Paulo Beraldo / O Estado de S. Paulo
A
derrota eleitoral do presidente Donald Trump e
sua saída
do governo são um golpe para populistas
que o tinham como referência, mas estes grupos só podem ser
evitados com o fortalecimento de instituições e a oposição unida.
A
avaliação é do cientista político alemão Jan-Werner Müller, autor do livro O
que é Populismo?, publicado em 2016, uma referência na discussão sobre o avanço
desse movimento em diferentes países.
Müller, professor da Universidade de Princeton, também defende que os líderes democráticos precisam oferecer soluções que respondam aos problemas reais das pessoas e não apenas fazer oposição a governos autoritários.
A ideia
de “como as democracias morrem” tornou-se famosa depois do livro de Levitsky e
Ziblatt, de 2018, e muito se fala sobre ela. Mas o que as democracias devem
fazer para sobreviver?
Três
fatores importam: primeiro, a ampla mobilização em favor de ideais democráticos
básicos. Ao mesmo tempo, não é suficiente dizer “não somos Donald Trump ou
algum outro autoritário”. É preciso oferecer uma visão positiva que responda
aos problemas reais das pessoas. Nesse sentido, Joe Biden realmente não se saiu
tão bem. Em segundo lugar, as elites privadas precisam ter a coragem de romper
com os populistas. Isso não é apenas uma questão de psicologia individual. É
preciso entender que será cobrado um preço por concordar com um líder
autoritário. Em terceiro, a renovação do que chamo de infraestrutura crítica da
democracia, principalmente dos partidos políticos e da mídia. Essa é uma
questão para uma reforma estrutural de longo prazo.
O que
pode ser feito pelos sistemas democráticos para conter e prevenir o populismo?
O populismo nunca pode ser completamente evitado. Além do ponto óbvio de que as preocupações dos cidadãos devem ser tratadas, ajuda ter um sistema partidário funcional e um ambiente midiático no qual a mídia não lucre com a polarização das sociedades. O que, segundo Alexis de Tocqueville [intelectual francês], poderíamos chamar de “poderes intermediários” – partidos e mídia – permanecem cruciais para o funcionamento da democracia representativa.
O que a
derrota de Donald Trump significa para o populismo e os populistas em todo o
mundo?
É
um golpe. Mas, assim como a vitória de Trump há quatro anos não significava que
agora havia uma onda populista impossível de ser detida, sua derrota não
significa que tudo vai para a direção contrária. Os contextos nacionais ainda
são muito importantes. Se alguém opta por um partido de extrema direita no
Leste Europeu, por exemplo, tem pouco a ver com o que acontece nos Estados
Unidos.
Como o sistema de freios e contrapesos da democracia americana facilita ou torna mais difícil o crescimento do populismo?
O
presidencialismo pode realmente gerar populismo. Os freios e contrapesos dos
Estados Unidos, sob Trump, revelaram-se mais frágeis do que muitos pensavam.
Ainda assim, o Judiciário não foi capturado da maneira que outros populistas de
extrema-direita fizeram. O federalismo dispersa o poder e coloca um freio real
no trumpismo.
Como
poderíamos diferenciar o populismo americano do de outros países – se de fato,
existe essa diferença?
Na
minha avaliação, todos os populistas afirmam que apenas eles representam o que
muitas vezes chamam de “pessoas reais”, com a consequência de que outros
políticos têm sua legitimidade negada, mas também que os cidadãos que não se
enquadram ou não concordam com o entendimento populista são excluídos. O que
varia é a descrição de “pessoas reais”.
E a que
o sr. atribui a derrota de Trump?
Honestamente,
é cedo para dizer. Não temos evidências empíricas suficientes sobre por que as
pessoas votaram da maneira que votaram. Se alguém confiar nas pesquisas de
opinião, uma coisa é surpreendente: os cidadãos continuaram confiando em Trump
na economia, pensando que ele seria bom para liderar uma recuperação
pós-pandemia. Os democratas, um pouco como em 2016, pareciam não ter uma
mensagem ou símbolo convincente sobre as questões econômicas.
Os
democratas decidiram por um centrista como Biden e não por uma figura mais à
esquerda como Bernie Sanders para disputar a eleição. Essa escolha serve de
inspiração para outros movimentos de oposição?
A
oposição ao populismo de extrema-direita precisa ser unida. Mas há outra
variável: diante de uma catástrofe nacional como a covid-19, que expõe tantos
problemas estruturais, uma estratégia mais ambiciosa também é bastante
plausível.
Como o
sr. vê o futuro da democracia na União Europeia quando há dois países – Polônia
e Hungria – liderados por populistas e onde alguns partidos de extrema-direita
ganharam força nas últimas eleições?
Este não é um problema apenas dos Estados-membros em questão, ao contrário do que por vezes alegam políticos e comentaristas. Se a democracia e o Estado de Direito deixarem de funcionar num Estado, o funcionamento da União Europeia no seu todo – que depende do reconhecimento mútuo das decisões dos tribunais nacionais – fica em perigo. Além desse aspecto prático, a ascensão das autocracias enfraquece a capacidade da Europa de ser uma força para a democracia no mundo e trai as promessas feitas aos aspirantes a Estados-membros desde os anos 70, a de que ajudaria a transformá-los em democracias consolidadas.
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