sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

Ainda faltam 17,5 mil horas – Opinião | O Estado de S. Paulo

O Brasil conta as horas para o fim do governo de Bolsonaro. A partir de hoje, quando se completa a 1.ª metade do mandato, faltarão 17,5 mil – uma eternidade

O Brasil conta as horas para o fim do governo de Jair Bolsonaro. A partir de hoje, quando se completa a primeira metade do mandato, faltarão cerca de 17,5 mil – uma eternidade, considerando-se que se trata do pior governo da história nacional.

Se os dois primeiros anos da gestão de Bolsonaro servem de parâmetro para o que nos aguarda na segunda parte do mandato, o Brasil nada pode esperar senão mais obscurantismo, truculência e incapacidade administrativa, pois essa é a natureza de um governo cujo presidente não se elegeu para governar, e sim para destruir.

Não se tem notícia de que alguma das promessas formais de campanha de Bolsonaro tenha sido cumprida. Ele e seu “superministro” da Economia, Paulo Guedes, passaram quase toda a primeira metade do mandato a anunciar privatizações em massa, desenvolvimento econômico, criação de empregos, modernização do Estado e competitividade internacional. A frustração de todos esses retumbantes compromissos levou o ministro Paulo Guedes a anunciar: “Acabou. Não prometo mais nada”.

Também as alardeadas reformas foram ou esquecidas ou sabotadas por Bolsonaro justamente na época mais propícia para sua aprovação. Somente a reforma da Previdência foi aprovada, mas como resultado do esforço da liderança do Congresso, muitas vezes à revelia do presidente da República. 

Será uma surpresa se a pauta de reformas avançar na segunda metade do mandato, em meio ao previsível clima de campanha eleitoral alimentado pelo próprio presidente. Não há motivo para otimismo – e não há porque Bolsonaro não se mostrou competente nem mesmo para encaminhar as pautas ditas “de costumes”, tão caras ao bolsonarismo. Assim, como se vê, o governo do ex-deputado do baixo clero não se define pela capacidade de formular políticas – qualquer uma –, restando-lhe exclusivamente o discurso ideológico.

Nisso, Bolsonaro foi competente. Durante dois longos anos, conseguiu entreter o País com um misto de violência e escárnio pelas instituições, tão ao gosto de uma parcela reacionária da população para a qual a política não presta e democracia equivale a balbúrdia.

Bolsonaro passou a primeira metade de seu mandato a fazer o elogio do homem medíocre, menosprezando a respeitabilidade e rejeitando qualquer autoridade que não fosse a sua. Elevou a crueldade à categoria de virtude, contrariando valores humanitários, considerados hipócritas por ele e seus devotos. Ao fazê-lo, ofereceu a seus ressentidos eleitores a possibilidade excitante de mudar a história por meio do autoritarismo messiânico de seu “mito”.

Como em todo regime autoritário, programas partidários são irrelevantes – e Bolsonaro nem partido tem. O que interessa é a palavra do “mito”, que muda ao sabor das circunstâncias, tornando irrelevante até mesmo a assinatura de Bolsonaro em leis e decretos que ele não se envergonha de renegar ou esquecer quando lhe é conveniente.

Até aqui, Bolsonaro dedicou-se a criar um discurso em que todos são responsáveis pelos problemas, menos ele. E, como se trata de ideologia, pouco importa se o discurso é baseado em falsas premissas, como quando reitera a mentira segundo a qual não tem responsabilidade no combate à pandemia porque o Judiciário a atribuiu a Estados e municípios. O que importa é disseminar a impressão de que não o deixam governar, numa imensa conspiração.

Para que esse discurso funcione, é preciso desqualificar a imprensa profissional, que trabalha para revelar fatos concretos, e valorizar as redes sociais, que criam “fatos” sob encomenda. É o que Bolsonaro faz a todo momento. Nesse ambiente, todo aquele que é capaz de pensar e questionar torna-se automaticamente suspeito. Nada do que a experiência científica oferece é válido, pois tudo o que é preciso saber será revelado pelo “mito”, de acordo com a lógica de suas, digamos, ideias.

Nas 17,5 mil horas desse pesadelo que ainda temos pela frente, é preciso que a sociedade e as instituições democráticas impeçam Bolsonaro de completar sua obra deletéria. Se não se pode esperar que Bolsonaro se emende, ao menos é possível tentar reduzir os danos de sua catastrófica passagem pelo poder.

