Presidente da Câmara diz que a crise atual é um ‘tsunami’ e rebate crítica de Bolsonaro a medidas adotadas por governadores para conter o vírus: ‘Se olharmos exemplo dos outros países, as restrições estão até pequenas’
Thais Arbex | O Globo
BRASÍLIA — A crise do coronavírus no país deixou mais explícita a turbulenta relação do Palácio do Planalto com o Congresso. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), rebateu as críticas feitas ontem pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, pelo impacto na economia de medidas duras que governadores têm adotado no combate à doença. “Precisamos priorizar as vidas”, reagiu Maia. Questionado, no final da noite de ontem, sobre a decisão do governo de pedir a decretação de calamidade pública, o presidente da Câmara disse apoiar a iniciativa e prometeu celeridade na tramitação da matéria na Casa.
Classificando a atual crise como “um tsunami”, Maia voltou a dizer que tanto ele, quanto o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), estão abertos ao diálogo, e ressalta que foram “médicos” que recomendaram isolamento a Bolsonaro. Até o momento da entrevista ao GLOBO, no fim da tarde de terça-feira, o presidente da Câmara ainda não havia recebido um convite oficial para o encontro anunciado por Bolsonaro para a noite desta quarta.
• Mesmo com o coronavírus, o senhor decidiu por não parar as atividades. Por quê?
O Congresso é parte da solução da redução de danos que essa crise trás para o Brasil. O Brasil é uma democracia. Se o Parlamento se omite da sua responsabilidade, o que a sociedade vai imaginar? Que vai estar completamente desprotegida. O Parlamento não vai fechar. Fechou, infelizmente, na ditadura e não fechará nunca mais.
• O governo resolveu pedir ao Congresso a decretação de calamidade pública para poder aumentar os gastos, o senhor concorda?
Eu sempre defendi a ampliação dos gastos públicos, que a única saída para enfrentar a crise era com recursos públicos. O governo toma a decisão correta. Deve encaminhar esse decreto para o Congresso Nacional, que de forma urgente vai tramitar e aprová-lo para que o governo tenha espaço fiscal para poder realizar os investimentos necessários para o enfrentamento dessa crise.
• O presidente Bolsonaro segue com críticas ao Congresso e chegou a acusá-lo de hipocrisia. Como fica o diálogo com ele?
Acho que a gente não deve ficar olhando os momentos onde a gente fica mais nervoso e acaba cometendo erros. O que estamos alertando, e que pode acontecer no Brasil, é porque estamos acompanhando essa crise na Itália, na China, na França, na Espanha, agora na Grã-Bretanha, que era um país que estava numa linha parecida com a do Brasil e inverteu completamente — caminhando para restringir circulação, colocando 15% do PIB na economia. O que estamos fazendo, nada mais é do que analisando a realidade, os impactos do vírus na saúde dos brasileiros e também na vida econômica e social. Nós vamos ter uma crise de emprego, certamente, e uma crise que vai atingir os brasileiros mais vulneráveis. Nós vamos às ruas nas nossas bases toda semana, mas temos a recomendação do ministro da Saúde para evitar aglomerações.
• Bolsonaro disse que vive ameaçado e que há uma tentativa de “golpe” ao se defender que ele fique isolado. Ele tem motivos para se sentir ameaçado?
Não, de jeito nenhum. Nós não falamos em isolamento. Quem falou em isolamento dele foram os médicos, inclusive o próprio Ministério da Saúde. Isolamento para a proteção da saúde dele, não isolamento dele em relação aos outros Poderes. Nós sempre estivemos prontos para dialogar, e já mostramos, tanto eu, quando o presidente Davi (Alcolumbre), a nossa responsabilidade com a pauta prioritária para o Brasil.
• O presidente criticou medidas tomadas por governadores por causa do vírus pelo prejuízo à economia. O senhor vê exageros ou considera as medidas necessárias?
Se olharmos o exemplo dos outros países, as restrições estão até pequenas. Os países que restringiram mais rápido sentiram menos os efeitos do vírus. A pergunta é: vale, pela garantia da atividade econômica, a perda de vidas? Essa é a pergunta que a gente tem que fazer. Do meu ponto de vista, não. A prioridade são as vidas. Se as vidas vão atingir a atividade econômica, precisamos priorizar as vidas. Até porque, se essa crise entrar com muita força no Brasil, as pessoas vão para casa do mesmo jeito. As pessoas estão vendo, nos outros países, que para sobreviver ao vírus, é preciso ficar em casa. Primeiro, o que vale é a vida. Na economia, o Estado tem condições de garantir a estrutura mínima de sobrevivência do setor produtivo e, junto com os governadores, construir as soluções.
• O senhor tinha avaliado as primeiras medidas adotadas pelo ministro Paulo Guedes como insuficientes, e depois se anunciou a injeção de quase R$ 150 bilhões na economia. Como avalia agora?
Acho que elas são um primeiro passo de outros passos que precisam acontecer. Não adianta aqueles que têm uma posição na economia mais ortodoxa, mais liberal, achar que a superação de uma crise desse tamanho será com o receituário tradicional. Não adianta achar que, mantendo a meta fiscal deste ano, manter os gastos limitados deste ano, com pouco recurso de despesa de investimento, é uma sinalização correta. Os investidores sabem que a solução de qualquer país nessa crise passa pela colocação de recursos públicos. Não tem saída. Vamos precisar garantir o emprego daqueles que estão na formalidade e um cinturão de proteção social para aqueles que estão na informalidade. A crise é muito grande. E nessa crise, que é um tsunami, quem entra é o Estado brasileiro. É nisso que eu acho que o governo ainda não preparou as medidas, mas tenho certeza que está preparando.
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