segunda-feira, 30 de maio de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

Gargalo econômico

Folha de São Paulo

Percepção de piora da situação pessoal tende a elevar má vontade com Bolsonaro

Entre os muitos fatores que contribuem para o mau desempenho de Jair Bolsonaro (PL) na mais recente pesquisa Datafolha, a situação da economia tem lugar de destaque.

Dois de cada três brasileiros aptos a votar consideram que o quadro econômico piorou nos últimos meses, mesmo resultado da pesquisa anterior, em março. Entretanto a parcela dos que consideram que sua situação pessoal teve deterioração subiu de 46% no levantamento de março para 52% agora.

Dado o quadro de inflação e desemprego elevados, sem grande perspectiva de melhora rápida, é ainda mais danoso para o presidente que 77% dos brasileiros declarem que a economia vai ter muita influência (53%) ou alguma influência (24%) em sua decisão de voto.

Embora 7 de cada 10 eleitores digam que não pretendem mais alterar seu voto se a economia piorar, a possibilidade de mudança é quase 10 pontos percentuais maior entre os eleitores de Bolsonaro (32%) do que entre os do petista Luiz Inácio Lula da Silva (23%).

A inflação se mantém em dois dígitos —nos 12 meses encerrados em abril, a alta do IPCA ficou em 12,13%, o maior patamar desde outubro de 2003. Tal dinâmica é sempre danosa para a aprovação de qualquer incumbente, mas o perfil da escalada de preços hoje é particularmente negativo.

Desde o ano passado são os itens de primeira necessidade, como alimentos, energia e combustíveis, que subiram mais, afetando em especial os estratos de baixa renda.

Em tal cenário, mesmo o efeito favorável da criação de empregos é enfraquecido. A taxa de desemprego marcou 11,1% no trimestre de janeiro a março, num recuo considerável ante os 14,9% de um ano antes. Os salários, porém, não conseguem acompanhar a inflação.

A renda média mostrou algum aumento no ano, de R$ 2.510 para R$ 2.548 mensais, em valores corrigidos. Entretanto o valor permanece muito abaixo dos R$ 2.928 do pico registrado no terceiro trimestre de 2020, quando os preços apresentavam maior estabilidade.

A julgar pelas projeções atuais para as principais variáveis econômicas nos próximos meses, dificilmente haverá algum grande alento para a candidatura de Bolsonaro.

A inflação tende a cair, mas seu impacto negativo no poder de compra da população não será superado rapidamente. Ademais, a alta dos juros do Banco Central tende a esfriar a atividade econômica de modo mais intenso doravante.

É o que explica a ânsia de Bolsonaro em baixar os preços de combustíveis e eletricidade, mesmo recorrendo a métodos que tendem a provocar problemas econômicos ainda mais graves no futuro.

Primeiro passo

Folha de S. Paulo

Apesar de falhas, pesquisa sobre sexualidade é importante para política pública

Algo como 2,9 milhões de pessoas adultas no Brasil se declaram homossexuais ou bissexuais, conforme o dado central de pesquisa realizada pela primeira vez pelo IBGE.

Trata-se de 1,8% da população brasileira acima de 18 anos de idade, em que 1,1% corresponde à parcela de homossexuais, e 0,7%, de bissexuais. Outros 2,3% preferiram não responder à pergunta, e 94,8% se disseram heterossexuais.

Nota-se que a idade dos respondentes influencia a autodeclaração sobre a orientação sexual, o que parece indicar uma diferença geracional relevante quanto ao tema. Na faixa entre 18 e 29 anos, 4,8% se declaram homossexuais ou bissexuais, e a proporção despenca para 0,2% entre os de 60 anos ou mais.

O percentual cresce conforme aumenta o rendimento domiciliar per capita e o grau de instrução.
A pesquisa do IBGE decerto pode ser aprimorada, mas constitui iniciativa importante. Levantamentos do gênero ainda são incipientes em grande parte do mundo.

Em 2020, o departamento de estatísticas da vizinha Colômbia publicou dados pela primeira vez sobre o tema, apontando que 1,2% da população entre 18 e 65 anos que vive em centros urbanos se identifica como homossexual ou bissexual e 0,05% como transgênero.

Neste ano a Argentina passou a incluir questões sobre diversidade, inclusive identidade de gênero, em seu censo nacional. No Canadá, o levantamento de 2021 revelou que 1 em cada 300 pessoas com idade de 15 ou mais se identificou como transgênero ou não binário.

A sondagem do IBGE foi realizada em uma amostra de 108 mil domicílios, como parte da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2019. Uma das falhas apontadas por especialistas foi a não investigação da população transgênero.

Uma questão fundamental a considerar é como estabelecer um ambiente confortável para que os entrevistados falem sobre sexualidade. O percentual relativamente alto de pessoas que escolheram não responder chama a atenção.

O avanço no conhecimento do tema é importante para que se superem preconceitos e se possam formular políticas públicas para esse estrato da população. Até aqui, os progressos nesse sentido vieram de decisões do Judiciário.

Entre eles podem-se citar o reconhecimento das uniões homoafetivas, de 2011, a autorização para que pessoas trans possam alterar seu nome no registro civil sem necessidade de cirurgia, de 2018, e o enquadramento da homofobia entre os crimes de racismo, de 2019.

Supremo deveria retomar julgamento sobre maconha

O Globo

No início de abril, a Câmara de Representantes dos Estados Unidos aprovou, por 220 a 204 votos, uma lei descriminalizando a maconha em todo o país. Ela foi barrada em seguida no Senado, mas, como se trata de uma federação para valer, 47 dos 50 estados americanos, incluindo o distrito da capital Washington, já permitem o uso da Cannabis, seja como medicamento (canabidiol), seja para recreação. A tendência é o Congresso americano se curvar à realidade de um negócio que faturou legalmente US$ 20 bilhões em 2020 e deverá ultrapassar os US$ 40 bilhões daqui a três anos.

Enquanto o mundo todo debate o combate às drogas pela ótica da saúde pública, sem deixar de reprimir o tráfico, no Brasil o Congresso é omisso. Como noutros casos, a questão caiu no colo do Judiciário. Sem sucumbir à tentação de ocupar um espaço que, na democracia, é dos legisladores, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem o dever de se pronunciar sobre a interpretação das leis já existentes, que têm criado inúmeros problemas de ordem prática no combate ao tráfico de drogas.

A questão chegou ao STF por meio de um recurso impetrado em 2010 pela Defensoria Pública em Diadema, São Paulo, em favor de um detento flagrado com ridículos três gramas de maconha. A ação pede que, em nome do direito à intimidade e à vida privada, seja declarado inconstitucional um artigo draconiano da Lei Antidrogas de 2006.

O artigo estabelece punições que não deixam brecha a quem for pego com qualquer quantidade de drogas. Isso dá imensa latitude para policiais agirem segundo suas crenças ou conveniências, em flagrantes que descambam para a coação e o suborno. Recai em seguida sobre o juiz o papel ingrato de avaliador de dosagem, para definir até onde vai o consumidor e quando surge o traficante. Naturalmente, como toda situação em que prevalecem critérios subjetivos, é enorme o espaço para arbitrariedades. Cada juiz decide de um jeito.

O recurso ao STF foi até agora julgado pelo relator, ministro Gilmar Mendes, e pelos ministros Edson Fachin e Luís Roberto Barroso, todos favoráveis, em diferentes graus, a decretar inconstitucional o artigo 28 da lei. Os votos até o momento são favoráveis à descriminalização do uso e do porte de drogas, em particular da maconha (embora o relator tenha se referido em seu voto a drogas de uma maneira geral).

A questão central é definir a quantidade de droga apreendida a partir da qual o detido deve ser considerado traficante. Barroso adotou a regra de Portugal, caso de sucesso na descriminalização: 25 gramas de maconha ou cultivo de até seis plantas da erva. Fachin, que também se ateve à maconha, defende que incumbe ao Congresso definir os limites. Enquanto se espera uma decisão do Legislativo, órgãos técnicos do governo cuidariam da regulação.

O Supremo deveria retomar o julgamento, interrompido por um pedido de vista do então ministro Teori Zavascki (hoje o processo está com a Presidência). Seria uma oportunidade para o Brasil modernizar o enfrentamento às drogas. A descriminalização do uso e do porte de pequenas quantidades seria um avanço que, entre outras vantagens, esvaziaria cadeias lotadas de jovens pobres e negros apanhados pela polícia por consumo irrisório. Trata-se de tirar dinheiro do tráfico, de combatê-lo pelo ataque às finanças, já que, pelas armas, ele até hoje não foi vencido em nenhum lugar do mundo.

