Cumpre
trabalhar para que a moderação com visão de futuro prevaleça no Brasil pós-2022
Em
política, como na guerra e, por vezes, na economia, dias podem valer semanas;
semanas, meses; e meses, anos. Dois anos são prazo suficiente para pôr em
marcha as medidas de que precisa o País para enfim conhecer crescimento
razoável e sustentado e com isso atender às necessidades da população?
Muitos
sustentam que é preciso aguardar a marcha dos acontecimentos: as eleições
municipais iminentes ditarão os contornos das futuras coligações, partidárias
ou não. Em dezembro e janeiro a atenção será consumida por eleições para as
presidências da Câmara e do Senado, e então, de lideranças, mesas diretoras e
presidência das principais comissões das duas Casas do Congresso. Aí já
estaremos em março de 2021, abril talvez, caso o Executivo decida promover
reforma ministerial para refletir o cenário resultante das urnas e com isso
construir base de apoio mais sólida no Congresso. O restante de 2021 e o início
de 2022 é quanto haveria para a gradual constituição de alianças e chapas com
vista às eleições de outubro. E então, seis meses de intensa campanha.
É
muito ou pouco tempo? Do ponto de vista político, pareceria prazo razoável
fosse outra a situação econômica e social – menos incerta, tensa e volátil. Mas
não é esse o caso. A complacência, essa característica tão nossa, é luxo a que
não nos podemos dar. Em meu artigo mais recente (Corredor estreito, tempo curto) apontei a exiguidade do
espaço de manobra na área econômica. Para muitos, a política ditará o ritmo em
que se pode avançar. Como se, conhecidos os resultados das eleições de novembro
no Brasil e nos EUA, 2020 estivesse, como ano político, encerrado. Seria
diferente caso o Executivo fosse capaz de definir, em diálogo consistente com
as lideranças e presidências da Câmara e do Senado, conteúdo e timing da agenda
legislativa, pela qual se bateria então com determinação e articulação. No
entanto, o chefe do Poder Executivo parece ter outras prioridades em mente,
agora talvez acentuadas pelo resultado das eleições norte-americanas e pelo
destino de seu modelo ideal de presidente da República.
Na
área econômica, ocorre-me apontar possíveis lições das transições de 2002-03 e
de 2016. Entre abril e outubro de 2002 o câmbio foi de 2,3 a 4 reais por dólar
e o risco Brasil multiplicou-se por mais de quatro vezes. Era o resultado de
preocupações de investidores internos e externos, ditadas por dúvidas quanto à
condução que daria à economia o governo a ser eleito em outubro de 2002. A
resposta, prática, veio por meio da escolha dos nomes que estariam à frente da
condução da política econômica. Ganhou credibilidade concreta o compromisso,
assumido durante a campanha, com o esforço fiscal necessário para estabilizar a
relação dívida-PIB, preservar a inflação sob controle e respeitar contratos. Ao
final de dezembro o câmbio havia passado para 3,5 e 3,3 ao final de março, e o
Brasil foi em frente, ajudado por contexto internacional extraordinariamente
favorável.
Também
2016 oferece lições úteis. O governo Temer teve início sob situação
extraordinariamente adversa. O investimento havia começado a declinar no
terceiro trimestre de 2013, a recessão começara em abril de 2014. 2016 seria o
terceiro ano de déficit primário e a pressão estrutural por gastos públicos era
crescente. Situações difíceis não são sinônimo, no entanto, de falta de opções.
A primeira, na área econômica, envolvia – uma vez mais – escolher pessoas
certas para posições-chave, que, por sua vez, pudessem atrair e reter outros
profissionais competentes. Na área política, criar base de sustentação no
Congresso e com isso definir agenda legislativa que atendesse a prioridades
claras.
Os
dois episódios encerram lição útil para a situação atual e para 2022 – que pode
parecer muito distante, mas não está, dada a gravidade da situação nos três
níveis de governo. Lição útil, caso queiramos evitar a reedição em 2022 da polarização
que marcou as eleições de 2018; que ocorreria em circunstâncias ainda muito
mais difíceis nas áreas econômica e social que as daquele momento.
São
dois anos para construir apoios, com serenidade e humildade, mas também com o
sentido de urgência que impõe a crise das finanças públicas. Para adotar
medidas difíceis, em diálogo com o Congresso e com o Judiciário. Para explicar
a ambos e à opinião pública não só por que é preciso enfrentar a situação
atual, mas também como fazê-lo. Não apenas por necessidades fiscais, mas para
que o País possa conhecer crescimento razoável e sustentado; para que o setor
público possa prestar melhores serviços à população, especialmente em saúde e
educação; por maior inclusão social e igualdade de oportunidades; para que seja
possível investir mais e melhor em infraestrutura, ciência e tecnologia. Para
aumentar a confiança de investidores domésticos e externos no Brasil e em seu
futuro.
Ao
que tudo indica, o resultado eleitoral da semana passada significa que o
presidencialismo de confrontação foi derrotado nos Estados Unidos. Cumpre
trabalhar para que a moderação com visão de futuro possa prevalecer também no
Brasil pós-2022.
*Economista, foi ministro da fazenda no governo FHC
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