O Estado de S. Paulo.
Novamente a História nos permite gerar oportunidade para a juventude brasileira ao mesmo tempo que ajudamos a mudar a história mundial
As mudanças climáticas impõem um cenário
urgente, tirando da acomodação todas as gerações que ocupam o planeta hoje.
Está claro que não podemos mais nos furtar de agir. A COP-26 trouxe o tão
ansiado consenso sobre o artigo 6 do Acordo de Paris, dando início ao processo
de criação do mercado global de créditos de carbono.
Não podemos tirar do horizonte que o ponto
de partida de todo este esforço mundial na criação de um mercado de carbono tem
foco no cuidado com a vida humana, em especial a das próximas gerações.
Mas é fato que o artigo 6 impulsiona um
modelo em que a redução de emissões de CO2 não dependerá apenas da consciência
de poder público. Estamos iniciando uma nova era, com estímulo e recompensa
para quem está do lado certo.
Mesmo em desenvolvimento, este novo negócio
já está mostrando o seu enorme potencial e influenciando o preço do carbono em
mercados voluntários em operação. A descarbonização como ferramenta econômica
começa a redesenhar a civilização, com traços fortes de sustentabilidade e
pujança.
Agora, o desafio é regular o que foi pactuado. Uma janela de oportunidades escancarada para o Brasil. O País precisa se preparar para participar ativamente desta nova economia mundial. Já deixamos tantas outras chances de prosperar escorrerem entre nossos dedos, não podemos vacilar novamente.
A revisão da Contribuição Nacionalmente
Determinada (NDC, na sigla em inglês) durante a COP-26, com anúncio de
neutralidade de carbono até 2050 e fim do desmatamento ilegal até 2028, mais a
adesão à iniciativa sobre emissões de gás metano e ao Acordo das Florestas e
Uso de Solo mostram que o País tem sinalizado estar disposto a voltar aos
trilhos e cooperar globalmente na questão ambiental, como historicamente tem
feito.
Aliás, um Acordo das Florestas assinado por
mais de 100 líderes globais não teria sentido sem o Brasil. O documento prevê
destinar mais de US$ 12 bilhões de fundos públicos e US$ 7,2 bilhões do setor
privado para deter e reverter a perda florestal e a degradação de terra até
2030.
Recuperar áreas degradadas plantando
árvores é um dos principais caminhos para atingir a verdadeira descarbonização,
pois a fotossíntese é o melhor meio conhecido pelo humano para sequestro de
CO2.
O Brasil possui, segundo o Atlas Digital de
Pastagens Brasileiras da Universidade Federal de Goiás (UFG), um total de 44
milhões de hectares de áreas em estado severo de degradação. Mas, se nessa
análise forem inclusos outros níveis de degradação, esse dado chega a até 97
milhões de hectares. Uma paisagem que é uma amarra para o desenvolvimento deste
país. Áreas degradadas não geram renda nem emprego.
Recuperar terras improdutivas, além de
legar benefícios ambientais e climáticos, tem enorme potencial econômico,
incluindo atração de investimentos. Isso está intimamente conectado com a
consolidação do mercado de carbono, pois monetiza ativos ambientais. Trata-se
de um impulso para a busca por soluções alinhadas com esta nova economia verde.
Para a ONU, que lançou a Década da
Restauração Florestal, essa prática criará milhões de novos empregos até 2030 e
gerará retornos de mais de US$ 7 trilhões ao ano.
Essa é uma agenda que já está despertando o
interesse dos diversos setores. No fim de 2021, o banco BTG Pactual anunciou a
criação de fundo dedicado à restauração das florestas do Brasil, desenhado em
conjunto com a Conservation International, e espera captar US$ 3 bilhões para
atuar em até 500 mil hectares, comprando áreas degradadas e restaurando-as
(metade com áreas nativas e metade com cultivo de árvores para fins
produtivos). Já o BNDES lançou a Iniciativa Floresta Viva de apoio financeiro a
projetos de restauração florestal com espécies nativas e com sistemas
agroflorestais, com funding de até R$ 500 milhões. Esses são alguns exemplos
entre o amplo conjunto de instituições financeiras estudando ações nesse
sentido.
A agenda de recuperação de áreas degradadas
e restauração é uma das chaves para conciliar produção e conservação. Muitos
atores já experimentam esse modelo. O Brasil passou de importador de comida
para o maior exportador de alimentos, em razão de investimento de ciência e
tropicalização da agricultura com ajuda da Embrapa. A expertise da Embrapa já
está de olho na descarbonização e mostrou que, integrando
lavoura-pecuária-floresta no sistema chamado ILPF em só 15% da propriedade, é
possível neutralizar as emissões de gases de efeito estufa de toda a fazenda.
O Brasil tem em suas mãos riquezas
naturais, tecnologia e know-how desejados por dezenas de países. Mas, para que
a potencialidade se torne realidade, é preciso ter um projeto nacional de
reflorestamento forte. Ao inserir decisivamente o enfrentamento das mudanças
climáticas na sua política econômica, o País gera vantagens econômicas, criação
de emprego e saberes, desenvolvimento de produtos inovadores, até a ampliação
de bem-estar e qualidade de vida.
Mais uma vez, a História nos apresenta uma
possibilidade de sermos protagonistas e de gerar oportunidade para a juventude
brasileira ao mesmo tempo que ajudamos a mudar a história mundial. Agir pelo
clima é isto: cuidar da vida e gerar oportunidades de negócios.
*Foi governador do Estado do Espírito Santo (2003-2010/2015-2018)
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