A ‘virada digital’ dos partidos – Editorial | O Estado de S. Paulo
Reportagem do Estado mostrou que os maiores partidos estão investindo em uma “virada digital” para recuperar relevância política e renovar seus quadros. É uma iniciativa alinhada com os tempos em que as redes sociais e os meios digitais dominam a comunicação e, por extensão, a mobilização política em todo o mundo.
Ao que parece, contudo, a “virada digital” restringe-se por ora ao fornecimento de ferramentas para ampliar o potencial eleitoral dos candidatos desses partidos. Pode até ser que muitos acabem sendo bem-sucedidos nas urnas a partir desse incremento de participação no mundo virtual, mas nada disso significará, em si mesmo, a redenção dos partidos como meios de representação política do eleitorado.
Faz todo sentido que os partidos busquem municiar seus filiados interessados em disputar cargos eletivos com cursos de formação online e instrumentos digitais de gerenciamento de campanhas. Os cursos servem, por exemplo, para orientar os aspirantes a candidatos sobre as atividades básicas de um parlamentar e como funciona a legislação eleitoral, o que a maioria provavelmente desconhece.
Também é natural que os partidos estejam mobilizados na busca de formas espertas de usar o ambiente interativo da internet, razão pela qual os cursos ensinam como gerenciar as redes sociais e monitorar a audiência e o engajamento, tidos como fundamentais numa campanha bem-sucedida.
O problema é que os partidos parecem entender que perderam importância porque negligenciaram por muito tempo o universo das redes sociais, e não porque vêm progressivamente se desconectando dos verdadeiros interesses da sociedade e dos cidadãos.
Essa degradação da política partidária resulta de uma combinação de diversas crises. A primeira, e mais óbvia, é de representatividade, gestada também pela multiplicação desenfreada de partidos. Organizar uma agremiação partidária tornou-se um bom negócio, por franquear acesso a fundos públicos. Até a minirreforma eleitoral de 2017, mesmo legendas que não tinham nenhum parlamentar podiam usufruir de uma fração do fundo partidário. Agora, com a imposição de uma cláusula de desempenho, esse acesso será negado a partidos que só existem no nome, o que deve levar à sua extinção por falta de dinheiro. Mas o estrago já está feito: com mais de 30 partidos em atividade e outras dezenas na fila de espera da Justiça Eleitoral, grande parte do eleitorado está plenamente convencida de que eles nada representam além dos interesses de seus caciques, muito distantes dos anseios da coletividade.
A segunda crise é moral. Levará muito tempo ainda para que a política recupere seu prestígio como lugar da resolução de conflitos e da elaboração de soluções duradouras para o País. Os escândalos de corrupção e a prevalência de agendas paroquiais e francamente corporativas em detrimento das reais necessidades nacionais alienaram os cidadãos da política de maneira radical. Não será um punhado de tuítes bem elaborados que reverterá esse quadro.
Por fim, mas não menos importante, os partidos não têm nenhuma identidade. Mesmo grandes legendas com base ideológica reconhecível, como PT e PSDB, perderam-se em seus respectivos labirintos. A única ideologia do PT hoje é o lulismo, espécie de manifestação mística da vontade do demiurgo Lula da Silva. No PSDB, a histórica plataforma social-democrata derreteu, a tal ponto que tucanos flertaram abertamente na eleição passada com a extrema direita bolsonarista.
Se os partidos estão realmente interessados em se reinventar para sobreviver aos novos tempos, o primeiro passo é investir primeiro na mensagem, e só depois no meio de propagá-la. De nada adianta ter uma formidável rede de contatos e disseminação de ideias se o discurso é vazio ou meramente eleitoreiro. A depender das circunstâncias, mesmo rinocerontes são capazes de ganhar uma eleição; um verdadeiro partido político, contudo, deve ir muito além das urnas, palanques e redes sociais, oferecendo ao eleitorado a chance de interferir efetivamente nas grandes questões do País.
A marcha dos aflitos – Editorial | O Estado de S. Paulo
Todo ano eleitoral é assim: uma procissão de prefeitos e governadores em Brasília para pressionar pela liberação de contratação de empréstimos aos entes federativos com o aval do Tesouro. A pressão é do jogo político, em especial quando os Poderes Executivos locais estão atrás de recursos para dar andamento a seus projetos e ter o que mostrar aos eleitores. O problema é a União ceder quando não deve. Grande parte dos Estados e dos municípios não reúne as condições necessárias para ter a União como avalista. O aval do governo central é condição para que os entes federativos consigam juros menores em instituições como o Banco Mundial (BID), o Banco Interamericano de Desenvolvimento (Bird) e a Corporação Andina de Fomento (CAF).
