sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

Nelson Motta - Que centro é esse?

- O Globo

Seria uma área equidistante da centro-esquerda e da centro-direita, com políticos moderados

Bolsonaro anunciou que o Brasil se tornou uma referência mundial no enfrentamento da pandemia. É verdade. Só que é referência negativa, tudo o que não se deve fazer para combater o coronavírus. Todo mundo sabe que o Brasil está em segundo lugar, só atrás dos Estados Unidos, mas em mortos. Pelo menos eles já começaram a se vacinar e foram os primeiros a comprar vacinas, nós estaremos entre os últimos. Ninguém pode contestar isso com fatos e argumentos. Ofensas, xingamentos e ameaças não mudam nada nem respondem a perguntas. Bolsonaro acha que os laboratórios deveriam estar mais interessados em vender a um grande mercado como o Brasil, mas, como há mais procura do que vacinas, são os governos que estão disputando seus produtos. O cara quer revogar até a lei da oferta e procura.

É muito desagradável, e imagino que inútil, escrever sobre isso, e desconfio que também ler. Já não tenho a menor ilusão de convencer ninguém de nada. Não quero converter nenhum crente. Também acho chato pregar para convertidos, gente que pensa parecido, é como chover no molhado. Às vezes acho que é um dever lutar contra o obscurantismo e o atraso, contra a ignorância e a estupidez, se possível com humor, que é a melhor arma. Às vezes acho perda de tempo, quem tinha que detestar Bolsonaro já está detestando, quem o adora não está interessado em argumentos: é cego e surdo a tudo o que não for o que seu mito mandar. O Brasil está dividido em três: um terço de bolsonaristas, um terço de antibolsonaristas e um hipotético terço do centro como fiel da balança.

E que centro é esse? Certamente não é o Centrão, que não é de direita nem de esquerda, é profissional. Seria alguma área equidistante da centro-esquerda e da centro-direita, com políticos moderados capazes de dialogar e estabelecer alianças, que nunca apoiarão Bolsonaro. Também são pouco prováveis deserções de bolsonaristas: quem tinha que se desiludir com ele já se desiludiu. Quem, depois de tudo, continua acreditando é caso perdido.

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