Biden corre risco fazendo concessões a ditaduras sem exigir contrapartidas

O Globo

Uma das consequências indiretas da Guerra na Ucrânia foi um ensaio de aproximação da Casa Branca de Joe Biden com as duas principais ditaduras latino-americanas: Venezuela e Cuba. É verdade que ambas não foram convidadas a participar da Cúpula das Américas que começará dentro de alguns dias em Los Angeles. Mas os gestos de Biden em direção a elas são inequívocos.

Diante da escassez de petróleo provocada pela guerra, Biden anunciou que pretende afrouxar algumas das sanções estabelecidas contra a Venezuela desde que o ditador Nicolás Maduro sucedeu a Hugo Chávez. Suspendeu um veto imposto pelo governo Donald Trump, permitindo que a petroleira americana Chevron voltasse a operar no país, detentor das maiores reservas mundiais de óleo.

Para a Venezuela, a volta das grandes petroleiras é vital, pois elas detêm recursos financeiros e tecnologia sofisticada para extrair o óleo pesado que constitui as reservas venezuelanas. Hoje o regime chavista depende de diluentes fornecidos pelo Irã para isso. Não tem funcionado muito bem. Na prática, o aparelhamento da petroleira estatal PDVSA para servir aos interesses políticos do chavismo a levou a uma crise que só tem sido mitigada pela cotação do petróleo acima de US$ 100 o barril. Em 1° de janeiro, Maduro concedeu entrevista à TV estatal para celebrar a marca de 1 milhão de barris diários produzidos. Foi ridículo. Certamente ele não disse que isso mal chega a um terço do que a PDVSA já produziu no passado.

Além do aceno à Venezuela, Biden também anunciou a redução de sanções a Cuba. Liberou remessas de imigrantes para as famílias na Ilha, ampliou os voos ligando os dois países e decidiu facilitar os trâmites burocráticos para imigrantes cubanos. Ambas as concessões, a Cuba e à Venezuela, foram justificadas por autoridades americanas como forma de “reduzir o sofrimento” das populações.

Biden tenta, com isso, aplainar o terreno diplomático antes da Cúpula das Américas. Falta saber o que Maduro e o ditador cubano Miguel Díaz-Canel darão em troca. É difícil acreditar que cedam um milímetro na concessão de direitos civis ou liberdade a seus povos. A iniciativa de Biden despertou críticas ferozes na oposição. “Biden diz apoiar a democracia e os direitos humanos, mas sua estratégia de política externa é, na verdade, baseada em fazer concessões a ditadores”, afirmou o senador republicano Marco Rubio, da Flórida.

Na eleição de meio de mandato de novembro, o Partido Democrata corre grande risco de perder a frágil maioria que tem no Congresso — principalmente no Senado, onde ela depende do voto de desempate da vice Kamala Harris, também presidente da Casa. Biden precisa encontrar meios de pressionar Venezuela e Cuba para que retribuam a boa vontade americana. Do contrário, terá sido apenas um gesto ingênuo.

Professor não é bandido

O Estado de S. Paulo

Apoio ao ‘homeschooling’ é parte de cruzada ideológica para desmoralizar docentes, cuja tarefa é estimular o pensamento crítico, e escolas, local da convivência com o diferente

A educação convive historicamente com um paradoxo: espécie de unanimidade, quando se trata de elencar áreas prioritárias para o desenvolvimento, é comum outras ações furarem a fila das prioridades, em geral sob o argumento da urgência de preocupações mais imediatas. Seja como for, a ideia de que a educação é um pilar da sociedade − e que, por isso mesmo, merece atenção e investimento − beira as raias do consenso. Ninguém que se preze, especialmente autoridades e políticos, faz discurso contra a educação. Além de completo e absoluto equívoco, seria um tiro no pé.

Eis que a educação, até então reinante no imaginário da sociedade brasileira, passou a ser alvo de desconfiança. De parcela minoritária, é verdade, mas, ainda assim, estridente, capaz de desviar o foco dos desafios educacionais do País. Pior: gente que conta não só com a simpatia, mas com o apoio explícito e inconsequente do atual presidente da República e de seus seguidores mais entusiasmados.

O alvo da desconfiança, infelizmente, foram as escolas e os professores. De uma hora para a outra, apontaram-se dedos inquisidores para o local frequentado por mais de 40 milhões de crianças e adolescentes no Brasil e, claro, para os profissionais da educação. Chegou-se ao ponto em que alunos foram incentivados a sacar seus celulares e a filmar aulas, com o propósito de denunciar um suposto ativismo político de seus mestres. 

Conforme a retórica dessa acusação − bradada, em geral, com a certeza dos fanáticos −, os professores seriam agentes de uma lavagem cerebral esquerdizante, arquitetada com finalidades puramente ideológicas. Não só isso: a escola, centro de convivência com o outro e, portanto, com o que é diferente, teria virado um lugar ameaçador, capaz de infligir ideias e comportamentos indesejáveis aos filhos das famílias brasileiras. Seria risível, não fosse o fato de que há quem acredite firmemente nesse arrazoado de preconceito, má-fé e, acima de tudo, ignorância sobre o que se passa nas escolas do País.

O ensino domiciliar ou homeschooling, aprovado na Câmara dos Deputados e em vias de ser analisado no Senado, ecoa um pouco dessa visão distorcida sobre o papel da escola. Por óbvio, não se está aqui afirmando que todo defensor do homeschooling esteja imbuído de preconceito. Longe disso. O ensino domiciliar é modalidade adotada em outros países e, desde que siga parâmetros de qualidade e avaliação, poderá, sim, servir de alternativa às famílias que assim o desejarem. Aliás, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou que o homeschooling é constitucional, faltando apenas ser regulamentado por lei − o que o Congresso caminha para fazer.

A aprovação do homeschooling, todavia, não deveria, de forma alguma, reforçar nem encorajar discursos que se opõem à escola e que, equivocadamente, tentam desmoralizar os professores, tratando-os quase como bandidos. Ou alguém acha possível construir uma nação justa e desenvolvida sem escolas e sem professores?

Aos professores, pela natureza da função que exercem, cabe acompanhar seus alunos na busca do conhecimento, no desenvolvimento de habilidades e competências e na formação cidadã. Diariamente, em milhares de escolas espalhadas por todo o território nacional, milhões de professores e estudantes renovam esse pacto de construção do saber. O professor, ele próprio o resultado do sistema educacional onde atua, está lá para questionar, para ensinar a pensar e para acompanhar os estudantes na trilha do conhecimento. Como se viu nos últimos dois anos letivos durante a pandemia de covid-19, o fechamento de escolas trouxe prejuízos para a aprendizagem − e não o contrário. 

Os professores são profissionais a ser celebrados. A despeito de condições muitas vezes precárias em que atuam, da falta de carreiras e salários mais atrativos e da descontinuidade de políticas educacionais, eles exercem uma profissão que contribui diretamente para a formação das novas gerações e para o desenvolvimento do País. Nenhum sistema educacional jamais será melhor do que seus professores. Valorizá-los é o primeiro passo. 

Futuro nebuloso para a Petrobras

O Estado de S. Paulo

A título de conter os preços dos combustíveis e melhorar suas chances eleitorais, Bolsonaro desafia as barreiras administrativas e legais, pondo em risco a saúde da estatal

A Lei das Estatais, aprovada pelo Congresso em 2016, foi um marco na história do País. Em resposta aos escândalos revelados pelas investigações da Operação Lava Jato e aos prejuízos bilionários registrados pela Petrobras e Eletrobras, o Congresso conseguiu aprovar, em menos de um ano, uma legislação capaz de impor às empresas princípios de transparência e responsabilidade, como requer a administração pública, e aliá-los a regras de governança corporativa típicas do setor privado. O fato de ainda não ter completado seis anos de vigência e de suas bases já estarem sob ataque intenso do Executivo diz muito sobre a natureza do governo Jair Bolsonaro.