Anualmente, a União fixa um teto para o endividamento total de Estados e municípios, com ou sem aval do Tesouro. O valor para 2020 ainda não foi definido, o que deve ocorrer na próxima reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN), ainda neste mês. No ano passado, esse limite foi de R$ 20 bilhões. A União teve de cobrir um calote que somou R$ 8,35 bilhões, quase o dobro da “pendura” que Estados e municípios deixaram para o conjunto de contribuintes em 2018, no valor de R$ 4,8 bilhões. Diante desse nível de inadimplência, é compreensível a relutância do Ministério da Economia em ceder aos apelos de governadores e prefeitos.
À volúpia de governadores e prefeitos soma-se a pressão do tempo. Por lei, empréstimos só podem ser contratados até o início de julho em anos de eleição. Trata-se de medida prudencial, a fim de evitar que candidatos à reeleição façam grandes dívidas para turbinar suas candidaturas e, assim, comprometam a higidez das contas públicas, inviabilizando seus governos, em caso de vitória, ou os de seus sucessores. Ao fim e ao cabo, quem sofre com as consequências da irresponsabilidade é sempre a população.
A Secretaria do Tesouro Nacional adota um sistema de análise de capacidade de pagamento que atribui notas de “A” a “D” para classificar a saúde fiscal de Estados e municípios, sendo “A” o grau atribuído aos melhores pagadores e “D”, aos piores. Idealmente, a União só avaliza os entes federativos que recebem notas “A” e “B”. Em outubro de 2019, de acordo com o relatório mais recente, das 27 unidades da Federação, apenas 11 podiam receber garantias da União para contrair empréstimos. Destas, só o Espírito Santo obteve nota “A”. As outras, incluindo São Paulo, tiveram nota “B”.
Há movimentações para que Estados e municípios fora da classificação “A ou B” também possam contrair empréstimos com a garantia do Tesouro. Atualmente tramita na Câmara dos Deputados o Plano de Estabilidade Fiscal (PEF), conhecido como “Plano Mansueto” em alusão a Mansueto Almeida, secretário do Tesouro. Pelo plano, Estados e municípios com nota “C” poderão obter crédito no mercado financeiro com o aval da União, desde que adotem três entre oito medidas de austeridade fiscal definidas pelo Ministério da Economia, sendo uma delas, necessariamente, a redução das despesas obrigatórias com servidores ativos e inativos. O plano é bom porque a um só tempo preserva a Federação, vale dizer, as particularidades de cada Estado e município, e exige dos entes subnacionais o compromisso com o ajuste de suas finanças.
Todo e qualquer esforço na direção do equilíbrio fiscal e da retomada do crescimento econômico no âmbito federal será em vão se os Estados e municípios não fizerem sua parte nessa cruzada nacional. Um levantamento feito pelo Estado no final do ano passado mostrou que apenas sete Estados estavam com uma boa relação entre suas receitas e o comprometimento com folha de pagamento.
A contratação de mais dívidas por entes subnacionais deve ser vista com máxima cautela pela União, já que é sobre ela, ou melhor, sobre todos os contribuintes, que recaem os ônus da irresponsabilidade de alguns.
O sequestro continua – Editorial | O Estado de S. Paulo
O governo conseguiu mais uma vez procrastinar o julgamento das ações que questionam o tabelamento do frete para transporte rodoviário no Supremo Tribunal Federal (STF). Por obra e graça do relator, Luiz Fux, o País seguirá refém de um cartel flagrantemente inconstitucional.
Em maio de 2018, insatisfeitos com os reajustes nos preços dos combustíveis, os caminhoneiros não só paralisaram seus serviços, como sabotaram os de todos os brasileiros, bloqueando rodovias em todo o País. Com a escassez de combustíveis e de insumos como alimentos e remédios, a redução do movimento das frotas de ônibus e aviões e a paralisação de indústrias, serviços e escolas, o Ministério da Economia estimou as perdas em R$ 15,9 bilhões.
Mas o maior dano foi ao tecido institucional do País. O governo de Michel Temer não só foi incapaz de punir os responsáveis, como cedeu até mais do que pediram os chefes do movimento paredista. O grande butim foi a fixação do preço dos fretes por medida provisória logo sacramentada pela Lei 13.703/18.
