das queimadas na Amazônia, ficamos sozinhos e passamos vergonha

A crise da Amazônia é o maior desastre da história diplomática brasileira das últimas décadas. Isso, filho, pede para o Olavo escolher o chanceler, vai dar certo.

O presidente da França, Emmanuel Macron, propôs o fim do acordo da União Europeia com o Mercosul. A Finlândia propôs um boicote à carne brasileira. O novo primeiro-ministro conservador do Reino Unido, Boris Johnson, e a alemã Angela Merkel devem garantir a sobrevivência do acordo, mas vão exigir providências brasileiras. Donald Tusk, presidente do Conselho Europeu, postou que defende o acordo, mas advertiu que sua “ratificação harmoniosa” será difícil se o governo brasileiro permitir a destruição da Amazônia.

E mesmo Donald Trump, quando ofereceu ajuda ao Brasil, contrariou o discurso oficial bolsonarista de que a crise era “fake news”.

Ficamos sozinhos, passamos vergonha.

O governo brasileiro tentou reagir à crise mentindo: o presidente mentiu que as ONGs haviam colocado fogo na Amazônia, vários ministros mentiram que a crise era uma conspiração de esquerdistas.

E todos ficaram chocados quando descobriram que as grandes potências são menos otárias do que a sua tia que caiu no conto da mamadeira de pinto do WhatsApp.

Na mesma hora, os militares e outros governistas (em rara sintonia) protestaram contra a violação de nossa soberania nacional.

Não, ninguém propôs nada que exigisse coragem ou sacrifício, mas o ministro do Meio Ambiente chamou Macron de “Mícrion”, o embaixador Eduardo Bolsonaro postou um vídeo chamando o francês de idiota, e o perfil oficial do presidente da República (que deve ser administrado pelo Carlos) riu de um comentarista que disse que Macron tem inveja de Bolsonaro porque sua mulher seria mais feia que dona Michelle.

Isso, moleques, vão nessa, acho que mais uma piada sobre o tamanho do Johnson do Boris e pronto, já garantimos nossa vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU.

Essa palhaçada toda aconteceu enquanto o agronegócio brasileiro se desesperava com a possibilidade de sofrer sanções comerciais pelo aumento do desmatamento.

A crise diplomática mostra como o bolsonarismo enfraqueceu o Brasil.

Não há dúvida de que outros países podem se aproveitar da crise —que é real e gravíssima— para interferir na soberania brasileira. Mas essas intervenções são como ataques especulativos à moeda nacional: não acontecem contra países bem administrados.
A crise das queimadas não deve ser causada apenas pela política ambiental. Mas não estaríamos vulneráveis às ingerências internacionais se a política ambiental bolsonarista não fosse a pior do mundo.

E aí se entende o problema do bolsonarismo com o “globalismo”. Não é anti-imperialismo, muito pelo contrário. Bolsonaro entregou a base de Alcântara para os americanos e disse que uma das missões de seu filho é encontrar mineradoras americanas para explorar garimpos na Amazônia.

O que incomoda os bolsonaristas na globalização é o risco de que, conforme as trocas comerciais entre os países se desenvolvam, surjam normas internacionais de decência. O bolsonarismo só venceu no Brasil porque, em um dado momento de crise, as nossas se afrouxaram.

PS: o título da coluna foi tirado de um tuíte de @_tatarana.

*Celso Rocha de Barros é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).

Nenhum comentário: