- Folha de S. Paulo
E se ele e o filho já tivessem elogiado a facção e empregado parentes de Marcola
Imagine que você é, como eu, um morador do estado do Rio de Janeiro. No trânsito da volta do trabalho de sexta-feira você subitamente sente um incômodo, um gosto amargo. A geosmina acumulada dentro de você responde: “Opa, dessa vez não fui eu”. E é verdade.
O que te incomoda é o seguinte: morreu um miliciano, líder da organização criminosa que controla boa parte da capital fluminense. A revista Veja apresentou fortes evidências de queima de arquivo.
O miliciano era próximo tanto do presidente da República do seu país quanto de um dos senadores do seu estado, que, por acaso, é filho do presidente, e seu silenciamento certamente foi boa notícia para o Palácio do Planalto.
Já a viúva declarou à Veja que suspeita do governador do seu estado. Não há provas contra nenhum dos citados, mas, a esta altura, você se pergunta: quem as coletaria?
Para quem quer saber como o Rio chegou onde chegou, aí está.
Adriano foi morto no sítio de um vereador do PSL, partido que elegeu Bolsonaro em 2018. Em vida, sua ligação com a família do presidente da República foi forte o suficiente para que ele tenha sido homenageado tanto por Jair quanto por Flávio Bolsonaro em discursos. Flávio lhe deu uma condecoração na cadeia e empregava a esposa e a mãe do miliciano em seu gabinete.
Bolsonaro está tentando se livrar da história dizendo que homenageou Adriano quando ele era um policial herói. Não faz sentido.
Bolsonaro não tinha nenhum problema com o fato de Adriano ser miliciano, porque tanto ele quanto Flávio já elogiaram as milícias “on the record”, em público, na frente de todo mundo.
Quando seu filho Flávio empregou a esposa e a irmã de Adriano, o envolvimento do miliciano com o crime era amplamente conhecido. E Bolsonaro ainda defende o miliciano Adriano Nóbrega. Em uma nota à imprensa de sábado (15), alegou que Adriano nunca foi condenado em última instância.
Chora, Moro.
Não se conhecem indícios de envolvimento de Witzel com as milícias, mas há sinais preocupantes em sua aproximação com o bolsonarismo. Era Witzel discursando no comício em que os deputados bolsonaristas Rodrigo Amorim e Daniel Silveira rasgaram a placa com o nome de Marielle Franco.
A campanha bolsonarista contra Marielle Franco, desde o início, sempre foi um esforço de dizer “não olhem para essa mulher que os milicianos mataram”.
Nem tem nem mais graça perguntar: “E se fosse o Lula?”. Vamos tentar outra coisa.
E se fosse o Alckmin? E se ele e o filho já tivessem elogiado o PCC repetidas vezes, e Alckmin Jr. empregasse a mulher e a irmã de Marcola? É exatamente isso que Jair e Flávio Bolsonaro fizeram no Rio de Janeiro esse tempo todo.
Voltem no início do texto, vejam a lista de nomes, vejam a lista de crimes, notem o que o Brasil se tornou. Desde a eleição de Jair Bolsonaro para a Presidência da República, os movimentos do crime organizado carioca se tornaram mais importantes para entender a política nacional do que as articulações no Congresso.
De qualquer forma, uma coisa é clara. Depois do fiasco de Guedes, talvez seja o caso dos ricos brasileiros contratarem os milicianos do Rio de Janeiro para tocarem as reformas econômicas.
Eles têm experiência na gestão da cobrança de gás e “gatonet”. E esses, pelo menos, a gente sabe que o presidente ouve.
*Celso Rocha de Barros, servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).
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