A depreciação nos valores dos fretes resultava de uma intervenção indevida no mercado: os subsídios à frota de caminhões que geraram uma oferta excessiva de transporte. Sob pressão para corrigir as distorções desencadeadas por essa anomalia, o poder público, ao invés de arrancá-la pela raiz, suplementou-a com outra: a legalização de um cartel que assegura aos caminhoneiros os preços pelos quais teriam de batalhar, como faz a iniciativa privada, por meio de negociações e acordos.
Os efeitos desse atentado ao princípio constitucional da livre concorrência logo se fizeram sentir. Às majorações de preços resultantes da paralisação, acrescentaram-se outras, derivadas do valor fixado para o frete, 7,4% acima do preço de mercado, segundo estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Inflacionando cada elo da cadeia produtiva, estes custos criados artificialmente para garantir o lucro dos caminhoneiros são repassados ao consumidor, com prejuízo maior aos mais pobres. Segundo a CNI, o tabelamento acarretou só em 2018 uma perda de R$ 20,3 bilhões no PIB.
Isso era previsível e foi advertido à época pelo Ministério da Fazenda e pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Entre as diversas contestações na justiça, três Ações Diretas de Inconstitucionalidade foram ajuizadas na Suprema Corte, que, representada por Luiz Fux, tem relutado em julgá-las por omissão, já que não há complexidade processual ou probatória que justifique a demora em apreciar o mérito da questão.
Agora, Fux retirou o julgamento da pauta do dia 19, acolhendo um pedido da Advocacia-Geral da União de convocar uma “audiência de conciliação” entre as partes. É mais um disparate. Primeiro porque não há “partes”, como se se tratasse de um litígio civil: o Supremo não é câmara de conciliação e, de resto, os autores das ações já manifestaram nos autos sua contrariedade ao adiamento, declarando que só esperam da Corte que ela cumpra sua obrigação de se pronunciar sobre a constitucionalidade do frete.
Entre a sofreguidão de uns e a morosidade de outros, é difícil apontar qual dos Poderes da República tem mais responsabilidade pelos prejuízos à Nação: se o Executivo, que, incapaz de impor a lei e a ordem, gestou essa monstruosidade econômica e jurídica; se o Legislativo, que a pariu e consagrou em lei; ou se o Judiciário, que (com o apoio do governo Bolsonaro) permite que ela viceje há quase dois anos, submetendo a economia e as instituições à chantagem de privilegiados constituídos em cartel.
Ante a possibilidade de se restaurar a livre concorrência, o líder caminhoneiro Wallace Landim, dito Chorão, exprimiu exemplarmente este estado de anomia: “Não concordo, porque ganhamos a lei”. Ou o Supremo impõe a Lei Maior ou mais grupos de pressão ávidos por “ganhar” seus nacos no grito e na força se sentirão livres para depredá-la como predadores sobre sua presa.
Risco para as contas – Editorial | Folha de S. Paulo
Desejável, execução obrigatória do Orçamento deve ser precedida por reformas
O Orçamento público deve ser um instrumento primordial para a materialização da democracia, em que as demandas da sociedade emergem priorizadas na peça que orientará os gastos do governo. Assim, é normal e desejável que, uma vez aprovados pelo Congresso, os gastos tenham execução impositiva.
No Brasil, contudo, a lei orçamentária apenas autoriza parte das despesas. Excluídos os pagamentos obrigatórios, como salários, aposentadorias e outros, uma diminuta parcela restante, classificada como discricionária, tem seu manejo sob controle do Executivo.
A partir da democratização, o Palácio do Planalto se valeu de tal condição para negociar a liberação de verbas em troca de apoio político no Congresso. Esse regime fez degenerar a relação entre os Poderes, e os parlamentares não se vexaram em assumir uma posição subalterna no processo de alocação do dinheiro público.
No mais das vezes, o Legislativo assumia a prática de inflar estimativas de receitas para incluir emendas paroquiais no Orçamento em benefício de seus redutos eleitorais.
Daí haver méritos na iniciativa de ampliar o caráter impositivo do Orçamento, tornando obrigatória a partir do ano passado a execução de alguns tipos de emenda e reduzindo o espaço para barganhas.
Entretanto essa transformação tem se dado de forma açodada, sem preocupação com a devida solidez do processo orçamentário. Com a porta aberta pela inapetência política do governo Jair Bolsonaro, o Congresso foi além neste ano, elevando as despesas na prática obrigatórias de 92% para 97% do total.
