Vitória
do democrata reaproxima os EUA de antigos parceiros e cria dificuldades para o
populismo
Não
se sabe ainda como será a transição de poder nos Estados Unidos, mas a vitória
de Joe Biden na eleição americana traz desafios particulares ao Brasil de Jair
Bolsonaro. Na ditadura, o governo Geisel enfrentou percalços com o também
democrata Jimmy Carter, pelo desrespeito aos direitos humanos. Agora, na
democracia, o Brasil pagará o preço de Bolsonaro ter apostado abertamente em
Donald Trump —e ter sido derrotado com ele.
Os
momentos históricos distintos são unidos por um ponto comum: a necessidade de
uma estratégia diplomática bem formulada e executada. Bolsonaro precisará da
reconhecida experiência do velho Itamaraty, posta de escanteio pelo chanceler
Ernesto Araújo. Mas não só. O próprio figurino ideológico do bolsonarismo
enfrentará pressões.
No
primeiro dos dois debates entre Biden e Trump, o democrata tocou num nervo
exposto do bolsonarismo: o descaso com o meio ambiente. O futuro presidente
americano acenou com um fundo de US$ 20 bilhões para ajudar na preservação da
Amazônia e antecipou que baixará sanções econômicas caso tudo continue na
mesma. Bolsonaro evocou os tempos de caserna, enrolou-se na bandeira e soltou
um brado em defesa da “soberania nacional”. São palavras inócuas diante do
desafio que Biden lhe trará.
Nenhuma
das alterações no tabuleiro geopolítico depois da eleição joga a favor do
Planalto. A Casa Branca de Biden se reaproximará dos aliados europeus
tradicionais — como Alemanha e França — e, como anunciado, voltará ao Acordo do
Clima de Paris, que Bolsonaro falou em abandonar em mais uma mímica de Trump. A
defesa da preservação da Amazônia não é uma peça solta na política externa
democrata. Servirá também para reerguer a Aliança Atlântica.
Liberdades
democráticas, respeito aos direitos constitucionais, ao meio ambiente, defesa
dos direitos humanos — temas relativizados, quando não desrespeitados pelo
bolsonarismo — voltarão a servir de baliza para a diplomacia dos Estados
Unidos. Também acabará o tempo de afagos americanos a autocratas como o húngaro
Viktor Orbán (convidado de honra à posse de Bolsonaro) ou o russo Vladimir
Putin. O governo brasileiro precisará se adaptar à nova realidade.
Nada
será tão desafiador quanto a relação com a China, que ganhará novos contornos
na gestão Biden. Para o Brasil, mesmo que possa haver mais espaço para uma
decisão técnica sobre a telefonia celular de quinta geração (5G), persiste o
desafio de, em nome do interesse nacional, equilibrar os acenos às duas
superpotências, seus dois maiores parceiros comerciais. O choque entre elas
continuará.
Se,
com Trump, não recebemos benefícios especiais, agora será ainda mais difícil. O
Brasil sob Bolsonaro já havia perdido importância na cena global. Para
resgatá-la, será mais necessário ainda o trabalho profissional na política
externa, que de nada valerá se o Planalto não souber se adaptar ao novo
equilíbrio mundial.
Já
vai tarde – Opinião | Folha de S. Paulo
Derrocada
de Trump pune ataques à civilização e carrega lições para Bolsonaro
"Pelo
que Donald Trump representa em termos de risco internacional, dados seu alarmante
despreparo e a xenofobia beligerante de sua campanha, vê-lo derrotado não
configura questão partidária, nem se reduz ao âmbito norte-americano, mas
convém ao mundo inteiro”. Era final de julho de 2016, mas as palavras expressas
neste espaço não poderiam ser mais atuais.
A
derrota ansiada não ocorreu naquele escrutínio. Demorou mais quatro anos,
suficientes para que a anomalia apontada em germe frutificasse e mostrasse seu
poder de fazer estragos. Mas a estupidez, finalmente, cobrou o seu preço.
Foram
tantas as investidas do republicano contra os pilares da civilização que a
reação despertada, sob a forma de um comparecimento histórico às urnas,
transformou-o num dos raros detentores do cargo nos Estados Unidos a quem foi
negada a reeleição.
Por
mais que o oportunismo cafajeste do republicano —reforçado na quinta (5) em
discurso contra a democracia— tente minar o processo eleitoral, a vitória do
democrata Joe Biden, até onde se pode enxergar, está legitimada. Respeite-se a
soberania popular: ela diz que o desafiante prevaleceu.
Biden,
que serviu oito anos como vice de Barack Obama, consagra a aposta do seu
partido na moderação, no diálogo e no exercício diligente da política. Ao longo
das prévias, foram descartadas candidaturas que prometiam combater o rufião da
direita com radicalização à esquerda. A escolha da companheira de chapa, a
senadora Kamala Harris, coroou esse processo.
A
pandemia de coronavírus, com impacto colossal na saúde e na economia, retirou
do adversário a sua maior bandeira eleitoral, o baixo desemprego. Também
ofereceu aos EUA e ao mundo a oportunidade de conhecer a fundo a capacidade
destrutiva de um bravateiro populista alçado ao poder.
Sabotador
de primeira hora das melhores práticas sanitárias e disseminador de falsidades
sobre origens do vírus e recursos terapêuticos, o presidente concorreu para
transformar o seu país num exemplo de descontrole da epidemia.
Perdeu
apoio de eleitores mais velhos e viu a infecção espalhar-se por seus redutos
conforme o pleito se aproximava. Como se fosse pouco, ajudou, com provocações e
afagos a grupos supremacistas, a mobilizar massas urbanas contrariadas com o
abuso recorrente da força policial contra negros.
Num
período curto e dramático da sua administração, ficou estampada e condensada
grande parte das características que fazem da passagem de Donald Trump pela
Casa Branca uma ameaça aos valores que, ao longo dos séculos e mediante duras
batalhas, construíram a democracia ocidental.
Para
compor a personagem do playboy senil convergiram a arrogância dos plutocratas,
o ódio dos supremacistas, a pequenez dos isolacionistas, a covardia dos
machistas, a ignorância dos obscurantistas, a desfaçatez dos mitômanos e a
intolerância dos messiânicos.
Não
se trata de idealizar Biden. É saudável a possibilidade de que o novo
presidente exerça o poder restrito por uma maioria republicana do Senado, o que
ajudará a bloquear projetos temerários como o de manipular a composição da
Suprema Corte do país.
Mas
o dissenso partidário e o entrechoque institucional tendem a ocorrer, sob Joe
Biden, numa frequência distante da algazarra febril e do atropelo de protocolos
que marcaram a gestão Trump.
Nesse
retorno a uma relativa normalidade, o concerto internacional para lidar com
questões que afetam toda a humanidade —como a pobreza, as migrações, o comércio
e as ameaças sanitárias, ambientais, financeiras e de segurança— deverá ser
resgatado do limbo pelo novo líder da maior potência global.
As
nações que quiserem se comportar como párias, condição que parece encher de
orgulho o delirante chanceler brasileiro, incorrerão em mais riscos e perderão
o grande aliado na irresponsabilidade.
A
derrocada de Trump, aliás, está carregada de lições para o presidente Jair
Bolsonaro, bajulador e imitador canastrão do americano.
A
mais importante delas é que há um preço a pagar na afronta sistemática às boas
práticas de governo e de comportamento político. A fatura pode demorar, mas
chega.
Há
tempo de o presidente brasileiro completar o ajuste necessário em sua
administração para navegar as novas águas com menos sacolejos. Sinal crucial de
que sua administração ruma à razoabilidade seria mudar a orientação da política
ambiental, o que passa pela saída do ministro Ricardo Salles.
Outra
providência é Bolsonaro reconciliar-se depressa com a ciência e a prudência na
condução do combate à pandemia. Fazer politicagem com vacinas e colocar, pela
negligência, ainda mais vidas de brasileiros em perigo é caminho seguro para a
punição eleitoral.
O
mundo é um lugar melhor desde o momento em que uma maioria de votos se formou
para abater o voo populista nos EUA. Que no Brasil as lideranças saibam captar
o espírito do tempo —ou feneçam, como Trump, que já vai tarde.
Alívio
– Opinião | O Estado de S. Paulo
A maioria dos norte-americanos decidiu impedir pelo voto que Donald Trump completasse sua obra – a destruição da democracia nos Estados Unidos
O restabelecimento da política e do respeito às instituições como centro da vida democrática é o primeiro e mais significativo resultado da eleição do democrata Joe Biden à presidência dos Estados Unidos, confirmada neste sábado. Política pressupõe diálogo, mesmo, ou talvez principalmente, entre adversários figadais. Numa democracia digna do nome, não há divergência que não possa ser superada pela negociação civilizada e baseada no senso comum. Minorias devem ser ouvidas e a oposição deve ser respeitada, sob o signo da Constituição.
Assim,
o desfecho da campanha presidencial norte-americana não é trivial em muitos
aspectos. Não é apenas uma troca de governo, normal numa democracia. É a
superação de um pesadelo, representado pela desvairada presidência de Donald
Trump.
Joe
Biden certamente terá muitas dificuldades para governar, tendo em vista não
apenas a expressiva votação de seu adversário, mas um Congresso potencialmente
hostil. Talvez não consiga fazer tudo o que prometeu e certamente enfrentará
muitas crises, pois não é fácil ser presidente da maior potência democrática do
mundo.
Nada
disso, contudo, importa neste momento histórico. O que interessa é que a
maioria dos norte-americanos decidiu impedir pelo voto que Donald Trump
completasse sua obra – a destruição da democracia nos Estados Unidos – e
entregar a um político tradicional e experiente a tarefa de liderar o país
nesta hora de profunda crise. A mensagem é clara: chega de aventuras
irresponsáveis, lideradas por um demagogo que não tem nenhum apreço pela
política, pela lei e pela verdade.
Como
era previsível, o presidente norte-americano informou que não aceita o
resultado e que a eleição “está longe de acabar”. Prometeu brigar na Justiça
para contestar a votação em seu adversário em vários Estados. “Não vou
descansar até que o povo norte-americano tenha a contagem de votos honesta que
ele merece e que a democracia exige”, disse Trump em nota, sem mostrar qualquer
prova de fraude. E ainda tuitou: “Eu venci esta eleição, por muito!”.
Considerando que Trump ainda será presidente por cerca de dois meses, com os
poderes que o cargo lhe garante e outros que ele imagina ter, não é desprezível
a possibilidade de muita confusão.
A
esta altura, porém, a voz de Donald Trump, embora seja formalmente a do chefe
de Estado, tende a ser ignorada, a começar por muitos de seus próprios
correligionários, que há tempos tentam se desvincular do presidente doidivanas.
Não foram poucos os próceres do Partido Republicano a cumprimentar publicamente
Joe Biden e a lhe desejar um bom governo, como devem fazer os que respeitam a
democracia, independentemente de desavenças políticas.
Joe
Biden, de acordo com suas primeiras palavras como presidente eleito, parece
consciente de que há um longo caminho para cauterizar as profundas feridas da
sociedade norte-americana, tão bem exploradas pelos bandoleiros que tomaram a
Casa Branca com a infeliz eleição de Donald Trump – que tomou as legítimas
aspirações de milhões de norte-americanos como pretexto para seu empreendimento
liberticida.
Lembrando
que o comparecimento às urnas foi um dos maiores da história dos Estados
Unidos, onde o voto não é obrigatório, o presidente eleito disse a seus
compatriotas que vai trabalhar para unir o país. “Com o fim da campanha, é hora
de superarmos o ódio e a retórica raivosa e nos unir como nação. É hora de os
Estados Unidos se unirem e de curarem as feridas. Somos os Estados Unidos da
América. Não há nada que não possamos fazer quando estamos unidos”, declarou
Biden.