Pandemia e a Federação – Opinião | O Estado de S. Paulo

A Lei Complementar n.º 173/2020 trata como iguais realidades desiguais

Os prefeitos que assumirão hoje terão pela frente um primeiro ano de mandato marcado por uma severa limitação à sua autonomia administrativa. Por força do artigo 8.º da Lei Complementar (LC) n.º 173, aprovada pelo Congresso no fim de maio, estão vedados reajustes de salários e pagamento de bonificações para servidores civis e militares, contratação de funcionários (exceto para reposição de vagas ou para trabalhos temporários) e qualquer reforma administrativa que implique aumento de despesas. As restrições valem até o dia 31 de dezembro de 2021 e também são aplicáveis aos Estados e ao Distrito Federal.

Essas são as contrapartidas estabelecidas pela LC 173, que instituiu o programa federal de combate à pandemia de covid-19, para o repasse bilionário de recursos da União para os entes federativos e para a suspensão dos pagamentos da dívida destes com o Tesouro Nacional em decorrência da crise sanitária. Mas, em que pese seu bom propósito, trata-se de mais uma lei federal que é imposta indistintamente aos entes federativos – em especial aos municípios – desconsiderando a realidade local, muito diversa em um país como o Brasil. O resultado é a dificuldade de implementação ou a injustiça decorrente da falta de calibragem de seus efeitos.

“Os regramentos nacionais, para um país tão heterogêneo como o nosso, sempre podem trazer complicações”, disse ao Estado o secretário executivo da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), Gilberto Pierre. Ele tem razão. “Engessar (as Prefeituras) de norte a sul, de leste a oeste, é generalizar demais”, afirmou Pierre.

Não se questiona aqui o acerto do legislador federal ao estabelecer certas contrapartidas para o vultoso auxílio financeiro da União dado aos Estados e municípios no curso da emergência sanitária. Afinal, são bastante conhecidos os casos de entes que são ajudados pela União – ou seja, por todos os contribuintes – nos momentos de aperto, mas pouco ou nada fazem para sair da situação adversa em que se meteram, quando não a aprofundam. O Rio de Janeiro é o exemplo mais notório.

Auxílios federais como o da LC 173 devem ser excepcionais e rigidamente controlados, sob pena de acabarem premiando a incompetência e a incúria de governadores e prefeitos. No entanto, melhor seria se a LC 173 estabelecesse critérios muito claros sobre as circunstâncias que autorizariam o aumento excepcional de despesas, a depender da situação fiscal de cada Estado ou município e da comprovação da necessidade. Meios para auditar esses critérios não faltam. Aí estão os Tribunais de Contas, as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais para fiscalizar os atos do Poder Executivo, além da própria Secretaria do Tesouro Nacional e o Congresso, no que lhes couber.

A situação da capital fluminense, por exemplo, é absolutamente distinta da que se observa na capital paulista, apenas para citar as duas maiores cidades do País. O Rio é a cidade que gasta o maior porcentual de sua receita anual com a folha de pagamento dos servidores (79%). Em São Paulo, dá-se a situação diametralmente oposta: é a capital com a menor relação entre receita e folha de pagamento (46,3%). No entanto, segundo os critérios estabelecidos pela LC 173, ambas as cidades são tratadas como se ostentassem os mesmos indicadores fiscais. A depender do cenário econômico e do estado da crise sanitária em 2021, essas discrepâncias serão mais ou menos acentuadas.

Não se descarta até mesmo a proposição de alterações na LC 173. A constitucionalidade de alguns dispositivos do diploma legal já está sendo analisada pelo Supremo Tribunal Federal. Em algum momento, a Corte terá de se debruçar, mais uma vez, sobre a questão da Federação, sobre os limites da interferência da União nos Estados e municípios.

No fundo, o que se discutirá é se um evento excepcional como a pandemia tem o condão de firmar um regime fiscal provisório que se sobreponha ao arranjo de competências entre os entes federativos firmado pela própria Lei Maior.

Déficit diminui, desafio permanece – Opinião | O Estado de S. Paulo

Novas contas apontam rombo fiscal menor, mas controlar a dívida ainda é enorme desafio

Doze bilhões de reais podem fazer muita diferença para uma grande empresa e certamente são importantes para o Tesouro Nacional, mas esse valor fica muito menos impressionante quando o assunto é o rombo das contas federais. O Ministério da Economia reduziu de R$ 844 bilhões para R$ 831,8 bilhões o déficit primário (isto é, sem os juros) previsto para o governo central em 2020. Apesar da melhora, o resultado ainda equivale a 11,5% do Produto Interno Bruto (PIB) estimado para 2020. Quando se acrescentam os saldos fiscais esperados para Estados, municípios e estatais da União, o valor passa a US$ 844,2 bilhões, ou 11,7% do PIB.

