- Valor Econômico
É preciso que o governo decida logo se fará avançar as reformas ou se vai dar uma parada
Não há como negar o gosto amargo deixado pelas estatísticas recentes de atividade econômica. A produção industrial, depois de ir bem de agosto a outubro, quando subiu 2,4%, devolveu todo esse ganho em novembro e dezembro. No ano, fechou com queda de 1,1%. As vendas ampliadas do comércio, que incluem veículos e materiais de construção, também caíram em novembro e outubro, sempre nas séries livres de efeitos sazonais, voltando ao patamar de julho. No ano, aumentaram 3,9%. Por fim, também os serviços tiveram queda no último bimestre do ano, voltando ao nível de setembro e fechando 2019 com expansão de 1%.
O IBC-BR, índice do Banco Central que sintetiza a informação contida nesses indicadores, aponta alta de 0,5% no último trimestre do ano e de 0,9% no ano de 2019. Em 2018, quando o PIB teve alta de 1,3%, o IBC-BR também subiu 1,3%: se o padrão se repetir, o que não é garantido, o PIB em 2019 terá tido pior desempenho que no biênio 2017-18. Nesse ritmo, só em 2022 voltaremos ao PIB de 2014. Levar oito anos para completar a recuperação de uma recessão seria em si um fracasso.
Esses resultados reforçam as dúvidas que têm ocupado as mentes dos analistas: por que tem sido tão difícil para o Brasil se recuperar da recessão de 2014-16?
Nossas contas nacionais contam quatro histórias diferentes sobre isso. Uma, que o consumo do governo, que entre 1990 e 2014 respondeu em média por 14% da expansão do PIB, desde então parou de crescer, ficando, nos nove primeiros meses de 2019, 2,1% abaixo do patamar atingido cinco anos antes. Dada a situação fiscal do país, não é de se esperar uma mudança significativa nesse padrão nos próximos anos.
O consumo das famílias conta uma história parecida: responsável por pouco mais de dois terços do crescimento do PIB no período pré-recessão, ele ainda amarga queda acumulada de 1,3% na comparação entre os três primeiros trimestres de 2014 e igual período em 2019. Mas as perspectivas são mais otimistas neste caso. As projeções apontam para uma expansão do emprego nos próximos anos e há a perspectiva de que, com juros mais baixos, as famílias continuem a se endividar para consumir. Naturalmente, é um comportamento que alguma hora precisará perder gás, mas que pode ser fundamental a curto prazo.
A terceira história é a das exportações líquidas. Na comparação dos primeiros nove meses de 2014 com igual período de 2019, vê-se que elas adicionaram cerca de 3 pontos percentuais ao PIB. Porém, toda essa contribuição se deu no biênio 2015-16; desde então, as exportações líquidas têm subtraído do crescimento. É difícil entender porque, considerando que a economia brasileira trabalha abaixo do seu potencial e a taxa de câmbio no último biênio ficou 7,4% mais desvalorizada do que na média dos últimos 20 anos.
O fracasso em expandir as exportações reflete nossa baixa competitividade e a escassa inserção nas cadeias globais de valor. Somando a isso o baixo crescimento na América Latina e a semi-estagnação do comércio internacional, vê-se que também não será por aí que vamos acelerar o crescimento.
Resta, assim, a expectativa de uma recuperação mais robusta do investimento. Este ainda estava, no terceiro trimestre de 2019, 25% abaixo do pico atingido no início de 2013. E a única indicação de avanço no último trimestre do ano passado foi nas vendas de materiais de construção, que subiram 2,4% em relação ao trimestre anterior. A produção de bens de capital caiu 5,4%, enquanto as importações despencaram 28,9%, mais do que compensando a queda de 13,6% nas exportações.
É difícil explicar esse comportamento dos investimentos, quando se leva em conta a brutal queda dos juros básicos nos últimos três anos e quatro meses: 10 pontos percentuais em termos nominais. Atualmente, a Selic real, descontada a expectativa de inflação para os próximos 12 meses, está em apenas 0,8%! Isso tem estimulado uma forte emissão de títulos corporativos de dívida, mas não um aumento igualmente significativo dos investimentos.
De qualquer forma, há aqui algum espaço para otimismo. As análises do Cemec (Centro de Estudos de Mercados de Capitais) indicam que para as grandes empresas o chamado Diferencial de Wicksell voltou ao terreno positivo, com o retorno sobre o capital investido superando outra vez o custo médio do capital.
O desafio agora é combinar isso com uma redução da incerteza. Parte do elevado nível de incerteza vem do cenário externo, mas há um componente ainda mais importante que tem origem doméstica. Refiro-me aqui à atuação do governo, que poderia contribuir mais para reduzir a incerteza.
Minha leitura é que há uma dissonância entre o que diz a equipe econômica e o que o presidente aceita fazer. A forte retórica do ministro da Economia parece mais voltada ao público interno do que externo. Não me parece uma boa estratégia. É preciso decidir logo se vamos avançar com as reformas, ou se a decisão é dar uma parada. Na minha visão, também ajudaria o Banco Central anunciar uma prolongada estabilidade para a taxa Selic, tirando de pauta o debate sobre política monetária.
*Armando Castelar Pinheiro é Coordenador de Economia Aplicada do Ibre/FGV, professor da Direito-Rio/FGV e do IE/UFRJ
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