Nesse cenário, dispêndios de R$ 30 bilhões ficariam sob o controle do relator do Orçamento, retirando poder dos ministérios.
Esta última modificação foi vetada por Bolsonaro, e o governo negocia para evitar que o veto seja derrubado pelos parlamentares. Aumentar agora a rigidez da despesa pública, no contexto atual de penúria, é temerário.
Não adianta o Congresso reforçar suas prerrogativas se não puder exercê-las com qualidade. O objetivo deveria ser redesenhar o processo orçamentário, de modo a tornar o Legislativo corresponsável pelos resultados das contas do Tesouro Nacional.
No modelo atual, há grande incentivo a manobras pouco ortodoxas, como estimativas generosas de receita por parte dos parlamentares para viabilizar mais emendas —depois cabe apenas ao Executivo fazer as contas fecharem, com meios cada vez mais escassos.
O ajuste das finanças federais ainda está em curso, e a prioridade neste momento deveria ser a proposta que prevê medidas emergenciais para limitar os gastos da União ao teto inscrito na Constituição.
Antártida, 20 graus – Editorial | Folha de S. Paulo
Temperatura recorde expõe atraso em providências contra aquecimento global
O continente gelado já não é mais o mesmo. Em 9 de fevereiro, um grupo de cientistas brasileiros da Universidade Federal de Viçosa registrou amenos 20,75°C na Antártida, novo recorde de calor na região.
A medição, realizada na Ilha Marambio, ocorreu dias depois de outra marca extrema. Perto dali, na base argentina Esperanza, aferiu-se a maior temperatura continental jamais registrada, de 18,3°C.
Com relação ao dado brasileiro, no entanto, cabe uma pequena ressalva. Como o objeto de estudo dos pesquisadores é o solo congelado, conhecido como permafrost, a coleta se deu a uma distância menor que o convencional, impedindo que seja oficializada pela Organização Meteorológica Mundial.
Tais picos climáticos se deram num contexto também anormal. Essa área da Antártida costuma apresentar, em fevereiro, temperatura média de 0,5°C, mas, neste ano, o registro tem sido de 3,9°C.
Embora possa espantar os mais leigos, o fenômeno não chega a surpreender cientistas que estudam o clima polar. Tal cenário se mostra compatível com as previsões feitas a partir de modelos matemáticos para essa região da Antártida, hoje a que mais esquenta no globo terrestre depois do Ártico.
As temperaturas ali são quase 3°C mais altas do que na era pré-industrial —para comparação, o planeta como um todo encontra-se 1°C mais quente desde então. Esse aquecimento em curso é alimentado, sobretudo, pela emissão de gases resultantes da queima de combustíveis fósseis.
Para a espécie humana, as consequências mais graves do acaloramento antártico residem no derretimento de suas geleiras, que guardam cerca de 70% da água doce da Terra, e o consequente aumento do nível do mar. Estima-se que os oceanos devam se elevar de 30 cm a 110 cm até o fim do século, ameaçando inundar um sem número de cidades costeiras.
Mais chocante que os recordes de temperatura na Antártida, porém, é a incapacidade da comunidade internacional de dar uma resposta à altura da emergência climática, como se viu no fiasco da última conferência do clima, realizada ao final de 2019 em Madri.
As emissões de carbono seguem crescendo, e projeções indicam que muitos países, inclusive o Brasil, não cumprirão as metas de redução assumidas no Acordo de Paris —omissão que vai tornando cada vez mais elevada a fatura a ser paga pelas próximas gerações.
Greve política prejudica o país e os petroleiros – Editorial | O Globo
Acenar com a possibilidade de desabastecimento de derivados de petróleo afeta legitimidade
Filiada à Central Única dos Trabalhadores (CUT), braço sindical do Partido dos Trabalhadores, a Federação Única dos Petroleiros (FUP) decretou greve “por tempo indeterminado” nas instalações da Petrobras. O movimento ocorre há duas semanas, por enquanto, sem adesão da maioria.
A greve foi deflagrada em reação ao programa de concentração de investimentos da Petrobras na prospecção e produção de petróleo, com venda de refinarias. O plano prevê também o fechamento de unidades deficitárias, como é o caso da fábrica de ureia do Paraná, com cerca de mil empregados e perdas de R$ 1 milhão a cada 24 horas.
A Justiça determinou que pelo menos 90% dos empregados da empresa estatal trabalhem normalmente, para evitar problemas no abastecimento de derivados de petróleo, condição qualificada como “severa” pela federação de petroleiros.
