Se
nenhum tropeço político impedir, o agronegócio brasileiro tende a ganhar
importância, ano a ano, como supridor da crescente demanda global de alimentos
O setor mais eficiente da economia nacional, o agronegócio, deve ser novamente, neste ano, um importante motor dos negócios. Mais um recorde na colheita de grãos, de 264,8 milhões de toneladas, deve ser alcançado na safra 2020-2021, segundo a nova estimativa do Ministério da Agricultura. Com a colheita já iniciada em Mato Grosso, principal Estado produtor, a soja deve ser mais uma vez a estrela principal. Sua produção, estimada em 133,7 milhões de toneladas, deve ser 7,9% maior que a da temporada anterior. Além de representar cerca de 50% da colheita anual de grãos, a soja continua sendo, com seus derivados, a maior fonte de dólares da agropecuária.
Com
exportação de US$ 100,81 bilhões, a segunda maior da série histórica, superada
somente pelos US$ 101,17 bilhões de 2018, o agronegócio proporcionou quase
metade – 48% – de toda a receita comercial do Brasil em 2020. Com US$ 52,69
bilhões de compras, os países da Ásia Oriental se mantiveram como principal
destino regional das exportações de alimentos e matérias-primas originárias do
agro. A China continuou sendo o número um, entre os países compradores, tendo
importado produtos no valor de US$ 34 bilhões, cerca de um terço de todo o
valor exportado pelo agronegócio brasileiro.
A União Europeia comprou US$ 16,30 bilhões e permaneceu como segundo destino regional mais importante, apesar das tendências protecionistas observadas em vários países, especialmente na França. O presidente francês, Emmanuel Macron, manifestou-se de novo, há poucos dias, contra a importação de soja brasileira, um produto cultivado, segundo ele, com devastação da mata amazônica. Só os desinformados podem levar a sério essa afirmação.
No
ano passado, toda a Região Norte, com e sem Floresta Amazônica, produziu apenas
4,53% da safra nacional de grãos, incluída a soja. Uma parte dessa região, fora
da área florestal, é formada de campos cultiváveis. Mas a demagogia
protecionista do presidente Macron e de outros líderes europeus ganha aparência
de seriedade, entre pessoas pouco informadas, com os erros do governo
brasileiro.
Esses
líderes ganham pontos quando o presidente Bolsonaro e seus ajudantes de ordens
falam contra compromissos ambientais, afrouxam a fiscalização e estimulam, com
ações e omissões, a devastação realizada por grileiros, garimpeiros ilegais e
párias, alguns muito ricos, do agronegócio.
A
parcela séria, produtiva e dominante da agropecuária brasileira tem sido
importante fator de segurança para a economia. Tem assegurado, ano após ano, um
suprimento adequado de alimentos e matérias-primas ao mercado nacional. Além
disso, tem garantido, regularmente, uma receita externa suficiente para proteger
o País de crises cambiais.
A
instabilidade cambial de 2020 decorreu de fatores externos e, em grande parte,
de tropeços na cúpula do governo. Investidores externos deixaram de aplicar
bilhões de dólares no País por causa da política antiambiental defendida em
Brasília. Outros bilhões foram mandados para fora por causa da insegurança
quanto às contas públicas a partir de 2021 – uma incerteza associada em grande
parte a indefinições de um presidente concentrado na reeleição. Num ano como
esse, o superávit comercial de US$ 87,76 bilhões do agronegócio foi
especialmente precioso. Esse resultado decorreu basicamente do volume vendido
(+9,9%), porque a evolução dos preços foi desfavorável (-5,3%). Eficiência foi
o grande fator de geração de dólares também nesse período.
Eficiência
é também um dado essencial para explicar como se combinam produção e
preservação no agronegócio brasileiro. Em uma década a produção agrícola
cresceu 5% ao ano, enquanto a área ocupada aumentou em média 1,6%.
A
importância de uma agropecuária eficiente ultrapassa a geração de dólares em
cada ano e a manutenção de um bom abastecimento interno. Se nenhum tropeço
político impedir, o agronegócio brasileiro tende a ganhar importância, ano a
ano, como supridor da crescente demanda global de alimentos. Erros do governo
são o maior risco nesse caminho.
O futuro ameaçado – Opinião | O Estado de S. Paulo
O
lento avanço da produtividade pode comprometer o futuro do País
A lenta evolução da produtividade do trabalho no Brasil, numa época de grandes e irreversíveis mudanças nos sistemas de produção baseados no uso cada vez mais intenso de tecnologias apoiadas em inteligência artificial e robótica, entre outras características, pode deixar o País ainda mais atrasado em relação ao resto do mundo e especialmente na comparação com seus principais concorrentes internacionais.
O
expressivo crescimento da produtividade do trabalho na indústria de
transformação brasileira – medida pela relação entre o volume produzido e a
quantidade de horas trabalhadas – de 8% no terceiro trimestre de 2020 em
relação aos três meses anteriores é, sem dúvida, auspicioso, pois mostra
resistência e rápida capacidade de recuperação de um setor vital da economia.
Mas, como observou a Confederação Nacional da Indústria (CNI) ao anunciar o
resultado, esse crescimento é um movimento de natureza conjuntural, assim como
tinha sido conjuntural a queda acentuada no segundo trimestre por causa da
pandemia de covid-19.
As
projeções para todo o ano são de um avanço de menos de 1% da produtividade do
trabalho industrial, talvez de 0,9%, bastante próximo do crescimento pífio
registrado em anos anteriores (0,8% em 2018 e 0,6% em 2019).
Para
a transformação da economia brasileira, com o objetivo de inseri-la de maneira
competitiva na cadeia global de produção, o avanço seguro e expressivo da
produtividade do trabalho não pode depender apenas do uso mais intenso dos
recursos existentes nem do esforço de cada trabalhador, como tem sido.
A
melhora precisa sustentar-se na qualificação adequada dos trabalhadores, o que
exige sua preparação para atender às novas exigências do mercado de trabalho,
bem como na modernização e ampliação do estoque de capital, baseadas na
modernização de máquinas, mudanças nos sistemas de gestão e investimentos.
Óbvias
há anos, essas transformações se tornaram vitais diante dos novos desafios
trazidos pela chamada Indústria 4.0. Ela marcaria a quarta revolução
industrial, caracterizada pelo emprego de tecnologias avançadas como
inteligência artificial, robótica e internet das coisas. Essas tecnologias
estão mudando as formas de produção, bem como o modelo de organização das
grandes corporações industriais.
Novas
exigências do mercado, marcadas pela visão mais abrangente da questão
ambiental, de sua parte, estão forçando grandes grupos industriais a rever seus
processos produtivos, sua linha de produtos, a distribuição geográfica de suas
unidades, entre outras mudanças. Dificuldades estruturais ou conjunturais das
economias em que atuam igualmente podem induzir processos de mudanças nos
grandes grupos de atuação global. Deixar de produzir num país ou substituir a
linha de produtos por razões estratégicas pode fazer parte dessas
transformações.
O
anúncio da saída da Ford do Brasil é apenas um exemplo mais evidente, para os
brasileiros, dessas mudanças. Toda a indústria automobilística mundial está, de
alguma forma e com variada intensidade, repensando seu futuro.
A
oferta de ambiente saudável para negócios, de infraestrutura ampla e eficiente
e de mão de obra adequadamente preparada seria fator decisivo para as economias
nacionais atraírem e reterem modernos sistemas produtivos, que impulsionariam
seu crescimento e melhorariam a qualidade de vida da população. Infelizmente, o
Brasil tem pouco a oferecer nesse campo.
Estudo
da CNI concluiu que o Brasil está em penúltimo lugar, num grupo de países
selecionados, no que se refere à competitividade. Esta é medida por vários
fatores, como sistema tributário, oferta de crédito, sistema educacional,
infraestrutura e produtividade do trabalho.
Quanto
à produtividade, o avanço tem sido lento, exasperantemente lento, há vários
anos. É como se o Brasil parecesse condenado a exibir baixo nível de capital
humano – baixa escolaridade e elevado analfabetismo funcional. Até quando?
O clima e a necessidade de agir – Opinião | O Estado de S. Paulo
2020
foi recordista de temperaturas e de crescente impacto das mudanças climáticas
O ano de 2020 não foi apenas marcado pela pandemia de covid-19, afirma o Adaptation Gap Report 2020, produzido pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). Foi o ano recordista de temperaturas e de crescente impacto das mudanças climáticas, com enchentes, secas, tempestades, incêndios e pragas de gafanhotos.
O
relatório afirma que não se trata apenas de uma situação momentânea ruim. O
mundo continua caminhando para gerar um aumento de temperatura de pelo menos
3°C ainda no século 21, o que deverá aumentar ainda mais os impactos negativos.
“As mudanças climáticas se intensificarão e atingirão os países e comunidades
vulneráveis com mais força, mesmo cumprindo as metas do Acordo de Paris”, diz
Inger Andersen, diretora executiva do Pnuma.
Para
atingir os objetivos do Acordo de Paris, mantendo o aquecimento global abaixo
de 2°C, é essencial uma forte ação para reduzir as emissões de gases de efeito
estufa. Para tanto, os países precisam agir para se adaptar às mudanças
climáticas. A passividade cobrará um alto preço, com danos em muitas áreas.
A
adaptação às mudanças climáticas exige planejamento, implantação de medidas de
proteção e sistemas de informação e de alerta preventivo, bem como novos
investimentos. Assim, ao mesmo tempo que destaca a gravidade da situação atual,
o Pnuma afirma que é possível reduzir as vulnerabilidades de cada país. O
caminho é desenvolver um plano de adaptação, capaz de aumentar a capacidade e a
resiliência de cada localidade. É um equívoco achar que a mudança climática é
um problema tão grande que não se pode fazer nada a respeito.
Segundo
o relatório, várias ações estão em andamento. Por exemplo, 72% dos países
adotaram ao menos um instrumento de planejamento nacional relativo à adaptação,
como um plano, uma estratégia, uma política ou uma lei. Ainda que não haja um
consenso a respeito de como medir a eficácia dos planos de adaptação, a
comunidade internacional destaca seis qualidades que essas medidas devem ter:
exaustividade, caráter inclusivo, aplicabilidade, integração, supervisão e avaliação.
Também
é consenso a necessidade de aumentar os valores investidos na adaptação à
mudança climática, seja porque são insuficientes, seja porque os custos deverão
crescer ainda mais. Estima-se que os países em desenvolvimento precisam hoje de
US$ 70 bilhões para implementar as ações de adaptação, e que esse valor poderá
mais que dobrar até 2030. Há cálculos indicando que, em 2050, os custos
relativos às ações de adaptação devem alcançar US$ 500 bilhões.
O
Pnuma relata que os benefícios de investir na adaptação são em geral superiores
aos custos. Por exemplo, um estudo estimou que um investimento de US$ 1,8
bilhão em sistemas de alerta preventivo, infraestrutura resistente ao clima,
melhoria da agricultura em zonas áridas e proteção dos mangues poderá gerar US$
7,1 bilhões em danos evitados e benefícios ambientais e sociais alcançados.
Segundo
o relatório, as chamadas “soluções baseadas na natureza”, de menor custo, podem
contribuir consideravelmente para a adaptação à mudança climática, além de
gerar benefícios significativos à economia, em especial oferecendo meios de
subsistência a mulheres, grupos marginalizados e pessoas em situação de
pobreza. No entanto, faltam planos concretos para essas ações. Os
financiamentos para essa modalidade de ação estão aumentando, mas ainda são
pequenos.
Como
conclusão, o relatório afirma que, na última década, houve significativo
aumento da participação dos países a respeito na adaptação às mudanças
climáticas, mas é preciso fazer muito mais. Uma preocupação é o aumento dos
custos das medidas de adaptação, o que poderá inviabilizar as ações em países
subdesenvolvidos.
O
Pnuma reconhece as limitações fiscais dos países motivadas pela pandemia de
covid-19, mas reforça que investir na adaptação às mudanças climáticas continua
sendo uma boa decisão econômica. Seja qual for o desafio, está claro que o
negacionismo só agrava o problema.
Mais armas não significam um país mais seguro – Opinião | O Globo
No
segundo ano do governo Bolsonaro, novos registros cresceram mais de 90%
O ano de 2020 foi de muitas perdas — de vidas para a Covid-19, de empregos, de produção. Mas pelo menos um setor seguiu imune. O número de novos registros de armas de fogo no Brasil subiu 91% comparado a 2019. Atingiu o maior patamar da série histórica da Polícia Federal, como mostrou o “Jornal Nacional”. As autorizações para porte também cresceram: de 9.268 em 2019, para 10.437 no ano passado.
A
PF autorizou 179.171 novas armas em 2020. Contadas as renovações, o número
passa de 252 mil. Os dados do Sistema Nacional de Armas só incluem as
registradas em nome de civis, como cidadãos comuns (70% do total), policiais
federais ou policiais civis. No caso dos militares e de colecionadores,
atiradores e caçadores, o controle é feito pelo Exército.
Desde
que assumiu, em 2019, o presidente Jair Bolsonaro tem ampliado o acesso às
armas de fogo. Facilitou a compra, a posse e o porte, muitas vezes por meio de
decisões que passam por cima do Estatuto do Desarmamento, uma lei aprovada pelo
Congresso. O governo dobrou, de dois para quatro, o número de armas permitidas
para cada cidadão. Autorizou a compra de maior quantidade de munição. Extinguiu
resoluções do Exército que permitiam o rastreamento das munições. E zerou a
alíquota de importação de armas, medida que acabou suspensa pelo STF.
A
questão é: o Brasil se tornou mais seguro? Os cidadãos ficaram mais protegidos
com essas decisões? A resposta é óbvia: não. Mesmo durante a pandemia de
Covid-19, que durante meses fechou serviços não essenciais e restringiu a
circulação nas ruas, os assassinatos aumentaram. De acordo com o Fórum
Brasileiro de Segurança Pública, depois de apresentar queda em 2018 e 2019, o
total de mortes violentas (homicídios dolosos, lesão corporal seguida de morte,
latrocínios e mortes decorrentes de intervenções policiais) subiu 7% no
primeiro semestre de 2020, na comparação com o mesmo período do ano anterior.
Colocar
mais armas em circulação é fornecer pólvora para um ambiente já altamente
explosivo. No primeiro semestre do ano passado, o país registrou 25 mil
assassinatos. Sabe-se que, na maioria, os autores usaram armas de fogo. É
ingenuidade ou ignorância imaginar que as novas armas ficarão restritas aos
lares dos “cidadãos de bem”. Estudos mostram que muitas acabam nas mãos de
criminosos. Além disso, sob o pretexto de “proteger o cidadão”, produzem feminicídios,
balas perdidas e outras tragédias que mancham de sangue o cotidiano brasileiro.
O
que reduz a violência são políticas públicas. Com polícias bem treinadas, bem
equipadas, trabalhando com inteligência e tecnologia, de forma integrada com
outras forças de segurança. Nisso, o governo Bolsonaro fracassou
miseravelmente. Inexiste política de segurança para o país — a não ser o
“salve-se quem puder”. Armar cidadãos significa transferir à sociedade uma
tarefa do governo. Não protege ninguém e não leva a lugar algum, a não ser à
anomia de um país onde uma pessoa é assassinada a cada dez minutos.
Embriaguez ao volante ainda é um desafio para autoridades de trânsito – Opinião | O Globo
Apesar
de ações bem-sucedidas como a Lei Seca, imprudência continua a produzir vítimas
Não
teriam maior importância as cenas bizarras protagonizadas pelo capitão do Corpo
de Bombeiros João Maurício Correia Passos, em que aparece cambaleante num posto
de gasolina, segurando uma garrafa de vodca e outra de uísque, ao som dos
Racionais MCs. Não teriam maior importância, não tivessem acontecido pouco
antes de ele assumir o volante de seu carro e, em seguida, atropelar e matar o
empresário Cláudio Leite da Silva, que pedalava pelo Recreio dos Bandeirantes
na madrugada de 11 de janeiro.
João
Maurício fugiu sem prestar socorro e abandou o carro a 300 metros do local do
acidente, após bater no meio-fio. Foi preso em flagrante duas horas depois. O
exame de álcool no sangue, feito seis horas após o atropelamento, deu negativo,
mas o delegado Alan Luxardo, da 42ª DP, disse que as imagens do posto comprovam
que ele não tinha condição de dirigir.
Infelizmente,
não se trata de caso isolado. No dia 16 de dezembro, o surfista de ondas
grandes Felipe Cesarano, mais conhecido como Gordo, se envolveu num acidente na
Estrada Lagoa-Barra. Seguia no sentido Zona Sul quando perdeu o controle do
veículo, subiu no canteiro central e invadiu a pista contrária, batendo de
frente no carro do sargento da Marinha Diogo Gomes da Silva, que morreu na
colisão.
Felipe,
que sofreu ferimentos leves, foi preso em flagrante depois que exames
constataram que ele dirigia embriagado. Após o acidente, mal conseguia andar.
Segundo a polícia, na delegacia admitiu ter tomado “algumas cervejas”. Foi
solto dias depois e responderá em liberdade por homicídio culposo de trânsito.
Processos
na Justiça não encerram a questão. Inocentes perderam a vida em consequência de
irresponsabilidade e imprudência ao volante. Os dois casos mostram que
motoristas embriagados continuam a desafiar a lei e a pôr a própria vida e a
dos outros em risco. Não dá para culpar a legislação. Apesar da flexibilização
no Código de Trânsito promovida pelo presidente Jair Bolsonaro, nesse caso
específico as normas se tornaram mais rígidas ao passar pelo Congresso. Agora,
nos episódios de mortes ou ferimentos causados por motoristas embriagados, a
prisão não pode mais ser substituída por penas mais brandas.
É
fundamental agir para que esses crimes não fiquem impunes. Mais importante
ainda, é impedir que aconteçam e que haja novas vítimas. O Rio criou um
programa bem-sucedido, a Lei Seca, para coibir a embriaguez no trânsito. Apesar
de ter conseguido reduzir casos desse tipo, a imprudência persiste. É preciso,
portanto, aumentar a fiscalização por meio de blitzes. Um carro conduzido por
um motorista bêbado deixa de ser um meio de locomoção para se tornar uma arma
potente.
Justiça tributária – Opinião | Folha de S. Paulo
Defensável,
imposto sobre fortuna não deve se sobrepor a propostas mais maduras
Ao
menos nesta parte do mundo, os custos do combate à pandemia da Covid-19 reavivaram
as discussões sobre a tributação de grandes fortunas —que seria medida
condizente com a vergonhosa desigualdade social latino-americana.
O governo da
Bolívia sancionou em dezembro lei que cria um imposto anual e
permanente sobre patrimônios individuais elevados, acima do equivalente a cerca
de R$ 23 milhões, pouco depois de o Congresso da
Argentina instituir uma taxa extraordinária a incidir, uma
única vez, sobre valores superiores a algo como R$ 12 milhões.
Aqui,
o debate ainda incipiente do tema pela Câmara, no âmbito da reforma tributária,
suscitou manifestação
crítica da Receita Federal. Segundo o órgão, há medidas mais
eficientes para elevar a arrecadação onerando os estratos mais ricos da
sociedade. Os argumentos merecem observação atenta.
Esta Folha há
muito defende que o sistema tributário brasileiro precisa tornar-se, além de
mais simples, menos
regressivo. Hoje, de uma carga já exagerada, correspondente a cerca
de um terço da renda nacional (33% do Produto Interno Bruto), quase metade (15%
do PIB) incide sobre a circulação de mercadorias e serviços.
Essa
proporção excessiva se mostra desfavorável aos mais pobres, que destinam
proporção mais elevada de seus rendimentos ao consumo —e pagam, na compra de um
produto, o mesmo imposto com o qual arcam remediados e afluentes.
Uma
carga mais justa deveria ter maior peso de tributos sobre renda e patrimônio.
Estes já existem e, de fato, merecem melhor calibragem. O Imposto de Renda, em
especial, deveria alcançar o pagamento de dividendos (com ajuste na atual
taxação dos lucros) e ter deduções e isenções revistas.
Do
lado patrimonial, os municípios têm muito a avançar na cobrança do IPTU,
enquanto os estados vêm elevando nos últimos anos a tributação das heranças.
Um
Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), embora defensável e previsto na
Constituição, teria papel secundário nesse processo. A experiência
internacional mostra que tributos do tipo têm gestão difícil e arrecadação
modesta.
Segundo
estudo do Insper, de 12 países desenvolvidos que já os adotaram, apenas 3 ainda
os mantêm (outros 4 taxam ativos específicos), e só a Suíça tem receita acima
de 1% do PIB com o seu. Em comparação, o governo brasileiro deixa de arrecadar
perto de 4% do PIB devido a subsídios que não raro beneficiam o topo da
pirâmide social.
Um
certo fetiche da esquerda pelo IGF não deveria se sobrepor ao avanço de medidas
mais importantes e de discussão mais madura. Uma reforma do IR, que depende de
não mais que um projeto de lei ordinária, e a revisão de incentivos parecem os
caminhos mais promissores no momento para a busca de maior justiça tributária.
Vida pós-Trump – Opinião | Folha de S. Paulo
Dividido,
Partido Republicano terá de lidar com a influência do ainda presidente
O turbulento
fim da biliosa passagem de Donald Trump pela Presidência dos
EUA, tão agudo que poderá lhe custar os direitos políticos, expõe um dos
efeitos duradouros dos anos do bilionário no poder: a divisão do Partido
Republicano, um dos esteios da democracia nos Estados Unidos.
Comentaristas
argumentam que isso não seria uma má ideia, dado o poço de extremismo que foi
cavado no quintal daquele que orgulhosamente enverga a sigla inglesa GOP, ou
grandioso velho partido —e, em seus melhores momentos, representou o espírito libertário
e empreendedor da nação.
Mais
importante, firmou real alternância de poder com seu irmão siamês, o Partido
Democrata. Faces de uma mesma moeda, as siglas se complementavam e, quando a
democracia parecia funcional, encorpavam o sistema de freios e contrapesos
vigente no país.
No
pior momento, o GOP teve Donald Trump à sua frente. Ele não é um bólido
exógeno, claro, e sim o produto de forças alimentadas pelas mudanças
demográficas e econômicas. Na hora oportuna, tomou de assalto as estruturas de
um partido que titubeava.
Foi
conduíte da dita América profunda, desaguando na infame invasão do Capitólio.
Cada manifestação da direita radical do movimento Tea Party, nos anos 2000,
floresceu na administração Trump.
Como
mostram os 147 votos de congressistas a favor da tentativa de barrar a eleição
de Joe Biden, a contaminação é estrutural.
Ainda
que dez deputados do GOP tenham votado pelo impeachment de Trump e haja uma
crescente rejeição a ele no Senado, pesquisa Axios-Ipsos desta semana mostrou
que 36% dos republicanos ainda se definem como trumpistas. Dessa forma, o
desembarque de partidários mais serenos carrega o desafio de não implodir a
sigla.
Parece
tarefa difícil, como mostrou enquete do jornal New York Times com 40 líderes
nacionais do partido. O poder do ainda presidente segue firme entre eles.
A influência de Trump permanecerá, embora essa seja uma assertiva a ser tomada com um grão de sal: se o ícone perder direitos políticos, ela poderá evaporar —o que talvez não impedirá que outro do mesmo naipe venha reclamar os 75 milhões de votos que chancelaram o presidente em novembro.
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