A
certa altura, pareceu que Donald Trump ficaria no poder para sempre. O
bilionário transformou a presidência dos Estados Unidos num palco de
autopromoção permanente. Com sua oratória agressiva, ele eletrizou as redes
sociais, dominou o noticiário e impôs a mentira como arma política. Inspirou
uma onda reacionária que varreu democracias em diversas partes do mundo,
inclusive no Brasil.
Deslumbrado,
o republicano chegou a anunciar que não se limitaria a buscar o segundo
mandato. Já planejava o terceiro, o que exigiria rasgar a Constituição
americana. Ontem o projeto autocrático foi interrompido pela vitória de Joe
Biden. Trump ainda deve espernear por algum tempo, mas terá que deixar a Casa
Branca.
A
derrota do ídolo de Jair Bolsonaro pode ensinar algumas lições para o Brasil. A
primeira: o populismo de direita não é imbatível. O discurso do ódio atrai
votos, mas não resolve problemas concretos dos eleitores. Com o tempo, a
realidade se impõe ao obscurantismo. Líderes que insistiram em negar a ciência,
como Trump, foram atropelados pela pandemia.
Segunda
lição: no confronto com um extremista, é preciso apostar na discussão de
valores. Biden tem pouco carisma, mas cresceu ao se apresentar como antítese do
rival. Conseguiu transformar a eleição num plebiscito sobre a democracia e a
decência que se espera de um governante.
No
último debate, o democrata se diferenciou ao mostrar solidariedade com as
vítimas da Covid e do racismo. “Vocês sabem quem eu sou, e vocês sabem quem ele
é”, disse, olhando para a câmera. “O caráter do país está em jogo. Nosso
caráter está em jogo”, reforçou. Essa estratégia depende da realização de
debates, que Bolsonaro boicotou em 2018.
A
terceira lição está ligada à escolha do candidato e à união das forças
democráticas. Biden já havia fracassado em duas tentativas de disputar a
Presidência. No início da terceira, chegou a ser visto como carta fora do
baralho. Moderado e conciliador, ele convenceu os democratas de que tinha o melhor
perfil para derrotar Trump. Progressistas como Bernie Sanders e Elizabeth
Warren deixaram a disputa para apoiá-lo. A vice Kamala Harris acrescentou
diversidade e energia à chapa.
O
sistema político brasileiro é muito diferente do americano, mas quem tem planos
para o Brasil de 2022 precisará refletir sobre os EUA de 2020. “A vitória de
Biden é uma vitória de frente ampla”, afirma o governador do Maranhão, Flávio
Dino (PCdoB). Ele sustenta que a esquerda só derrotará Bolsonaro se conseguir
atrair forças de centro. “Quem não fizer isso não ganhará a eleição”,
sentencia.
Na
centro-direita, o triunfo democrata empolgou o governador de São Paulo, João
Doria (PSDB). “Biden é defensor da democracia e dos direitos humanos, e o
Brasil tem falhado nos dois campos. A derrota de Trump mostra que os grandes
absurdos têm um fim”, diz o tucano, que apoiou Bolsonaro em 2018 e hoje é
inimigo do capitão.
O ex-presidenciável Fernando Haddad (PT) considera que a discussão de estratégia eleitoral ainda é prematura. Mesmo assim, ele festejou um efeito da derrota de Trump sobre o país. “Agora o Bolsonaro é um cachorro que caiu do caminhão de mudança”, ironizou.
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