Pouco se altera, portanto, o custo fiscal das medidas excepcionais implantadas em resposta aos efeitos sanitários e econômicos da pandemia. Os encargos extraordinários, com impacto de R$ 620,5 bilhões no resultado primário, permitiram atenuar as perdas humanas e econômicas ocasionadas pela covid-19.

Graças à reação dos negócios, facilitada por esse apoio, o PIB de 2020 deve ser, segundo a revisão de parâmetros do Ministério da Economia, 4,5% menor que o de 2019. Esse número foi usado para se reestimar o cenário fiscal.

Mas os custos adicionais, embora muito úteis e permitidos pelo chamado orçamento de guerra, afetam por longo tempo as finanças públicas. Deixam sequelas difíceis de eliminar e complicam a gestão das contas oficiais nos anos seguintes. Para administrar esses efeitos e promover a recomposição de suas contas, o governo terá de seguir um receituário muito severo.

Para enfrentar a crise, o governo central teve de abandonar, por algum tempo, as metas de contenção da dívida pública. Antes da covid-19, o Ministério da Economia havia anunciado uma nova meta para a dívida bruta do governo geral: no máximo, 80% do PIB, em dezembro de 2020. Essa meta foi abandonada nos primeiros meses da pandemia.

Pela nova estimativa, no fim de 2020 a dívida, em torno de R$ 6,7 trilhões, será equivalente a 91% do PIB. Os números do governo geral incluem os balanços da União, dos Estados, dos municípios e das estatais, excluídas Petrobrás e Eletrobrás.

A evolução dessa dívida é afetada pelo resultado primário do setor público e pelo custo do financiamento das contas oficiais. Quando há superávit primário, o governo consegue pagar pelo menos uma parte dos juros vencidos. Quando o saldo é negativo, é preciso rolar a dívida e o bolo aumenta. O quadro fica mais feio quando os financiadores cobram juros maiores, tornando inevitável uma expansão mais veloz do endividamento.

Antes da crise havia a expectativa de algum superávit primário a partir de 2022. Pelas novas metas do governo, o saldo primário ainda será negativo em 2023, devendo equivaler a 1,68% do PIB, no caso do governo central, e a 1,67%, se se tratar de todo o setor público não financeiro.

A evolução dessas contas – e da dívida bruta – é seguida cuidadosamente pelo mercado. Aí se incluem as agências de classificação de risco. Quando a classificação de um país é rebaixada, o financiamento da dívida tende a ficar mais caro e mais difícil de negociar. Detalhe importante: a dívida brasileira já era, antes da crise, proporcionalmente muito maior que a dos países de renda média. Nesses países, a média da relação é próxima de 50%. Pode ter aumentado em 2020, mas a diferença em relação ao Brasil, por todos os dados conhecidos, continua muito ampla.

A contenção da dívida vai depender da combinação, nem sempre fácil, da disciplina fiscal com o crescimento econômico e da confiança dos financiadores. Essa confiança dependerá, assim como a política de juros do Banco Central, de um compromisso claro do Executivo com a responsabilidade fiscal e com a pauta de reformas. O Ministério da Economia reconhece essas condições, ao apontar a “continuidade da agenda de reformas” como “imprescindível para o equilíbrio fiscal”. Não basta, porém, a “continuidade da agenda”. É preciso executá-la. Quem garantirá a continuidade e a execução? Um presidente ocupado com assuntos familiares e com a reeleição?

O desafio que paralisa os novos prefeitos – Opinião \ O Globo

Situação fiscal precária é resultado não só da pandemia, mas de desequilíbrio estrutural profundo

Os prefeitos que assumem hoje sabem o que os espera em cada um dos 5.570 municípios. Por tudo o que aconteceu em 2020, que se estenderá por este começo de 2021 com o recrudescimento da pandemia e seus efeitos já conhecidos na economia, muitos não poderão contar com arrecadação suficiente para pagar as contas municipais. Por isso mesmo, este 1º de janeiro não está propício a festas de posse.

Toda a sequência de dificuldades deflagrada pelo vírus tem impacto mais severo no gestor público mais próximo dos 210 milhões de cidadãos — o prefeito. Alguns enfrentam mais problemas que outros. O paulistano Bruno Covas se encarregou de agravar a situação do próprio município, com um aumento salarial de 47% para si mesmo, que poderá custar em torno de R$ 500 milhões aos cofres públicos.

