terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

Elizabeth Drew* - Quem pode vencer Trump?

- Valor Econômico

Um novo mandato para Donald Trump, cada vez mais autoritário, vingativo e perigoso, poderia definir o que os EUA vão ser por período bem longo

A eleição presidencial americana em novembro será a de consequências mais importantes na história moderna do país. Um novo mandato de mais quatro anos para Donald Trump, cada vez mais autoritário, vingativo e perigoso, poderia definir o que os Estados Unidos vão ser por período bem longo.

A eleição deste ano não vai ser a disputa típica entre dois partidos que diferem mais na intensidade do que no conteúdo. Mas, primeiro, os democratas vão ter que definir seu candidato e, desta vez, a disputa está excepcionalmente diversa.

A terceira tentativa do ex-vice-presidente Joe Biden para ganhar o principal cargo do país não está indo muito melhor do que as duas primeiras. Biden é uma figura bem aceita - um homem decente, empático, que carece de nuances maldosas. Mas esse próprio grau de aceitação de Biden poderia muito bem ser sua ruína eleitoral. Ele carece do que eu chamo de “presidencialidade” - uma certa dignidade e distanciamento que dão a sensação de que não seria nada sensato contrariá-lo ou contrariá-la. Ele também carece de uma mensagem: lembrar os democratas de que ter sido o vice-presidente de Barack Obama pouco diz aos eleitores sobre como ele iria governar.

Tampouco surpreende que a campanha de Elizabeth Warren tenha ficado sem fôlego. No início, ela respondia às perguntas dizendo “Tenho um plano para isso”. Ela conhece bem o funcionamento do governo doméstico e atraiu uma legião passional de eleitores. Mas parece não ter compreendido que aprovar tantos novos programas seria impossível. Vários dos colegas dela no Senado - incluindo aliados - disseram-me desde o início que ela não “cairia bem”. Eles não gostam de sua atitude de superioridade. Há uma frieza nela que nem todos os “selfies” com apoiadores seriam suficientes para superar.

O senador Bernie Sanders, também, é vítima do excesso de promessas. Ele ainda é o que melhor se sai entre os eleitores mais jovens: os mais velhos questionam como ele iria pagar o custo de tudo o que promete, como o perdão das dívidas estudantis e o ensino gratuito nas faculdades públicas.

Tanto Warren quanto Sanders entraram em problemas ao defender o “Medicare para Todos”, o seguro-saúde universal. Ninguém mostrou como substituir o Obamacare por um sistema de financiamento unicamente estatal não resultará em um aumento dos impostos sobre a classe média. Além disso, alguns sindicatos se opõem à ideia, já que o novo sistema substituiria planos de saúde melhores que eles negociaram ao abrir mãos de outros benefícios.

Sanders, que se autoproclama um “socialista democrata”, é uma figura preocupante em tempos nos quais a unidade partidária é vista como crucial para conseguir derrotar Trump. A rigidez ideológica de Sanders limita sua quantidade de seguidores, de forma que ele não vem conseguindo expandir seu eleitorado. Embora tenha vencido em New Hampshire, que é limítrofe a seu Estado natal, Vermont, ele teve 50% a menos dos votos que teve em 2016. Mas, neste momento, ele não pode ser descartado como uma forte possibilidade de indicação.

Auxiliado pela imprensa política em busca de notícias e pelo bom desempenho no debate realizado quatro noites antes da primária de New Hampshire, a senadora Amy Klobuchar transformou seu terceiro lugar lá (ela foi quinta em Iowa) em uma “onda de crescimento”. Mas os debates não são bons indicadores para a presidência: eles testam a aceitação, a inteligência e o ponto de vista, mas pouco revelam sobre o temperamento, discernimento, curiosidade, sabedoria e habilidades diplomáticas do candidato.

Por enquanto, o crescimento Klobuchar ofuscou sua reputação de ser grosseira ao lidar com sua equipe, o que já lhe trouxe dificuldades em atrair e manter auxiliares de alto gabarito. Mas Klobuchar também carece de uma visão perceptiva. Ela recita um histórico aparentemente impressionante de vitórias eleitorais em Minnesota, onde ela não precisou enfrentar uma oposição forte, e enfatiza suas origens modestas (seu avô foi minerador de carvão). O que ela não destaca é o apoio que recebe de empresas, incluindo a gigante dos agronegócios Cargill, maior empresa de capital privado dos EUA - e uma das mais polêmicas.

Pete Buttigieg, de 38 anos, tem sido o fenômeno mais surpreendente na disputa, graças a seu intelecto afiado e autocontrole fora de série. Seus rivais menosprezam a experiência política dele como prefeito de uma pequena cidade (South Bend, Indiana), mas ela foi suficiente para familiarizá-lo com a forma de funcionamento dos programas federais. Ele se voluntariou para entrar nas Forças Armadas e serviu no Afeganistão. Além disso, dedicou-se mais a pensar a política externa do que seus rivais (com exceção de Biden). Ele lida de forma segura com o fato de ser um homem homossexual casado. Tem um senso de humor irônico e é capaz de alfinetar sutilmente um oponente de uma forma que lembra Obama.

Mas será que isso é suficiente para vencer? Bill Clinton projetava empatia. Os americanos viram Obama chorar depois do massacre na escola primária Sandy Hook em 2012. É difícil imaginar Buttigieg chorando. Ele pode sair-se bem na figura do analista reservado da firma de consultoria McKinsey que ele foi no passado. Isso, assim como as decisões controversas sobre pessoal que ele tomou quando prefeito, podem explicar sua dificuldade até agora para atrair o apoio das minorias. E, embora seja possível imaginar o intelecto afiado e senso de humor rápido de Buttigieg enervando Trump, é incerto se o eleitorado como um todo iria aceitar um candidato homossexual da mesma forma que os eleitores das primárias democratas.

Depois que Mike Bloomberg, prefeito em três mandatos na cidade de Nova York, subiu nas pesquisas de opinião pública, ele começou a receber mais atenção - o que o deixou em águas mais agitadas. Por exemplo, ele foi acusado de racismo, essencialmente por seu programa de policiamento “stop-and-frisk” que implantou quando prefeito, e de misoginia em suas práticas comerciais; comentários vulgares feitos antes de ser prefeito agora voltaram a circular. Mas Bloomberg vale-se de sua enorme riqueza para autofinanciar a campanha e erigiu importantes alianças por meio de doações a candidatos, de financiamentos a programas de prefeitos, a maior parte negros, e a programas para o avanço da igualdade de gênero.

Além disso, a experiência de governo de Bloomberg e sua calma competência o tornam uma opção atraente para muitos. Seu maior atrativo, contudo, é o fato de ser visto como sendo o candidato mais bem preparado para derrotar Trump, que parece incomodado com a perspectiva de enfrentar um concorrente muito mais rico do que ele (e evidentemente conhecedor de suas práticas comerciais inconvenientes em Nova York).

Ser capaz de comprar vantagem política pode ser errado ou injusto, mas Trump é uma figura tão alarmante que, até agora, diversos eleitores parecem dispostos a fazer vista grossa a muito do que eles, de outra forma, nunca perdoariam. E a razão para isso é o fato de a eleição de 2020 estar sendo travada em um momento de crise da democracia americana.

*Elizabeth Drew é escritora e jornalista em Washington e autora de “Washington Journal: Reporting Watergate and Richard Nixon’s Downfall”. Copyright: Project Syndicate, 2020.

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