João
Paulo Saconi / O Globo
RIO
- Alterar as leis orgânicas das polícias Civil e Militar, aproximando-as do
governo federal, é, na opinião de Raul Jungmann, um movimento inconstitucional que fere o pacto federativo do
país.
Em
entrevista ao GLOBO, o ex-ministro da Defesa e da Segurança Pública — durante o
governo de Michel Temer — criticou duas propostas articuladas pelo governo e pela bancada da
bala na Câmara para restringir o poder dos governadores sobre as
corporações e afirmou que pode existir risco de “aventuras autoritárias” em
patentes iniciais.
Governadores
têm criticado os projetos sobre as polícias que tramitam na Câmara. Eles
perderão poder em caso de aprovação?
Não
há dúvida de que precisamos atualizar o funcionamento das nossas polícias,
sobretudo a militar, que se organiza por um decreto-lei de 1969, do regime
militar. Essas propostas, no entanto, são inconstitucionais, porque ferem o
pacto federativo, na medida em que reduzem o poder dos governadores.
Elas
não vão passar no Congresso Nacional. Eu tenho conversado com parlamentares de
diversos partidos. Caso viessem a passar, seriam derrubadas pelo Supremo
Tribunal Federal.
Caso
válidas, as medidas obrigariam governadores a escolher comandantes-gerais em
lista tríplice e dificultariam exonerações. Há outros pontos críticos?
Não faz sentido um policial militar que sai da corporação, perde uma eleição e depois retorna com direito às suas promoções. Outra emenda permite que os praças ascendam na carreira sem precisar prestar concurso para sargento. É ruim para a profissionalização das polícias. A criação de três escalas de generais eleva os níveis hierárquicos da PM para 19. Seria uma burocratização negativa para a integração e a agilidade.
Os
projetos também criam colegiados de comandantes das corporações e os insere nas
pastas da Defesa e Justiça. O poder federal avança sobre as polícias?
A
nacionalização delas e a criação desse conselho com assento na Defesa e na
Justiça fere o pacto federativo e coloca para os governos, não só para o atual,
um instrumento que eles podem lançar mão, independentemente do Congresso e dos
governadores. As polícias, via nova lei orgânica, podem constituir um poder
paralelo às Forças Armadas a serviço do chefe do Executivo.
Há ainda
a previsão de que policiais réus em processos possam ser promovidos e de que a
PM credencie e fiscalize empresas de segurança privada. O combate às milícias
pode ficar mais difícil?
O
Rio vive uma metástase de relações espúrias entre policiais e milícias. A
grande maioria dos policiais não compactua com isso e trabalha duramente. Essas
medidas propostas não vão permitir um maior combate às milícias. Pelo
contrário, esses pontos citados favorecem o crescimento delas.
Críticos
do presidente Bolsonaro temem que ele use o laço com os militares e as polícias
para quebrar a ordem democrática. Há motivo para preocupação?
Conheço
o presidente dos 12 anos em que convivemos na Câmara. (O laço) não é novidade.
Ele era um parlamentar de nicho e tinha um papel sindical, defendendo os
interesses das corporações.
Não há nenhuma disposição dos militares, como foi dito pelo próprio comandante do Exército (general Edson Leal Pujol), de desrespeitar a Constituição. Do ponto de vista policial, os projetos de lei visam atender politicamente os anseios de maneira inadequada, despertando essas suspeitas.
Bolsonaro frequenta formaturas de jovens militares e policiais. Soldados e praças não podem agir contra a democracia, apesar dos veteranos?
Nas
Forças Armadas, não vejo riscos. Escalões superiores do oficialato estão no
controle e não apoiam aventuras autoritárias. Nas polícias, dada a sua
politização, o quadro pode ser potencialmente diverso em parte delas e, sim,
existirem riscos.
A
imparcialidade do Exército não pode soar dúbia, dada a presença de militares no
governo?
Todos os governos tiveram militares no Executivo. É um equívoco achar que as Forças Armadas estão no governo. O que existe são militares em cargos do Executivo. É preciso deixar bem claro que o Congresso tem a responsabilidade de regulamentar essa presença, mas não exerce os seus poderes e se aliena do seu papel.
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