Essa
poderosa mensagem será ouvida em todo o mundo, mas especialmente em países
assolados pelo populismo selvagem inspirado por Donald Trump, como o Brasil.
Restabelece a esperança de que a democracia, malgrado suas crises e seus
impasses, tem mecanismos para sobreviver aos piores ataques e a seus mais
ferozes inimigos, desde que se preservem seus pilares – império da lei,
imprensa livre, cidadania ativa e, acima de tudo, liberdade.
Perspectivas do relacionamento Brasil-EUA
Há
sólidas condições históricas e interesses mútuos para avançar em suas parcerias
Muito se tem especulado sobre o impacto das eleições norte-americanas na relação Brasil-EUA. Com justas razões: a deliberada propensão dos presidentes Donald Trump e Jair Bolsonaro a confundir questões de Estado com políticas de governo e interesses pessoais já causou muitos ruídos desnecessários que ainda podem se amplificar na futura administração. Mas um relatório do Serviço de Pesquisas do Congresso norte-americano mostra que, além das contingências ideológicas, hoje reciprocamente alimentadas, há sólidas condições históricas e interesses mútuos para que as duas nações avancem em suas parcerias comerciais e estratégicas.
O
documento adverte para um padrão histórico de altas expectativas dando lugar a
mútuas frustrações. Apesar disso, os políticos norte-americanos frequentemente
apontam o Brasil como um parceiro natural em questões regionais e globais, dada
a nossa condição de democracia multicultural.
Malgrado
certas diferenças nas abordagens de políticas comerciais, as relações
EUA-Brasil se aprofundaram nas últimas duas décadas. Ainda que em 2008 a China
tenha ultrapassado os EUA como o maior parceiro comercial do Brasil, o comércio
entre ambos mais do que dobrou desde 1999, especialmente nas indústrias
energética e aeroespacial. O Brasil é o 19.º maior parceiro comercial dos EUA e
o segundo maior latino-americano.
Em
outubro, os dois países concluíram um Protocolo de Regras Comerciais que
reforça os compromissos do Brasil em favor de mais competitividade, reformas
regulatórias e liberdade econômica, e acrescenta três anexos ao Acordo sobre
Comércio e Cooperação Econômica de 2011: facilitação do comércio e
administração aduaneira; práticas regulatórias similares à do Acordo
EUA-México-Canadá (USMCA, na sigla em inglês); e compromissos anticorrupção. O
protocolo não precisa da aprovação do Congresso americano, mas precisará ser
aprovado pelo brasileiro.
“O
Congresso deveria considerar explorar as perspectivas de um aprimoramento das
relações econômicas e comerciais com o Brasil sob uma ‘abordagem de blocos de
construção’ rumo a um eventual Acordo de Livre Comércio”, sugere o relatório.
“Também deveria examinar um quadro para promover laços comerciais e abordar
questões como propriedade intelectual e comércio digital.” Os capítulos do
USMCA podem servir de modelos para acordos menores. O Brasil, por sua vez,
precisará decidir se buscará um acordo junto com o Mercosul ou bilateralmente,
o que exigiria mudanças nas regras do bloco.
Do
ponto de vista dos EUA, o fortalecimento dos laços com o Brasil, entre outras
razões econômicas e estratégicas, ajudará a promover seus interesses na América
Latina ante a crescente presença da China. Nesse sentido, há um inequívoco
alinhamento bipartidário. Sob a administração de Trump, o Brasil recebeu apoio
para ser integrado à OCDE e foi designado como aliado prioritário extra-Otan.
Não há razão para esses compromissos serem revertidos, mesmo sob uma
administração de Joe Biden.