Eduardo Paes, que volta a administrar o Rio pela terceira vez, recebe uma carga de dificuldades financeiras do antecessor Marcelo Crivella, protagonista de um governo desastroso do ponto de vista administrativo. Para não perder tempo, deverá baixar hoje uma série de medidas, numa cidade que começa o ano com a previsão de um déficit de R$ 10 bilhões, se não aparecerem esqueletos fiscais escondidos sob a contabilidade opaca do antecessor.

Os prefeitos têm margem exígua para manobra. O Regime de Recuperação Fiscal (RRF), a que o Estado do Rio de Janeiro aderiu, não socorre municípios. No Congresso, o RRF foi flexibilizado para poder abrigar mais estados (o Rio foi o único a aderir ao programa, apesar de Minas, Rio Grande do Sul e Goiás estarem na fila do socorro do Tesouro faz tempo).

Para os prefeitos, a esperança de socorro é outra, o projeto de lei complementar 101/20. De autoria do deputado Pedro Paulo Carvalho (DEM-RJ), a partir de hoje secretário de Fazenda de Paes, ele deriva do plano concebido pelo ex-secretário do Tesouro Mansueto Almeida e permitirá a renegociação de dívidas também das prefeituras. A depender do cumprimento de contrapartidas, os prefeitos poderão obter empréstimos com aval da União.

Sancionada pelo presidente, a lei abrirá uma porta às prefeituras. Mas só passarão por ela as que se comprometerem com exigências que garantam um mínimo de austeridade fiscal, como privatização de estatais, corte de pelo menos 20% dos incentivos e benefícios fiscais, ajuste na previdência ou imposição de um teto de gastos municipal.

É preciso que não se repita a história recorrente de governadores e prefeitos que se comprometem com a austeridade, são socorridos, depois deixam pelo caminho os compromissos assumidos, sob a proteção de conchavos políticos e beneficiados por decisões judiciais.

A pandemia aprofundou a crise fiscal. O déficit estrutural do Estado resulta do aumento das despesas em velocidade superior ao crescimento da economia. O exemplo clássico, segundo o economista Raul Velloso, é a Previdência. No Rio e em São Paulo, cidades que adotam o mesmo “regime de repartição” vigente no INSS, os benefícios são pagos com a contribuição dos jovens que entram no mercado formal de trabalho. Mesmo que a economia estivesse gerando novos empregos, o número crescente de aposentados, decorrência do envelhecimento populacional, já geraria desequilíbrio.

Velloso chama a atenção para a tendência a déficits do conjunto da Previdência municipal. Em 2012, havia um superávit de R$ 12,6 bilhões no sistema. Em 2018, o déficit já era de R$ 7,8 bilhões — e só piorou de lá pra cá. No Rio, Crivella tentava antecipar os royalties do petróleo nos bancos para pagar a aposentados e pensionistas. Paes receberá o Previ-Rio sem caixa.

Numa das reviravoltas da aprovação da reforma da Previdência no ano passado, caiu a obrigatoriedade de estados e municípios adotarem exatamente as mesmas regras que passaram a vigorar no INSS e na previdência do funcionalismo federal. Vários governos tomaram a iniciativa de tentar aprovar as mudanças nas assembleias, mas a maioria dos municípios nem se abalou.

Uma portaria da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, do Ministério da Economia, deu a estados e municípios a opção de aumentar a alíquota de contribuição de 11% para 14%, em vez de adotar as alíquotas progressivas aprovadas para o funcionalismo federal. O Rio de Crivella nada fez.

Déficits estruturais crescentes, criados por despesas garantidas por lei, raspam os cofres públicos. Para estimar a urgência com que prefeitos precisam reformar seus sistemas, Velloso calculou até quando alguns municípios paulistas e o Rio terão dinheiro para investir em infraestrutura, mantida a tendência dos déficits na sua Previdência. Resultado: o Rio já não tem mais recursos disponíveis; a cidade de São Paulo terá até 2029. Santos conta com o mesmo fôlego da capital, Marília está na precariedade carioca, e Santo André poderá investir apenas até o final deste ano. Se é assim no estado mais rico do país, imagine nas regiões menos desenvolvidas.

Controlada a pandemia, a economia tenderá a se recuperar, mas deformações municipais específicas persistem. A facilidade garantida pela Constituição para criar municípios fez com que, de 4.180 em 1988, passassem a 5.570. Seriam muitos mais, não fosse a aprovação, em 1996, da emenda constitucional que passou a exigir lei complementar federal para a criação de prefeituras. Mesmo assim, permanece nas costas do Estado o passivo de um grande número de cidades sem arrecadação suficiente para arcar com os próprios custos. A pandemia passará, mas essas distorções na nossa Federação continuarão a pesar nas costas do contribuinte.