Uma das primeiras exigências dessa legislação foi obrigar as empresas públicas, em particular aquelas com capital aberto, a adaptarem seus estatutos às novas regras. Estruturas tiveram de ser criadas, como o Comitê de Pessoas, órgão estatutário que avalia os currículos dos executivos indicados para compor a diretoria e o Conselho de Administração das empresas, em cumprimento ao veto legal à nomeação de políticos, líderes sindicais e pessoas com conflitos de interesse.

Não há dúvidas de que todas essas mudanças resgataram a moralidade dentro das estatais. A Petrobras demonstra que esses princípios podem ser mensurados não apenas em termos teóricos, mas também por resultados – basta ver os lucros registrados nos últimos anos. Não se trata de coincidência, mas relação de causa e efeito. O estatuto reforçou ainda dispositivos de leis anteriores, deixando claro que conselheiros e diretores estão sujeitos à responsabilização pessoal e perda de bens caso seus atos causem prejuízos à empresa – ainda que isso não vá ao encontro das vontades de um presidente da República estagnado nas pesquisas de intenção de voto.

Nenhuma lei ou estatuto impede mudanças na direção das empresas; alterações são permitidas a qualquer tempo, mesmo por motivos errados, como prova a indicação de Caio Mario Paes de Andrade, o quarto a assumir a Petrobrás em menos de três anos e meio. Seus antecessores caíram pela mesma razão: mantiveram a política de preços de combustíveis da companhia alinhada ao Preço de Paridade Internacional (PPI), adotado, assim como a Lei das Estatais, no mesmo ano de 2016. E como o Estadão mostrou, a pretexto de conferir mais previsibilidade e com a desculpa da volatilidade ocasionada pela guerra entre Rússia e Ucrânia, o próximo passo a ser seguido pelo governo é reduzir a frequência dos reajustes, de forma que a Petrobras possa “dar sua contribuição neste momento”.

Para isso, não haverá limites, e já se cogita trocar, novamente, conselheiros e diretores por pessoas alinhadas a esse plano. Nada de novo na gestão bolsonarista, haja vista suas falas na famigerada reunião ministerial de abril de 2020, em que deixou claro que trocaria delegados, superintendentes e até o ministro para interferir na Polícia Federal. A canetada na política de preços provavelmente exigirá uma mudança do estatuto, já que ele proíbe a Petrobras de vender combustíveis com prejuízo a não ser que a companhia seja compensada pela União – e o Executivo não tem a menor intenção de indenizá-la. Paradoxalmente, como mostrou o Estadão, a ideia conta com o apoio do ministro da Economia, Paulo Guedes.

À época em que a Lei das Estatais foi aprovada, um dos principais argumentos da equipe de articulação política do então presidente Michel Temer era a necessidade de impedir que as empresas públicas voltassem a ser assaltadas no futuro. A chegada de Bolsonaro ao governo mostra que as piores previsões se confirmaram mais rapidamente do que se imaginava – e nem mesmo a lei, por enquanto não revogada, foi um obstáculo a essas intenções. O pior é que, nesse ponto, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, concorda com ele. Em uma entrevista a uma rádio, Lula disse que não adiantaria trocar o presidente da Petrobras caso a política de preços fosse mantida. Se depender dos candidatos mais bem colocados nas pesquisas, o futuro da Petrobras será tão nebuloso quanto seu passado recente.

Como agem os cupins

O Estado de S. Paulo

TCU descobre que políticos destinavam verba para obras e escolhiam a empresa executora

O presidente Jair Bolsonaro vive a dizer que, em seu governo, não houve nem há escândalos de corrupção. Até onde se sabe, de fato, não existem, em sua gestão, casos como os do mensalão e do petrolão, símbolos da extensa corrupção sob a gestão lulopetista. Entretanto, a aliança que Bolsonaro fez com parlamentares para preservar seu mandato e alguma base de apoio no Congresso teve um preço. Ela resultou em métodos e práticas não espalhafatosamente escandalosos que despertem a ira popular, mas em artimanhas que, somadas, podem resultar em graves prejuízos para o Tesouro e ganhos financeiros e eleitorais para seus autores e cúmplices. O acordo de Bolsonaro com o Centrão estimulou ações desse tipo.