Contudo,
o parecer aponta que muitos políticos (presumivelmente democratas) alegam que
“o Brasil precisará promover avanços nos direitos humanos, meio ambiente,
corrupção e reforma tributária antes que os dois países possam avançar em
quaisquer negociações”. É uma evidente advertência à gestão de Jair Bolsonaro,
que se soma àquelas da União Europeia e da OCDE. Mas nenhuma dessas exigências
é antagônica aos interesses brasileiros. Muito ao contrário.
Ao
fim e ao cabo, se as engrenagens diplomáticas do Itamaraty trabalharem segundo
a sua melhor tradição, o Brasil poderá se beneficiar do melhor dos dois mundos:
estreitamento das relações econômicas e estratégicas com os EUA, sem prejuízo
da expansão das relações comerciais com o seu maior rival, a China. Mas isso
dependerá da capacidade das instituições e da sociedade brasileiras de impor
freios às idiossincrasias ideológicas de seu presidente. Do contrário, é
perfeitamente possível que reste ao País o pior dos dois mundos: resistência do
contingente democrata nos EUA e atritos contraproducentes com a China.
A
democracia e o município – Opinião | O Estado de S. Paulo
São
de grande relevância os estudos e análises que aportam luzes sobre a política
na esfera local
A Fundação Konrad Adenauer Brasil lançou recentemente um novo número de sua série Cadernos Adenauer, com nove artigos dedicados às eleições municipais. Visto muitas vezes como algo de menor transcendência política e social, o pleito local é decisivo para a democracia. “Na minha experiência, a democracia é melhor ensinada nos municípios, pois ali o trabalho prático e o resultado de uma votação é imediatamente visível. Trabalhar a serviço da comunidade é, portanto, a melhor etapa preliminar para o trabalho no campo político em geral”, disse Konrad Adenauer que, antes de ser chanceler da Alemanha (1949-1963), foi prefeito de Colônia em duas ocasiões.
No
artigo Eleições municipais
legislativas: a porta de entrada na política e a mãe de todos os pleitos sob a
realidade de 2020, Humberto Dantas e Bruno Souza da Silva registram
que, “no anedotário político, o município sempre foi visto como o lugar de
ausência de contestação (ausência de competição)”. No entanto, reconhecem que
“as eleições municipais são competitivas (como é previsto num sistema democrático),
partidos se alternam no poder e, de modo crescente, aumenta a oferta de
candidatos à disposição dos eleitores”.
Em
relação ao último tópico, o artigo traz números significativos. Segundo o
Tribunal Superior Eleitoral (TSE), nas eleições gerais de 2010 – que incluem a
esfera central e a estadual – houve cerca de 22,5 mil candidaturas no País. Em
2014, 26 mil e em 2018, quase 30 mil. Já os números das eleições municipais são
de outra ordem. Apenas para as câmaras municipais em 2008 houve 350 mil candidatos.
Em 2012, 450 mil e em 2016, 460 mil.
Segundo
Humberto Dantas e Bruno Souza da Silva, “o saldo verificado entre 2008 e 2012
está associado ao endurecimento da justiça em relação à interpretação da lei
que obriga os partidos e coligações, vigentes em termos locais até 2016, a
lançarem porcentuais mínimos de candidaturas do gênero minoritário na lista de
postulantes, o que comumente está associado ao universo feminino. Essa decisão,
sozinha, alterou significativamente o perfil dos candidatos, não só no que diz
respeito ao gênero, mas também em termos de variáveis como estado civil e
escolaridade”.
O
artigo de Luiz Eduardo Garcia da Silva analisa os possíveis efeitos da
proibição das coligações nas eleições proporcionais, instituída pela Emenda
Constitucional (EC) 97/2017. Em primeiro lugar, o autor reconhece que “o fim da
possibilidade de partidos firmarem coligações nas disputas proporcionais não
necessariamente representará o fim dos puxadores de voto” – que era um dos
efeitos prometidos com a EC 97/2017. Ao mesmo tempo, admite que a medida pode
ter efeitos positivos na dinâmica da representação política, seja melhorando a
eficácia das escolhas eleitorais por parte dos eleitores seja propiciando maior
coesão interna aos partidos, “que buscariam reforçar sua imagem e projetos
comuns frente ao eleitorado”.
Quanto
ao efeito da diminuição do número de legendas, Luiz Eduardo Garcia da Silva
afirma que, “estruturalmente, prevemos uma redução gradual do número de
partidos políticos especialmente no âmbito municipal”. Destaca também que o
efeito da proibição das coligações sobre a fragmentação partidária pode ser
ainda mais forte em função da cláusula de barreira para partidos que não
alcancem determinado porcentual de votos. A cláusula prevista na EC 97/2017
entrará em vigor em 2022.
O
artigo de Garcia da Silva sugere ainda outro efeito especialmente positivo para
a qualidade da representação. Com o fim das coligações, “o peso eleitoral de
cada legenda será melhor equalizado na contagem dos votos, o que facilita a percepção
do eleitor e facilita a sua própria tomada de decisões”.
Poucas
esferas do Estado têm tanto impacto direto sobre a vida do cidadão como o
Executivo e o Legislativo municipais. Por isso, são de grande relevância todos
os estudos e análises que aportam luzes sobre a política na esfera local. O
município importa e o eleitor precisa estar consciente disso.
É inadmissível o apagão que afeta a população do Amapá – Opinião | O Globo
Moradores estão privados de serviços
básicos. Sistema só deve ser normalizado em dez dias
O blecaute que atingiu o Amapá após um
incêndio na subestação de energia da capital, Macapá, na noite de terça-feira,
expôs uma situação inadmissível. Ao menos 13 dos 16 municípios do estado foram
mergulhados num caos prolongado. Sem energia, serviços essenciais como
comunicações e abastecimento de água ficaram comprometidos. Hospitais passaram
a funcionar à base de geradores. Do ponto de vista da racionalidade, pode
parecer inacreditável, mas estima-se que o fornecimento só será plenamente
restabelecido dentro de dez dias.
Enquanto isso, cidadãos que trabalham e
pagam seus impostos em dia são submetidos a situações insólitas, como lavar
louça na calçada do reservatório local; buscar água com baldes diretamente nos
rios; recorrer ao aeroporto ou a shoppings para carregar celulares; disputar
preciosos galões de água mineral e sacos de gelo com uma multidão; e enfrentar
longas filas nos postos de combustíveis que ainda permanecem abertos.
De acordo com as informações oficiais, o
incêndio na subestação provocou o desligamento automático das linhas de
transmissão Laranjal/Macapá e das hidrelétricas Coaracy Nunes e Ferreira Gomes.
Na quinta-feira, o ministro das Minas e Energia, Bento Albuquerque, esteve em
Macapá — onde foi decretado estado de calamidade — para gerenciar a crise.
Disse que o problema está sendo solucionado — ontem a energia foi retomada em
alguns pontos —, mas que o sistema como um todo só deverá voltar ao normal em
dez dias.
O apagão, que afeta cerca de 90% da
população de 861 mil pessoas, foi aparentemente provocado por um raio que
atingiu um dos transformadores da subestação de Macapá, a única do estado. O
equipamento reserva, que poderia ser usado, está em manutenção desde dezembro.
“Trata-se
de um absurdo completo”, afirma o professor de planejamento energético da
Coppe/UFRJ Luiz Pinguelli Rosa. “Tem que haver redundância. Não pode o estado
inteiro ficar pendurado numa única subestação.” Embora a responsabilidade maior
seja do estado, fica evidente para ele a falta de supervisão do setor pelo
Ministério das Minas e Energia.
Não se pode admitir que quase todos os municípios de um estado mergulhem na escuridão sem perspectivas de uma solução num tempo razoável. Os governos estadual e federal precisam dar uma resposta às falhas que resultaram nesse cenário de caos — a população não tem nem sequer água para beber. É imprescindível criar redundâncias para suprir o fornecimento de energia em casos semelhantes e cuidar da manutenção dos equipamentos reservas. Nada garante que um raio não possa cair duas vezes no mesmo lugar.
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