quarta-feira, 18 de março de 2020

PIB anêmico achata a renda do brasileiro – Editorial | Valor Econômico

Após crescer por 17 trimestres consecutivos, a desigualdade medida pelo índice de Gini se estabilizou em nível muito alto no fim do ano passado

Há muitos aspectos negativos nos resultados do Produto Interno Bruto (PIB) de 2019, mas certamente um dos piores é sua consequência sobre a renda do brasileiro. Com a expansão do PIB limitada a 1,1% no ano passado e a população crescendo 0,8%, a renda per capita do brasileiro aumentou apenas 0,3%. Foi o pior resultado dos últimos três anos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 2018 e 2017, o PIB per capita teve um desempenho longe de exuberante, mas cresceu um pouco mais, 0,5% ao ano.

Os três anos anteriores, marcados pela recessão em que o país mergulhou, foram bem ruins: o PIB per capita chegou a cair 4,4% em 2015 e 4,1% em 2016. Entre as perdas registradas nesses anos e a fraca recuperação que se seguiu, o brasileiro ficou 7,4% mais pobre em termos de PIB per capita.

Mais desanimador ainda é que o brasileiro levará 23 anos para recompor suas perdas se o ritmo do ano passado se mantiver. Se acelerar um pouquinho mais, como em 2017 e 2018, ainda vai precisar de nada menos que 15 anos.

As hipóteses, estimadas pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), consideram que a população continuará crescendo 0,8% ao ano (Valor 5/3). Visto de outro modo, o PIB per capita de R$ 34,5 mil por brasileiro em 2019 é o mesmo valor registrado em 2013, informou a coordenadoria de Contas Nacionais do IBGE.

Na avaliação do Ibre/FGV, não existe recuperação tão lenta quanto a atual. Em outras recessões sofridas pelo país no passado, o PIB per capita estava recomposto em até 23 trimestres, ou seja, em quase seis anos. As consequências do quadro são severas não só sobre o bem-estar da população, mas também influenciam a reação da economia como um todo e o mercado de trabalho.

O quadro é consequência do desempenho da economia, que novamente decepcionou. Nos primeiros meses do ano, chegou-se a estimar crescimento de 3%. Com crescimento de 1,8%, o consumo das famílias, responsável por quase dois terços do PIB, garantiu a expansão, e só não foi pior em consequência da oferta de crédito. Já o consumo do governo encolheu 0,4% com as restrições fiscais.

Houve baixa adesão ao saque emergencial do FGTS. Estima-se que foram sacados 75% dos recursos liberados do FGTS, totalizando cerca de R$ 26 bilhões, que foram usados para compras e para liquidar dívidas. A fragilidade do mercado de trabalho também influenciou. O número de desempregados segue ao redor de 12 milhões, de acordo com o IBGE, e a informalidade é elevada, o que contém a massa salarial. Em 2017 e 2018, a massa salarial cresceu cerca de 3%; em 2019, próximo a 2,5%.

Outro componente da demanda, o investimento, ajudou pouco, com aumento de 2,2% e ficou concentrado no setor privado. Houve melhora na construção, embora o comportamento no fim do ano tenha decepcionado, enquanto a infraestrutura ainda não mostra reação. Em comparação com o crescimento de 3,9% de 2018, houve forte desaceleração.

Do lado da oferta, os serviços avançaram 1,3%, mesmo percentual da agropecuária, animada pela safra recorde de grãos e bom desempenho da pecuária. A indústria, porém, cresceu apenas 0,5%, mesmo percentual de 2018, prejudicada por uma estagnação da indústria de transformação (0,1% de crescimento) e pelo recuo de 1,1% da indústria extrativa, decorrentes do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho (MG). A indústria representou apenas 11%, do PIB depois de ter atingido 17,8% em 2004.

As perspectivas de melhora da renda foram prejudicadas da mesma forma que as previsões para o PIB deste ano foram achatadas não só pelos resultados exibidos até agora como também pelo fator novo coronavírus, que abala a economia globalmente. No caso do Brasil, o próprio governo reduziu o aumento esperado para o PIB neste ano de 2,4% para 2,1%. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) espera 1,7% de crescimento para o país. Bancos estrangeiros trabalham com 1,5% a 1,6% e há quem fale em menos de 1% e até em recessão. Pesquisa Focus mostrou corte significativo na projeção em uma semana, de 1,99 para 1,68%. Nesse ritmo, não se espera muito avanço da renda do brasileiro.

Para complicar, a desigualdade ainda é grande. Cálculos do Ibre/FGV, publicados pelo Valor (17/2) mostram que, depois de crescer por 17 trimestres consecutivos, a desigualdade medida pelo índice de Gini se estabilizou no fim do ano passado, mas em patamar extremamente elevado.

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