quarta-feira, 18 de março de 2020

Vinicius Torres Freire Bolsonaro faz contas de morte

- Folha de S. Paulo

Por interesse político, inépcia e frieza, governo tem plano econômico errado contra o vírus

Jair Bolsonaro diz por aí que uma economia parada vai matar muito mais pobres durante a epidemia. Comendo mal, sucumbiriam mais facilmente ao coronavírus. No universo de Bolsonaro e de seus economistas, os pobres devem ser largados à própria sorte e assim herdarão a terra. Sete palmos de terra.

Se não houver tanto limite a aglomerações e a movimento de pessoas, a economia ainda vai andar, segue o teorema Bolsonaro-Guedes. A restrição não é o número de cadáveres, mas um ritmo mínimo da economia (qual?), dado um gasto público fixo.

Em suma, por política e desumanidade costumeira, quer evitar as restrições adotadas em todos os países que conseguiram atenuar a expansão da epidemia.

É estapafúrdia a ideia de que a economia vá andar com o medo crescente com a expansão da epidemia; com o colapso mundial; com a evaporação de poupanças financeiras e empregos; com o choque de falta de suprimentos e o diabo.

É uma falácia, de mesquinharia cruel, dizer que os abatidos pela crise econômica da epidemia não devam ser compensados por renda mínima ou coisa que o valha. Na verdade, será das poucas alternativas ao afundamento ainda mais rápido da economia e da vida dos pobres em particular.

O governo não tem dinheiro? O governo terá de inventar dinheiro, de forma ordenada e competente. “Competente” é uma premissa ousada: com tantos executivos e empreendedores privados no governo, é rara a capacidade de execução. Submetidos a uma assembleia de acionistas, estariam no olho da rua.

O governo demorou para pedir ao Congresso o reconhecimento da calamidade pública, com o que pode suspender as metas de gastos das leis orçamentárias. Até agora, não tem plano de gasto extra. A dívida vai crescer? Vai. Quanto irá crescer em caso de colapso do PIB?

Não há alternativa de política macroeconômica. A taxa real de juros de curto prazo irá a zero. Resta um programa ordenado de gasto extra: em saúde e na contenção da miséria. Pode ser que o governo acredite que, contendo gastos, a confiança econômica será logo a seguir restaurada. Sobreviria então, a dança da morte, a festa nos cemitérios.

Os juros de longo prazo subirão, dado o aumento do déficit, sendo então o gasto contraproducente? Não haverá investimento tão cedo, talvez nem crédito (por retranca bancária e de clientes). O governo vai pagar caro para se financiar, para tomar emprestado? Se for este o caso, não role dívidas pelos próximos meses. É possível.

Não se trata de um programa sem limite de endividamento sem regras. Trata-se de dar dinheiro à contenção da epidemia e ao tratamento da doença, de evitar o desespero dos feridos pela economia e assim sustentar algum consumo. Algum: o medo e as restrições de movimento vão derrubar mesmo o PIB.

Deve-se pensar também no imediato pós-crise epidêmica e no pós-paradão, em programa de investimento emergencial para facilitar a saída da crise, algo bem pensado, de implementação e efeito rápidos (há boas obras paradas), limitado em recursos e no tempo.

Um programa organizado, com prazo e recursos delimitados (ATENÇÃO AQUI), pode evitar reações estereotipadas de “o mercado”.

Mas isso é debate racional, universo estranho aos Bolsonaro, indiferentes à morte e que propagandeiam a ideia de que “não é tudo isso”, que é possível manter a “normalidade”, a economia funcionando. Trata-se de ideia inepta, cruel, desumana e degradante, ora subscrita pelos economistas do governo.

Nenhum comentário: