Valor Econômico
Eleitor terá de votar neste ano no modelo
econômico que prefere para o Brasil nesta década
Ficou para trás o sofrido 2021, ano que a
humanidade deveria esquecer, mas que jamais esquecerá. Assim, no Brasil, é hora
de começar a organizar um pouco as ideias para o novo ano, quando a campanha
eleitoral vai incendiar corações e mentes.
Mais do que na esquerda, no centro ou na
direita, o eleitor terá de votar neste ano no modelo econômico que prefere para
o Brasil nesta terceira década do século XXI. Claro que ao digitar seu voto o
cidadão terá de levar em conta qualidades e defeitos do candidato e de seu
grupo em diferentes áreas. Mas na da economia haverá basicamente duas opções
nos programas de governo, embora com ênfases variáveis.
Não é preciso ser economista para entender as diferenças. Um contingente razoável de postulantes à Presidência manterá a defesa do pensamento ortodoxo neoliberal, teoricamente adotado sem sucesso no atual governo, dominante na condução das políticas econômicas globais a partir dos anos 1980 e que está sendo contestado em toda parte. Outro contingente, dos chamados progressistas ou heterodoxos, vai apostar em teses que podem ser chamadas de desenvolvimentistas.
Pelo menos no discurso, os neoliberais
defenderão um projeto de país livre das amarras do Estado e conduzido pelas
forças de mercado. Baseiam-se na crença de que a prosperidade de uma nação
decorre da liberdade do empreendedor para investir e trabalhar sem muita
interferência do Estado, a não ser como regulador.
Nessa linha, seria necessária apenas uma
mínima participação do Estado para induzir o crescimento econômico e o
desenvolvimento. Caberia ao Estado - na linha do quanto menor, melhor - apenas
adotar um rigoroso controle de suas contas. Com essa austeridade fiscal, no
longo prazo, os agentes econômicos tomariam decisões de investir no país e
promoveriam a ascensão brasileira ao primeiro mundo.
A agenda econômica desse governo neoliberal,
portanto, seria pautada por privatizações de estatais, desregulamentação do
mercado financeiro e de trabalho, aprofundando a reforma trabalhista liberal do
governo Temer, e redução de tarifas de importação.
Com o corte das despesas do governo seria
possível reduzir impostos, o que estimularia ainda mais os investimentos, para
gerar empregos e renda. Isso isentaria o Estado de sua atribuição de
proporcionar bem-estar social aos cidadãos. No receituário neoliberal radical,
também as ofertas de saúde, educação e outros benefícios ficariam a cargo do
setor privado.
Esse neoliberalismo foi hegemônico no
Ocidente desde os anos 1980, depois das eleições dos conservadores Ronald
Reagan, nos EUA, e Margareth Thatcher, no Reino Unido. Segundo os críticos, entretanto,
não teve os resultados esperados e ainda colaborou para a ascensão da China à
posição de potência econômica global. Os países cresceram muito menos que no
período do capitalismo social, do pós-guerra até 1975, e houve seguidas crises
financeiras internacionais e concentração de renda. Até culminar com a grande
crise do subprime, nos EUA, em 2008.
Alicerces abalados
A crise de 2008 abalou os alicerces das
políticas neoliberais. Foi necessária forte intervenção do Estado americano
para impedir uma catastrófica depressão global. O governo dos EUA investiu
trilhões de dólares na tarefa de acalmar o mercado e voltou a intervir, com
ênfase maior, para atenuar a recessão provocada pela pandemia da covid-19.
A proposta de volta dessa intervenção
estatal na economia vai balizar a segunda opção a ser apresentada aos eleitores
na campanha eleitoral deste ano, provavelmente por Lula e outros postulantes de
esquerda à Presidência. A ênfase será variável, dependendo do grupo que vai
assessorar os candidatos, mas o teor básico será desenvolvimentista.
Não se trata de prever para o Estado apenas
a função de agente regulador, mas também uma tarefa importante no planejamento
dos investimentos e na administração da demanda de bens no país, para que a
economia trabalhe sempre próxima do pleno emprego.
Além disso, haverá, pelo menos no papel,
promessas de relançamento ou reforço de programas sociais de renda, educação,
saúde etc. O risco do abismo fiscal, tão difundido e assimilado pela opinião
política, será deixado em segundo plano, embora deva prevalecer o discurso da
responsabilidade fiscal. Os neoliberais chamarão essas propostas de populistas.
Tempos distintos
Em resumo, decifrando o economês, uma das
diferenças entre as duas opções diz respeito a tempo, porque ambas almejam o
desenvolvimento. Os neoliberais acreditam que a austeridade fiscal e o Estado
mínimo, entre outras qualidades, podem criar ambiente favorável para os
investimentos internos e externos, de forma a promover o desenvolvimento no
longo prazo. Por isso, muitas vezes exageram no discurso sobre o risco fiscal e
a trajetória da dívida pública, que chamam de “insustentável” no caso
brasileiro.
Os desenvolvimentistas keynesianos são
imediatistas. Acreditam que a mão pesada do Estado pode antecipar o
desenvolvimento, agindo de forma contracíclica: injetando recursos na economia
quando a atividade enfraquece e retirando-os quando ela se fortalece. As
intervenções dos governos em todo o mundo durante a pandemia mostraram como a
aplicação de recursos públicos pode ativar rapidamente a economia, embora isso
tenha estimulado também a inflação.
Em brilhante artigo no Valor de 9 de novembro, o
economista Luiz Gonzaga Belluzzo contou que o historiador de Harvard Neill
Ferguson, em debate com Paul Krugman, oito anos atrás, deu uma preconceituosa
explicação para a famosa frase de John Maynard Keynes: “No longo prazo,
estaremos todos mortos”. Keynes não se preocupava com o futuro, segundo
Ferguson, porque era homossexual e não precisava pensar no destino de filhos,
netos e bisnetos.
Valorizar o presente, porém, não significa,
necessariamente, descuidar do futuro. Uma palavra-chave nessa conversa é
“ênfase”, várias vezes repetida neste texto. O sucesso, em política econômica,
como em quase tudo, não combina com radicalismos. O eleitor, portanto, terá de
prestar atenção nas “ênfases” e isso em todas as áreas, não apenas na economia.
Se tivesse feito isso em 2018, certamente o país não estaria hoje no buraco em
que caiu. O eleitor terá uma nova chance no ano que está começando.
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