Nova década – Opinião | Folha de S. Paulo

Alicerces políticos e econômicos da democracia amparam esperança de melhora

No ano e na década que se iniciam, o país terá o desafio não apenas de corrigir erros e omissões que resultaram no fiasco dos anos 2011-2020, mas também de preservar os avanços institucionais que o período democrático viabilizou na política e na economia.

Não se podem esquecer as consequências, no decênio encerrado, da indisposição para levar adiante reformas que permitissem maior dinamismo produtivo, equilibrassem as contas do Estado e permitissem um amplo redesenho do pacto social em favor dos mais pobres.

Tampouco se devem minimizar, entretanto, os progressos palpáveis que foram acumulados em período ainda mais longo —e que mantêm viva a esperança de dias melhores.

Apesar de momentos de retrocesso e imprudência que fomentaram crises graves, foram se consolidando alicerces fundamentais, como a gestão mais autônoma da política monetária e um debate aberto, embora incompleto, sobre o imperativo de unir responsabilidade fiscal e justiça distributiva.

A taxa de juros nunca foi tão baixa —verdade que em boa parte devido à fraqueza da atividade econômica, mas não menos importante em sequência do movimento paulatino que se verifica desde a instituição do Plano Real, em 1994.

Mais recentemente, o teto para os gastos federais inscrito na Constituição facilitou o processo de convergência do custo do dinheiro para padrões mais civilizados.

O controle da inflação se revela persistente e bem-sucedido. A experiência democrática tem demonstrado ampla rejeição da sociedade a velhas políticas que toleram a frouxidão orçamentária —e a aceleração dos preços— em nome de supostos estímulos ao crescimento do Produto Interno Bruto.

São mais transparentes, hoje, as relações e as fronteiras entre o Banco Central e o Tesouro Nacional, que outrora se confundiam na execução de despesas e na emissão de dívida e moeda. Avizinham-se, inclusive, aperfeiçoamentos importantes nessa legislação.

Nas relações com o restante do mundo, recorrente fonte de instabilidade na história brasileira, a situação se mostra sólida, com amplas reservas em moeda forte e um regime de câmbio flutuante.

É notável que o agudo período de crise da década passada não tenha resultado em problemas nessa frente, com a economia mais integrada ao comércio e aos fluxos de investimento globais.

Sem estabilidade da moeda e solidez fiscal são efêmeros os resultados dos programas de combate à pobreza e à desigualdade —e constitui mérito nacional o desenvolvimento de um aparato de seguridade dos mais amplos entre os países emergentes.

É também admirável que o amadurecimento do regime macroeconômico tenha ocorrido em paralelo à consolidação dos instrumentos democráticos e republicanos.

Mecanismos de freios e contrapesos entre os Poderes evoluíram a ponto de deixarem pouco a dever aos observados em países desenvolvidos —assim o constata, regularmente desde sua posse, o presidente Jair Bolsonaro.

O Supremo Tribunal pode ser criticado por corporativismo e até falta de autocontenção, mas não subserviência. O Congresso, apesar de antigos vícios, já demonstrou altivez ante a volúpia do Executivo.

Do fortalecimento do Ministério Público à maior qualidade técnica e autonomia da Polícia Federal, há também ganhos notáveis na defesa de interesses difusos e no combate à corrupção —também com a ressalva de abusos. Poderosos, de fato, não podem mais assumir que estão acima da lei.

Não se pretende aqui ser panglossiano, muito menos ufanista. O país —sociedade e forças políticas— precisa mostrar mais ambição e senso de urgência no enfrentamento de mazelas crônicas.

No âmbito das ações de governo, urge sobretudo tratar da má qualidade da educação pública, obstáculo à ascensão social. A melhoria de serviços essenciais como saúde e segurança pública dependerá de mais eficiência na alocação de recursos orçamentários escassos.

Estão à vista de todos os males do patrimonialismo e da captura de Estado por grupos de interesse. Nas estruturas de tributação e despesa há mecanismos que concentram renda, mantêm a assimetria de acesso e perpetuam a pobreza.

Não se verá real progresso, contudo, com ofensivas voluntaristas ou, pior ainda, com o desprezo populista pelas instituições. Por falhas que por vezes pareçam, são elas que amparam as esperanças de recuperar o tempo perdido pelo país. Que 2021 e a nova década sejam melhores para todos.

Nenhum comentário: