Cabe
à mulher, não a seus vizinhos, definir se ela vai ou não levar uma gravidez
adiante
A
Argentina legalizou o aborto. Isso é bom ou é mau? Para afirmar
peremptoriamente que é mau, como fazem muitos religiosos e alguns não
religiosos, é preciso postular alguma forma de realismo moral, isto é,
sustentar que o certo e o errado são realidades objetivas e acessíveis às
pessoas e que a interrupção voluntária da gravidez se insere na coluna dos erros.
Não creio que seja tão fácil.
Para os religiosos menos sofisticados, o realismo é um dado: Deus nos revelou nas Escrituras uma moral eterna; cabe-nos apenas obedecê-la. É claro que as coisas não são tão simples, e não falo apenas das contradições e omissões mais flagrantes dos textos sacros. As complicações do realismo assombram até os que têm uma visão mais sofisticada dos problemas. Basta lembrar que foi apenas dois anos atrás que a Igreja Católica resolveu condenar a pena de morte.
O
interessante é que não são só religiosos que caem na tentação de abraçar o
realismo moral como antídoto às formas mais virulentas de relativismo.
Intelectuais como Sam Harris e Michael Shermer defendem que é possível
reconhecer verdades morais com base em diferentes blends de darwinismo e
utilitarismo. Não me convencem muito.
É
claro que há limites lógicos e biológicos para o relativismo. Uma sociedade que
condenasse o sexo em todas as modalidades e circunstâncias não teria muito
sucesso evolutivo. Mas nem toda questão moral tem implicações tão vitais.
Aliás, se a hipótese do realismo for a correta, nem existiriam controvérsias
morais genuínas. Todas elas seriam solucionadas apenas levantando-se a
informação certa.
Não vejo como escapar à ideia de que a moral é sempre histórica e socialmente determinada, com espaço para algum relativismo. E não tenho muita dúvida de que, no mundo em que vivemos hoje, cabe à mulher, não a seus vizinhos, definir se ela vai ou não levar uma gravidez adiante. Parabéns aos argentinos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário