domingo, 17 de janeiro de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

Segurança colhida no campo – Opinião | O Estado de S. Paulo

Se nenhum tropeço político impedir, o agronegócio brasileiro tende a ganhar importância, ano a ano, como supridor da crescente demanda global de alimentos

O setor mais eficiente da economia nacional, o agronegócio, deve ser novamente, neste ano, um importante motor dos negócios. Mais um recorde na colheita de grãos, de 264,8 milhões de toneladas, deve ser alcançado na safra 2020-2021, segundo a nova estimativa do Ministério da Agricultura. Com a colheita já iniciada em Mato Grosso, principal Estado produtor, a soja deve ser mais uma vez a estrela principal. Sua produção, estimada em 133,7 milhões de toneladas, deve ser 7,9% maior que a da temporada anterior. Além de representar cerca de 50% da colheita anual de grãos, a soja continua sendo, com seus derivados, a maior fonte de dólares da agropecuária.

Com exportação de US$ 100,81 bilhões, a segunda maior da série histórica, superada somente pelos US$ 101,17 bilhões de 2018, o agronegócio proporcionou quase metade – 48% – de toda a receita comercial do Brasil em 2020. Com US$ 52,69 bilhões de compras, os países da Ásia Oriental se mantiveram como principal destino regional das exportações de alimentos e matérias-primas originárias do agro. A China continuou sendo o número um, entre os países compradores, tendo importado produtos no valor de US$ 34 bilhões, cerca de um terço de todo o valor exportado pelo agronegócio brasileiro.

A União Europeia comprou US$ 16,30 bilhões e permaneceu como segundo destino regional mais importante, apesar das tendências protecionistas observadas em vários países, especialmente na França. O presidente francês, Emmanuel Macron, manifestou-se de novo, há poucos dias, contra a importação de soja brasileira, um produto cultivado, segundo ele, com devastação da mata amazônica. Só os desinformados podem levar a sério essa afirmação.

No ano passado, toda a Região Norte, com e sem Floresta Amazônica, produziu apenas 4,53% da safra nacional de grãos, incluída a soja. Uma parte dessa região, fora da área florestal, é formada de campos cultiváveis. Mas a demagogia protecionista do presidente Macron e de outros líderes europeus ganha aparência de seriedade, entre pessoas pouco informadas, com os erros do governo brasileiro.

Esses líderes ganham pontos quando o presidente Bolsonaro e seus ajudantes de ordens falam contra compromissos ambientais, afrouxam a fiscalização e estimulam, com ações e omissões, a devastação realizada por grileiros, garimpeiros ilegais e párias, alguns muito ricos, do agronegócio.

A parcela séria, produtiva e dominante da agropecuária brasileira tem sido importante fator de segurança para a economia. Tem assegurado, ano após ano, um suprimento adequado de alimentos e matérias-primas ao mercado nacional. Além disso, tem garantido, regularmente, uma receita externa suficiente para proteger o País de crises cambiais.

A instabilidade cambial de 2020 decorreu de fatores externos e, em grande parte, de tropeços na cúpula do governo. Investidores externos deixaram de aplicar bilhões de dólares no País por causa da política antiambiental defendida em Brasília. Outros bilhões foram mandados para fora por causa da insegurança quanto às contas públicas a partir de 2021 – uma incerteza associada em grande parte a indefinições de um presidente concentrado na reeleição. Num ano como esse, o superávit comercial de US$ 87,76 bilhões do agronegócio foi especialmente precioso. Esse resultado decorreu basicamente do volume vendido (+9,9%), porque a evolução dos preços foi desfavorável (-5,3%). Eficiência foi o grande fator de geração de dólares também nesse período.

Eficiência é também um dado essencial para explicar como se combinam produção e preservação no agronegócio brasileiro. Em uma década a produção agrícola cresceu 5% ao ano, enquanto a área ocupada aumentou em média 1,6%.

A importância de uma agropecuária eficiente ultrapassa a geração de dólares em cada ano e a manutenção de um bom abastecimento interno. Se nenhum tropeço político impedir, o agronegócio brasileiro tende a ganhar importância, ano a ano, como supridor da crescente demanda global de alimentos. Erros do governo são o maior risco nesse caminho.

O futuro ameaçado – Opinião | O Estado de S. Paulo

O lento avanço da produtividade pode comprometer o futuro do País

A lenta evolução da produtividade do trabalho no Brasil, numa época de grandes e irreversíveis mudanças nos sistemas de produção baseados no uso cada vez mais intenso de tecnologias apoiadas em inteligência artificial e robótica, entre outras características, pode deixar o País ainda mais atrasado em relação ao resto do mundo e especialmente na comparação com seus principais concorrentes internacionais.

O expressivo crescimento da produtividade do trabalho na indústria de transformação brasileira – medida pela relação entre o volume produzido e a quantidade de horas trabalhadas – de 8% no terceiro trimestre de 2020 em relação aos três meses anteriores é, sem dúvida, auspicioso, pois mostra resistência e rápida capacidade de recuperação de um setor vital da economia. Mas, como observou a Confederação Nacional da Indústria (CNI) ao anunciar o resultado, esse crescimento é um movimento de natureza conjuntural, assim como tinha sido conjuntural a queda acentuada no segundo trimestre por causa da pandemia de covid-19.

As projeções para todo o ano são de um avanço de menos de 1% da produtividade do trabalho industrial, talvez de 0,9%, bastante próximo do crescimento pífio registrado em anos anteriores (0,8% em 2018 e 0,6% em 2019).

Para a transformação da economia brasileira, com o objetivo de inseri-la de maneira competitiva na cadeia global de produção, o avanço seguro e expressivo da produtividade do trabalho não pode depender apenas do uso mais intenso dos recursos existentes nem do esforço de cada trabalhador, como tem sido.

A melhora precisa sustentar-se na qualificação adequada dos trabalhadores, o que exige sua preparação para atender às novas exigências do mercado de trabalho, bem como na modernização e ampliação do estoque de capital, baseadas na modernização de máquinas, mudanças nos sistemas de gestão e investimentos.

Óbvias há anos, essas transformações se tornaram vitais diante dos novos desafios trazidos pela chamada Indústria 4.0. Ela marcaria a quarta revolução industrial, caracterizada pelo emprego de tecnologias avançadas como inteligência artificial, robótica e internet das coisas. Essas tecnologias estão mudando as formas de produção, bem como o modelo de organização das grandes corporações industriais.

Novas exigências do mercado, marcadas pela visão mais abrangente da questão ambiental, de sua parte, estão forçando grandes grupos industriais a rever seus processos produtivos, sua linha de produtos, a distribuição geográfica de suas unidades, entre outras mudanças. Dificuldades estruturais ou conjunturais das economias em que atuam igualmente podem induzir processos de mudanças nos grandes grupos de atuação global. Deixar de produzir num país ou substituir a linha de produtos por razões estratégicas pode fazer parte dessas transformações.

O anúncio da saída da Ford do Brasil é apenas um exemplo mais evidente, para os brasileiros, dessas mudanças. Toda a indústria automobilística mundial está, de alguma forma e com variada intensidade, repensando seu futuro.

A oferta de ambiente saudável para negócios, de infraestrutura ampla e eficiente e de mão de obra adequadamente preparada seria fator decisivo para as economias nacionais atraírem e reterem modernos sistemas produtivos, que impulsionariam seu crescimento e melhorariam a qualidade de vida da população. Infelizmente, o Brasil tem pouco a oferecer nesse campo.

Estudo da CNI concluiu que o Brasil está em penúltimo lugar, num grupo de países selecionados, no que se refere à competitividade. Esta é medida por vários fatores, como sistema tributário, oferta de crédito, sistema educacional, infraestrutura e produtividade do trabalho.

Quanto à produtividade, o avanço tem sido lento, exasperantemente lento, há vários anos. É como se o Brasil parecesse condenado a exibir baixo nível de capital humano – baixa escolaridade e elevado analfabetismo funcional. Até quando?

O clima e a necessidade de agir – Opinião | O Estado de S. Paulo

2020 foi recordista de temperaturas e de crescente impacto das mudanças climáticas

O ano de 2020 não foi apenas marcado pela pandemia de covid-19, afirma o Adaptation Gap Report 2020, produzido pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). Foi o ano recordista de temperaturas e de crescente impacto das mudanças climáticas, com enchentes, secas, tempestades, incêndios e pragas de gafanhotos.

O relatório afirma que não se trata apenas de uma situação momentânea ruim. O mundo continua caminhando para gerar um aumento de temperatura de pelo menos 3°C ainda no século 21, o que deverá aumentar ainda mais os impactos negativos. “As mudanças climáticas se intensificarão e atingirão os países e comunidades vulneráveis com mais força, mesmo cumprindo as metas do Acordo de Paris”, diz Inger Andersen, diretora executiva do Pnuma.

Para atingir os objetivos do Acordo de Paris, mantendo o aquecimento global abaixo de 2°C, é essencial uma forte ação para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Para tanto, os países precisam agir para se adaptar às mudanças climáticas. A passividade cobrará um alto preço, com danos em muitas áreas.

A adaptação às mudanças climáticas exige planejamento, implantação de medidas de proteção e sistemas de informação e de alerta preventivo, bem como novos investimentos. Assim, ao mesmo tempo que destaca a gravidade da situação atual, o Pnuma afirma que é possível reduzir as vulnerabilidades de cada país. O caminho é desenvolver um plano de adaptação, capaz de aumentar a capacidade e a resiliência de cada localidade. É um equívoco achar que a mudança climática é um problema tão grande que não se pode fazer nada a respeito.

Segundo o relatório, várias ações estão em andamento. Por exemplo, 72% dos países adotaram ao menos um instrumento de planejamento nacional relativo à adaptação, como um plano, uma estratégia, uma política ou uma lei. Ainda que não haja um consenso a respeito de como medir a eficácia dos planos de adaptação, a comunidade internacional destaca seis qualidades que essas medidas devem ter: exaustividade, caráter inclusivo, aplicabilidade, integração, supervisão e avaliação.

Também é consenso a necessidade de aumentar os valores investidos na adaptação à mudança climática, seja porque são insuficientes, seja porque os custos deverão crescer ainda mais. Estima-se que os países em desenvolvimento precisam hoje de US$ 70 bilhões para implementar as ações de adaptação, e que esse valor poderá mais que dobrar até 2030. Há cálculos indicando que, em 2050, os custos relativos às ações de adaptação devem alcançar US$ 500 bilhões.

O Pnuma relata que os benefícios de investir na adaptação são em geral superiores aos custos. Por exemplo, um estudo estimou que um investimento de US$ 1,8 bilhão em sistemas de alerta preventivo, infraestrutura resistente ao clima, melhoria da agricultura em zonas áridas e proteção dos mangues poderá gerar US$ 7,1 bilhões em danos evitados e benefícios ambientais e sociais alcançados.

Segundo o relatório, as chamadas “soluções baseadas na natureza”, de menor custo, podem contribuir consideravelmente para a adaptação à mudança climática, além de gerar benefícios significativos à economia, em especial oferecendo meios de subsistência a mulheres, grupos marginalizados e pessoas em situação de pobreza. No entanto, faltam planos concretos para essas ações. Os financiamentos para essa modalidade de ação estão aumentando, mas ainda são pequenos.

Como conclusão, o relatório afirma que, na última década, houve significativo aumento da participação dos países a respeito na adaptação às mudanças climáticas, mas é preciso fazer muito mais. Uma preocupação é o aumento dos custos das medidas de adaptação, o que poderá inviabilizar as ações em países subdesenvolvidos.

O Pnuma reconhece as limitações fiscais dos países motivadas pela pandemia de covid-19, mas reforça que investir na adaptação às mudanças climáticas continua sendo uma boa decisão econômica. Seja qual for o desafio, está claro que o negacionismo só agrava o problema.

Mais armas não significam um país mais seguro – Opinião | O Globo

No segundo ano do governo Bolsonaro, novos registros cresceram mais de 90%

O ano de 2020 foi de muitas perdas — de vidas para a Covid-19, de empregos, de produção. Mas pelo menos um setor seguiu imune. O número de novos registros de armas de fogo no Brasil subiu 91% comparado a 2019. Atingiu o maior patamar da série histórica da Polícia Federal, como mostrou o “Jornal Nacional”. As autorizações para porte também cresceram: de 9.268 em 2019, para 10.437 no ano passado.

A PF autorizou 179.171 novas armas em 2020. Contadas as renovações, o número passa de 252 mil. Os dados do Sistema Nacional de Armas só incluem as registradas em nome de civis, como cidadãos comuns (70% do total), policiais federais ou policiais civis. No caso dos militares e de colecionadores, atiradores e caçadores, o controle é feito pelo Exército.

Desde que assumiu, em 2019, o presidente Jair Bolsonaro tem ampliado o acesso às armas de fogo. Facilitou a compra, a posse e o porte, muitas vezes por meio de decisões que passam por cima do Estatuto do Desarmamento, uma lei aprovada pelo Congresso. O governo dobrou, de dois para quatro, o número de armas permitidas para cada cidadão. Autorizou a compra de maior quantidade de munição. Extinguiu resoluções do Exército que permitiam o rastreamento das munições. E zerou a alíquota de importação de armas, medida que acabou suspensa pelo STF.

A questão é: o Brasil se tornou mais seguro? Os cidadãos ficaram mais protegidos com essas decisões? A resposta é óbvia: não. Mesmo durante a pandemia de Covid-19, que durante meses fechou serviços não essenciais e restringiu a circulação nas ruas, os assassinatos aumentaram. De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, depois de apresentar queda em 2018 e 2019, o total de mortes violentas (homicídios dolosos, lesão corporal seguida de morte, latrocínios e mortes decorrentes de intervenções policiais) subiu 7% no primeiro semestre de 2020, na comparação com o mesmo período do ano anterior.

Colocar mais armas em circulação é fornecer pólvora para um ambiente já altamente explosivo. No primeiro semestre do ano passado, o país registrou 25 mil assassinatos. Sabe-se que, na maioria, os autores usaram armas de fogo. É ingenuidade ou ignorância imaginar que as novas armas ficarão restritas aos lares dos “cidadãos de bem”. Estudos mostram que muitas acabam nas mãos de criminosos. Além disso, sob o pretexto de “proteger o cidadão”, produzem feminicídios, balas perdidas e outras tragédias que mancham de sangue o cotidiano brasileiro.

O que reduz a violência são políticas públicas. Com polícias bem treinadas, bem equipadas, trabalhando com inteligência e tecnologia, de forma integrada com outras forças de segurança. Nisso, o governo Bolsonaro fracassou miseravelmente. Inexiste política de segurança para o país — a não ser o “salve-se quem puder”. Armar cidadãos significa transferir à sociedade uma tarefa do governo. Não protege ninguém e não leva a lugar algum, a não ser à anomia de um país onde uma pessoa é assassinada a cada dez minutos.

Embriaguez ao volante ainda é um desafio para autoridades de trânsito – Opinião | O Globo

Apesar de ações bem-sucedidas como a Lei Seca, imprudência continua a produzir vítimas

Não teriam maior importância as cenas bizarras protagonizadas pelo capitão do Corpo de Bombeiros João Maurício Correia Passos, em que aparece cambaleante num posto de gasolina, segurando uma garrafa de vodca e outra de uísque, ao som dos Racionais MCs. Não teriam maior importância, não tivessem acontecido pouco antes de ele assumir o volante de seu carro e, em seguida, atropelar e matar o empresário Cláudio Leite da Silva, que pedalava pelo Recreio dos Bandeirantes na madrugada de 11 de janeiro.

João Maurício fugiu sem prestar socorro e abandou o carro a 300 metros do local do acidente, após bater no meio-fio. Foi preso em flagrante duas horas depois. O exame de álcool no sangue, feito seis horas após o atropelamento, deu negativo, mas o delegado Alan Luxardo, da 42ª DP, disse que as imagens do posto comprovam que ele não tinha condição de dirigir.

Infelizmente, não se trata de caso isolado. No dia 16 de dezembro, o surfista de ondas grandes Felipe Cesarano, mais conhecido como Gordo, se envolveu num acidente na Estrada Lagoa-Barra. Seguia no sentido Zona Sul quando perdeu o controle do veículo, subiu no canteiro central e invadiu a pista contrária, batendo de frente no carro do sargento da Marinha Diogo Gomes da Silva, que morreu na colisão.

Felipe, que sofreu ferimentos leves, foi preso em flagrante depois que exames constataram que ele dirigia embriagado. Após o acidente, mal conseguia andar. Segundo a polícia, na delegacia admitiu ter tomado “algumas cervejas”. Foi solto dias depois e responderá em liberdade por homicídio culposo de trânsito.

Processos na Justiça não encerram a questão. Inocentes perderam a vida em consequência de irresponsabilidade e imprudência ao volante. Os dois casos mostram que motoristas embriagados continuam a desafiar a lei e a pôr a própria vida e a dos outros em risco. Não dá para culpar a legislação. Apesar da flexibilização no Código de Trânsito promovida pelo presidente Jair Bolsonaro, nesse caso específico as normas se tornaram mais rígidas ao passar pelo Congresso. Agora, nos episódios de mortes ou ferimentos causados por motoristas embriagados, a prisão não pode mais ser substituída por penas mais brandas.

É fundamental agir para que esses crimes não fiquem impunes. Mais importante ainda, é impedir que aconteçam e que haja novas vítimas. O Rio criou um programa bem-sucedido, a Lei Seca, para coibir a embriaguez no trânsito. Apesar de ter conseguido reduzir casos desse tipo, a imprudência persiste. É preciso, portanto, aumentar a fiscalização por meio de blitzes. Um carro conduzido por um motorista bêbado deixa de ser um meio de locomoção para se tornar uma arma potente.

Justiça tributária – Opinião | Folha de S. Paulo

Defensável, imposto sobre fortuna não deve se sobrepor a propostas mais maduras

Ao menos nesta parte do mundo, os custos do combate à pandemia da Covid-19 reavivaram as discussões sobre a tributação de grandes fortunas —que seria medida condizente com a vergonhosa desigualdade social latino-americana.

O governo da Bolívia sancionou em dezembro lei que cria um imposto anual e permanente sobre patrimônios individuais elevados, acima do equivalente a cerca de R$ 23 milhões, pouco depois de o Congresso da Argentina instituir uma taxa extraordinária a incidir, uma única vez, sobre valores superiores a algo como R$ 12 milhões.

Aqui, o debate ainda incipiente do tema pela Câmara, no âmbito da reforma tributária, suscitou manifestação crítica da Receita Federal. Segundo o órgão, há medidas mais eficientes para elevar a arrecadação onerando os estratos mais ricos da sociedade. Os argumentos merecem observação atenta.

Esta Folha há muito defende que o sistema tributário brasileiro precisa tornar-se, além de mais simples, menos regressivo. Hoje, de uma carga já exagerada, correspondente a cerca de um terço da renda nacional (33% do Produto Interno Bruto), quase metade (15% do PIB) incide sobre a circulação de mercadorias e serviços.

Essa proporção excessiva se mostra desfavorável aos mais pobres, que destinam proporção mais elevada de seus rendimentos ao consumo —e pagam, na compra de um produto, o mesmo imposto com o qual arcam remediados e afluentes.

Uma carga mais justa deveria ter maior peso de tributos sobre renda e patrimônio. Estes já existem e, de fato, merecem melhor calibragem. O Imposto de Renda, em especial, deveria alcançar o pagamento de dividendos (com ajuste na atual taxação dos lucros) e ter deduções e isenções revistas.

Do lado patrimonial, os municípios têm muito a avançar na cobrança do IPTU, enquanto os estados vêm elevando nos últimos anos a tributação das heranças.

Um Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), embora defensável e previsto na Constituição, teria papel secundário nesse processo. A experiência internacional mostra que tributos do tipo têm gestão difícil e arrecadação modesta.

Segundo estudo do Insper, de 12 países desenvolvidos que já os adotaram, apenas 3 ainda os mantêm (outros 4 taxam ativos específicos), e só a Suíça tem receita acima de 1% do PIB com o seu. Em comparação, o governo brasileiro deixa de arrecadar perto de 4% do PIB devido a subsídios que não raro beneficiam o topo da pirâmide social.

Um certo fetiche da esquerda pelo IGF não deveria se sobrepor ao avanço de medidas mais importantes e de discussão mais madura. Uma reforma do IR, que depende de não mais que um projeto de lei ordinária, e a revisão de incentivos parecem os caminhos mais promissores no momento para a busca de maior justiça tributária.

Vida pós-Trump – Opinião | Folha de S. Paulo

Dividido, Partido Republicano terá de lidar com a influência do ainda presidente

turbulento fim da biliosa passagem de Donald Trump pela Presidência dos EUA, tão agudo que poderá lhe custar os direitos políticos, expõe um dos efeitos duradouros dos anos do bilionário no poder: a divisão do Partido Republicano, um dos esteios da democracia nos Estados Unidos.

Comentaristas argumentam que isso não seria uma má ideia, dado o poço de extremismo que foi cavado no quintal daquele que orgulhosamente enverga a sigla inglesa GOP, ou grandioso velho partido —e, em seus melhores momentos, representou o espírito libertário e empreendedor da nação.

Mais importante, firmou real alternância de poder com seu irmão siamês, o Partido Democrata. Faces de uma mesma moeda, as siglas se complementavam e, quando a democracia parecia funcional, encorpavam o sistema de freios e contrapesos vigente no país.

No pior momento, o GOP teve Donald Trump à sua frente. Ele não é um bólido exógeno, claro, e sim o produto de forças alimentadas pelas mudanças demográficas e econômicas. Na hora oportuna, tomou de assalto as estruturas de um partido que titubeava.

Foi conduíte da dita América profunda, desaguando na infame invasão do Capitólio. Cada manifestação da direita radical do movimento Tea Party, nos anos 2000, floresceu na administração Trump.

Como mostram os 147 votos de congressistas a favor da tentativa de barrar a eleição de Joe Biden, a contaminação é estrutural.

Ainda que dez deputados do GOP tenham votado pelo impeachment de Trump e haja uma crescente rejeição a ele no Senado, pesquisa Axios-Ipsos desta semana mostrou que 36% dos republicanos ainda se definem como trumpistas. Dessa forma, o desembarque de partidários mais serenos carrega o desafio de não implodir a sigla.

Parece tarefa difícil, como mostrou enquete do jornal New York Times com 40 líderes nacionais do partido. O poder do ainda presidente segue firme entre eles.

A influência de Trump permanecerá, embora essa seja uma assertiva a ser tomada com um grão de sal: se o ícone perder direitos políticos, ela poderá evaporar —o que talvez não impedirá que outro do mesmo naipe venha reclamar os 75 milhões de votos que chancelaram o presidente em novembro.

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