O impasse persiste, não propriamente devido a um conflito trabalhista convencional, o que seria natural, mas porque os sindicalistas proclamam o desejo de assumir o comando das unidades estatais de refino de petróleo “para aumentar a produção e reduzir os preços dos derivados de petróleo”, como afirmaram em comunicado divulgado na quinta-feira. A FUP diz promover uma greve “a favor do Brasil”. E traduz: “Para que a Petrobras cumpra o papel social para o qual foi criada — garantir o abastecimento de norte a sul do país, com preços justos para toda a população.”
O direito de greve é legítimo, mas é notável a falta de autocrítica dos dirigentes da federação dos petroleiros. Estabelecida há um quarto de século, a FUP se manteve como a maioria das entidades sindicais alinhadas à CUT, em silêncio obsequioso durante os governos do PT. Foi um período de 13 anos nos quais as ações da cúpula política, em Brasília, e o comando da Petrobras, no Rio, deflagraram um processo de devastação da empresa estatal, sem precedentes nos seus 66 anos de existência. Às revelações da Operação Lava-Jato sobre os saques ao patrimônio da Petrobras e do seu fundo de pensão, a Fundação Petros, a federação dos petroleiros reagiu quase sempre alinhada à defesa do governo petista.
Conflitos trabalhistas fazem parte da paisagem de qualquer democracia. A FUP tem todo o direito de atuar numa situação de eventual ameaça aos empregos dos seus associados. Corrói sua legitimidade, no entanto, ao usar a greve acenando com a possibilidade de desabastecimento de derivados de petróleo.
Isso é usar um direito constitucional como instrumento de luta de uma coalizão partidária, cuja característica é estar na contramão de toda e qualquer iniciativa que objetive a recuperação da economia nacional, por sinal, conduzida ao abismo pelas forças às quais a burocracia sindical dos petroleiros se rendeu incondicionalmente, no passado recente.
Correa se vitimiza em julgamento sobre a corrupção no seu governo – Editorial | O Globo
Negócios suspeitos de ex-presidente do Equador envolvendo a Odebrecht foram revelados pela Lava-Jato
O Equador começou a julgar Rafael Correa por corrupção. Ele presidiu o país durante uma década (2007-2017) e, agora, é personagem central de um conjunto de processos criminais conhecido pelos equatorianos como “Caso Subornos”. Com ele, também, estão sendo julgadas outras 20 pessoas, entre elas o ex-vice-presidente Jorge Glas.
Economista, 56 anos, o ex-presidente costuma ser reconhecido como um dos líderes de um movimento da esquerda latino-americana do século passado, principalmente devido ao populismo antiliberal, realçado em episódios de renegociação com credores externos, um deles com o Brasil no período Lula. Na essência, porém, governou sem alterar os fundamentos da economia, dolarizada desde o colapso de 1998.
Os negócios suspeitos de Correa e amigos foram desvelados nas investigações da Operação Lava-Jato. Foram mais de US$ 50 milhões em subornos pagos por fornecedores do governo, com destaque para o grupo Odebrecht. Executivos da Odebrecht no Equador e de grupos locais contaram detalhes sobre propinas a Correa e ao seu partido, Alianza País.
Além de depoimentos, a procuradoria equatoriana levou ao tribunal mais de três centenas de arquivos com documentos da presidência e empresariais, relativos ao período 2012-2016, que demonstram a engenharia de propinas, frequentemente com detalhes sobre os pagamentos realizados.
Parte das operações era codificada: “un palo” significava um milhão de dólares; “SP” era a senha usada para Correa (“Señor Presidente”); “JG” ou “L1” (“Líder 1”) se aplicava aos pagamentos ao vice, Jorge Glas.
É provável que o julgamento dure alguns meses. Correa, autoexilado na Bélgica e com ordem de prisão no Equador, escolheu o figurino de ocasião preferido por seus contemporâneos no poder, como Lula, a argentina Cristina Kirchner e o boliviano Evo Morales, declarando-se vítima de “perseguição” numa suposta guerra jurídica (“lawfare”) conduzida pelo “imperialismo” do qual se proclama inimigo.
Agora, anuncia a candidatura às eleições de 2021. Pelo calendário eleitoral equatoriano, somente em setembro serão conhecidas as listas de candidatos habilitados a participar das eleições do próximo ano.
Até lá, o ex-presidente Correa jogará com o tempo na montagem da sua estratégia de defesa, a da vitimização política. É legítimo.
O problema, porém, continuará sendo o mesmo: o excesso de provas sobre a corrupção sistêmica durante o seu governo.
Fraca recuperação econômica poderá exigir novos estímulos – Editorial | Valor Econômico
Não se pode exigir demais da política monetária. A máquina de crescimento da economia está avariada
O Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), que registrou variação de apenas 0,89% em 2019, sumariza a safra de estatísticas negativas divulgadas nas últimas semanas. A economia não cresce, a não ser quando recebe doses temporárias de anabolizantes, como a liberação de recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).
Esse quadro de quase estagnação ocorre num ambiente de inflação baixa, tanto corrente quanto projetada pelos especialistas. Os analistas econômicos voltam a questionar se o grau de estímulo monetário é mesmo suficiente, mesmo depois de a taxa básica de juros ter chegado ao menor percentual da história, em 4,25% ao ano.
O IBC-Br apresentou desaceleração em relação a 2018, quando teve uma variação também modesta, de 1,34%. Isso apesar de, em 2019, o ambiente internacional ter sido moderadamente mais favorável para as economias emergentes e de passadas as incertezas sobre a direção da política monetária do período eleitoral.
Os primeiros dados deste ano, como a produção de veículos, também estão vindo mais fracos do que se esperava. Os economistas do setor privado estão revisando para baixo as suas projeções para a expansão do Produto Interno Bruto (PIB) em 2020. Em fins do ano passado, quando havia um ambiente mais esperançoso, o consenso era que a taxa de expansão da economia seria de 2,5%, mas havia um claro viés de alta nas estimativas. Agora, as apostas estão migrando para cerca de 2%.
Essas cálculos, em geral, não levam em conta os impactos econômicos integrais do coronavírus. Se a economia chinesa se desacelerar, seremos afetados. O choque se transmite pela queda dos preços de commodities, pelo aumento dos prêmios de risco e pelo menor crescimento mundial, que afeta as exportações brasileiras.
As estimativas preliminares são de que essa nova crise possa subtrair entre 0,1 ponto percentual (pp.) e 0,4 pp. do PIB esperado para este ano. O impacto exato, porém, dependerá de quanto tempo demorará para a China controlar o surto. A aposta principal é que a crise seja contida em cerca de três meses, mas essas avaliações são feitas com base em estatísticas oficiais divulgadas pela China, que nem sempre são confiáveis. Alguns economistas dizem que, se a crise se prolongar, poderá ter um impacto de um ponto percentual no PIB brasileiro.
Em um quadro de fraco crescimento e de novas ameaças à retomada da economia, o governo deveria começar a examinar as alternativas para novos estímulos. Infelizmente, são restritas. Governos irresponsáveis colocaram a dívida pública em trajetória insustentável e eliminaram o espaço para políticas fiscais anticíclicas.
A política monetária é, hoje, uma das únicas ferramentas disponíveis. O Banco Central, todavia, emitiu sinais de que, antes de decidir a direção da taxa de juros, pretende observar a economia para checar como a queda da taxa básica feita entre julho e fevereiro vai se transmitir para a inflação.
A inflação corrente, depois de um pico provocado pela alta temporária dos preços das carnes, voltou a surpreender para baixo. Os núcleos de inflação seguem baixos e atestam que há uma enorme capacidade ociosa na economia. As próprias projeções do Banco Central apontam uma inflação muito baixa em 2020, em apenas 3,5% ante uma meta de 4%. Hoje, parecem exageradas, já que as estimativas do mercado estão convergindo para mais próximo de 3%. Um número crescente de analistas está revendo para baixo também as projeções para 2021.
É de se esperar que os banqueiros centrais sejam mais conservadores do que a média da sociedade. Mas, pela ênfase dos dados recentes, parece inevitável a retomada dos cortes de juros - se o BC o fizer mais cedo, ainda terá alguma chance de influenciar o crescimento da economia deste ano.
Não se pode, porém, exigir demais da política monetária. A máquina de crescimento da economia está avariada. Há boas iniciativas em andamento, como a chamada PEC emergencial, que cria estabilizadores automáticos para o ajuste fiscal. Mas são insuficientes.
A agenda de privatizações e concessões deve andar mais rápido. O governo passa mensagens dúbias com as idas e vindas da reforma administrativa. Congressistas criam incertezas ao discutirem a flexibilização do teto de gastos. Sem confiança empresarial, será difícil a economia ganhar tração.
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