quarta-feira, 18 de março de 2020

Mario Mesquita* - De crise em crise

- Valor Econômico

Autoridades monetárias e fiscais estão tentando reagir tempestivamente à deterioração de expectativas

A economia mundial foi atingida por dois choques relevantes em pouco espaço de tempo. Primeiro, o choque de oferta e demanda ocasionado pela epidemia de coronavírus. Depois, o choque da queda dos preços do petróleo, derivado de uma disputa entre sauditas e russos - cujo impacto é mais ambíguo. Tais choques ocorrem em um momento em que a capacidade de resposta de política econômica parece limitada. Nesse texto vamos examinar a capacidade de resposta global ao choque do coronavírus. A coluna subsequente tratará do tema no caso brasileiro.

Até a eclosão da epidemia, as perspectivas para a economia mundial eram razoavelmente benignas: o FMI, por exemplo, esperava crescimento de 3,3%, ante 2,9% em 2019, na edição de janeiro das Perspectivas Econômicas Mundiais. Os economistas do Itaú tinham 3,2% antes da epidemia, e cortaram a projeção para 2,7%.

A atividade econômica na China começa a normalizar, em paralelo à redução do número de novos casos, mas mesmo assim os efeitos das restrições ao deslocamento de pessoas impostas no auge do surto (que configurou um choque de oferta), bem como da redução no crescimento da renda e queda da confiança (choque de demanda), devem implicar crescimento menor do que o anteriormente esperado, de 5,3% (ante 5,8%).

Para a economia da área do euro, onde a epidemia ainda está na fase de aceleração, o impacto econômico deverá levar o crescimento para cerca de 0,6% (anteriormente, 1%), mesmo supondo, o que é razoável, restrições menos severas ao direito de ir e vir do que as adotadas na China. A economia japonesa, por sua vez, deverá registrar estagnação, e não a expansão de 0,4% esperada antes do choque.

Já a economia americana deve, a princípio, mostrar maior resiliência. Isto porque foi atingida pelo choque em um momento de maior dinamismo, com desemprego próximo das mínimas históricas, e crescimento próximo ao potencial. Além disso, as autoridades monetárias e fiscais parecem estar tentando reagir tempestivamente à deterioração de expectativas. Com isso, o crescimento deve se manter próximo a 2%, oferecendo sustentação à expansão global. Cabe registrar, contudo, que tanto para a economia americana quanto global, os riscos de baixa predominam.

Em suma, considerando o impacto regional, as economias com fundamentos mais sólidos tendem, não surpreendentemente, a reagir melhor do que as mais frágeis.

Capacidade de resposta de política econômica será um diferencial. Em linhas gerais, está claro que a mesma é, agora, mais limitada do que em 2008. Por um lado, as taxas de juros encontram-se em patamares muito mais baixos. Por outro, as dívidas públicas estão em níveis bem mais elevados.

Tendo em vista os bancos centrais dos EUA, Reino Unido, Japão e área do euro, a taxa de política econômica estava em 2,69% ao ano, em média, em setembro de 2008 - com extremos no Japão, 0,5%, e Reino Unido, 5,0%. Atualmente, a mesma média está em 0,46% ao ano, com extremos na zona do euro, -0.5% ao ano, e nos EUA, 1,63% ao ano.

Desde 2008, a política monetária nos países centrais avançou bem além do convencional. Tivemos expansão quantitativa (QE, na sigla em inglês), compra de títulos públicos e corporativos, forward guidance, intervenção na curva a termo, empréstimos de liquidez ao setor bancário etc. Em linhas gerais, a política monetária e as condições econômicas têm contribuído para manter taxas de juros nominais próximas a zero em horizontes de dez anos, e além.

Mais importante, as taxas de juros reais (taxas nominais deflacionadas pela expectativa de inflação de médio prazo), estão em território claramente negativo, com média de -1,7% ao ano no curto prazo, e -1,10% ao ano no horizonte de dez anos (estavam apenas levemente negativas em 2008). Assim, os instrumentos convencionais de política monetária parecem ter pouco a agregar no combate à desaceleração global.

Instrumentos não convencionais foram e continuarão a ser utilizados, mas isso, no caso dos EUA, talvez requeira alguma mudança legislativa - especificamente, a habilidade do Fed de comprar títulos corporativos parece ser limitada pela legislação atual. De qualquer forma, o patamar de taxas de juros reais sugere que a política monetária teria pouco a agregar nesse momento.

Resta a política fiscal. O endividamento público cresceu muito desde 2008, de 74% para 106% do PIB no caso dos EUA, de 50% a 86% no Reino Unido, de 183% para 238% no Japão, e de 69% para 84% na área do euro. Mas economias com renda per capita elevada e sem histórico de defaults tendem a contar com um público investidor relativamente cativo, e as taxas de juros baixas tendem a mitigar o impacto de uma expansão de gastos sobre a trajetória da dívida. 

Além do inevitável e necessário gasto com o combate à epidemia e suas consequências sobre a saúde pública, o caminho mais promissor seria uma expansão dos gastos em infraestrutura. A dificuldade, que não se restringe às economias maduras, é, diante de ambientes legais, regulatórios e institucionais complexos, transformar a decisão genérica de fazer gastos em infraestrutura em projetos específicos, que contribuam para a geração de renda e emprego. Não há, portanto, resposta fácil.

*Mario Mesquita é economista-chefe do Itaú Unibanco

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