terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

Míriam Leitão - Reformas no meio do conflito

- O Globo

Bolsonaro cria um clima de conflito com os governadores no momento em que o governo prepara o envio de reformas ao Congresso

A proposta de reforma administrativa está sobre a mesa do presidente Jair Bolsonaro há cerca de 60 dias. No início, ele e o grupo palaciano decidiram adiar por causa das tensões no Chile, depois disso foram estabelecidas condições como a de que a área econômica ouvisse outros ministros. Por fim, o presidente avisou que hoje receberá nova proposta e a encaminhará. A reforma tributária também está pronta para ir para o Congresso. Mas irá em fases. A primeira etapa é apenas a fusão do PIS e Cofins. Está prevista para ir para o Congresso em duas semanas. No meio de tudo isso, no pior momento, aumentou a tensão entre o presidente e os governadores.

O governo está perdendo tempo. Este ano legislativo será mais curto por causa da eleição municipal. Por outro lado, a crise federativa já faz queimar a largada dessa agenda de reformas. Na semana passada o presidente Bolsonaro fez uma provocação totalmente descabida sobre preço de combustível. Ele sabia que não poderia zerar os impostos sobre gasolina e diesel mas fez um desafio como uma jogada política. Quis passar a impressão de que o presidente quer diminuir o preço e só não o faz porque os governadores não querem.

Quando a situação estava em ponto de ebulição, o ministro da Economia, Paulo Guedes, foi para uma reunião com os governadores em Brasília. Disse que entendia que eles não poderiam abrir mão dessa receita e apresentou a saída de que tudo isso fosse discutido na reforma tributária.

No fim de semana, contudo, surgiu mais uma frente de problemas com a briga entre o presidente e o governador da Bahia, Rui Costa, em torno da morte do miliciano Adriano da Nóbrega. O presidente acusou a “PM da Bahia, do PT,” de ter promovido a “provável execução sumária” e “queima de arquivo”do ex-capitão do Bope. Adriano foi duas vezes homenageado pelo então deputado, hoje senador Flávio Bolsonaro, a pedido do próprio presidente. O clima de beligerância aumentou com as notas trocadas entre eles.

Este é o momento de enviar as novas propostas de reformas e fazer andar as PECs que haviam sido encaminhadas antes do fim do ano. Na área econômica, fala-se das três PECs que já estão no Congresso como sendo uma só: a do pacto federativo. O objetivo delas seria a de redistribuir futuros recursos dos royalties do petróleo. Mas inclui várias outras medidas, como as de emergência fiscal e a extinção de fundos.

A reforma administrativa já foi mostrada aos ministros pelo secretário Paulo Uebel. O projeto estabelece novas regras apenas para o funcionalismo do futuro. O problema é que essa reforma só do futuro pode criar muitas distorções. Os que acabaram de entrar no setor público, nos últimos anos, terão um regime de trabalho totalmente diferente dos que vierem a ingressar. Poucos anos de serviço público vão separar servidores com progressões na carreira bem diferentes. Ela foi entregue pela área econômica ao Planalto no fim do ano passado, mas o presidente considerou que diante do cenário de manifestações populares no Chile era melhor esperar. Agora, o envio tem sido adiado por vários pretextos, mas o presidente passou a dizer que nos próximos dias encaminha.

Na fila, aguardando, está a reforma tributária. A proposta do Ministério da Economia é mandar apenas a fusão do PIS e do Cofins para depois se “acoplar”, como se diz no governo, com a reforma do ICMS. Só num terceiro momento é que se incluiria o IPI. A explicação dada no Ministério da Economia é que o projeto está todo pronto, mas será enviado em fases.

O governo não quer discutir o ISS agora porque considera que a negociação com mais de cinco mil prefeitos seria impossível neste momento. Depois de toda a unificação dos impostos sobre consumo é que seria apresentada a do Imposto de Renda, que reduzirá o imposto cobrado das empresas e passará a recolher tributos sobre dividendos.

O que se defende na área econômica é que tudo seja feito paulatinamente, evoluindo em etapas para um novo regime tributário. O problema é que o Congresso já está adiantado, criando uma comissão mista para discutir as duas propostas de reforma tributária. A agenda de reformas este ano é complexa. O clima de confronto federativo, provocado em grande parte pelo próprio presidente, pode tornar ainda mais difícil sua tramitação.

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