As emendas do relator e o orçamento secreto são exemplos dessa prática. Neste governo, quando se trata de manipular recursos públicos, os políticos procuram agir com discrição e habilidade. Em vez de se aproveitar de um contrato bilionário de obra pública ou de compra governamental, eles têm preferido pequenos contratos. Somados, os ganhos proporcionados por cada um deles podem ser expressivos. Agem como cupins do orçamento público. São, por isso, mais difíceis de serem identificados.

Mesmo assim, algumas artimanhas estão sendo desvendadas. Em reunião plenária, o Tribunal de Contas da União (TCU) determinou que a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) suspenda a realização de novas obras de pavimentação, pois foram encontrados casos de destinação irregular de dinheiro público.

Na análise de pregões e contratações de obras de pavimentação assinados entre 2019 e 2020, auditores do TCU constataram que os parlamentares responsáveis pela destinação de recursos para determinadas obras eram responsáveis também pela escolha da empresa responsável pela execução do serviço.

A Codevasf mantém um conjunto de empresas aptas a realizar serviços de pavimentação sob uma espécie de “guarda-chuva”. Cada uma delas é contratada para executar obras com determinado tipo de material. O parlamentar, ao destinar verba para determinada obra por meio de emendas ao Orçamento, apontava também, mesmo sem fundamentação técnica explícita, o tipo de material a ser utilizado, o que implicava a escolha da empresa responsável.

É uma prática que, obviamente, contradiz princípios da administração pública, como a impessoalidade e a isonomia. Como observou o TCU, o direcionamento de recursos públicos para determinada empresa sugere conluio entre empresas, agentes públicos e políticos. Além disso, o sistema de controle e fiscalização, para aferir qualidade, quantidade e prazos, era falho.

Não é de estranhar que esses casos envolvam obras contratadas pela Codevasf. A empresa, que no governo Bolsonaro teve ampliada sua área de atuação para mais de 1,5 mil quilômetros além do Rio São Francisco – que era seu foco quando foi criada, em 1974 –, tornou-se um dos principais abrigos dos protegidos do Centrão. Três quartos de suas superintendências são ocupados por afilhados de políticos, a maioria do Centrão. 

É cedo para dizer que houve um ajuste fiscal estrutural

Valor Econômico

Os cortes de impostos feitos pelo governo poderão se mostrar excessivos, enfraquecendo o resultado fiscal

A Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Economia divulgou, na semana passada, uma estimativa sobre como anda o resultado fiscal estrutural do governo. Os números mostram uma dinâmica fiscal de curto prazo surpreendentemente positiva. É uma boa notícia, mas ainda assim deve ser analisada com cautela, num ambiente de alta inflação, que dificulta separar os sinais dos ruídos nas estatísticas. Além disso, com a desmoralização do teto de gastos, a principal âncora fiscal do país, há dúvidas se esses bons resultados vão se repetir no futuro.

Segundo o boletim “Resultado Estrutural 2021”, divulgado pela SPE, o superávit primário do setor público consolidado chegou a 2,37% do Produto Interno Bruto (PIB), quando é feito o ajuste pelo a posição cíclica e são excluídas receitas e despesas extraordinárias. É um número bem mais alto do que o apurado pelo Banco Central nas estatísticas pelo conceito abaixo da linha, que foi positivo em 0,75% do PIB.

Os economistas costumam calcular o resultado estrutural para identificar o que é perene ou não na trajetória das contas públicas. Se a economia está superaquecida, por exemplo, as receitas tendem a crescer mais forte. Mas esse ganho não tende a se repetir, porque mais adiante costuma haver uma desaceleração, que faz a economia se alinhar à sua tendência de crescimento de longo prazo. Também são excluídos ganhos quando a cotação do petróleo fica acima de seu preço de equilíbrio de longo prazo, além de receitas e despesas não recorrentes.

Nas estimativas da SPE, a economia operou com uma capacidade ociosa de 1,9% no ano passado, e a cotação do petróleo ficou 29% acima de sua tendência de longo prazo. Esses dois fatores, juntos, têm um impacto de 0,47 ponto percentual do PIB no resultado estrutural. Já as receitas e despesas não recorrentes têm um impacto de 1,16 ponto percentual do PIB. Tudo considerado, o superávit primário de 0,75% do PIB apurado pelo BC sobe a 2,37% do PIB no conceito estrutural calculado pela SPE.

Na teoria, a estimativa do resultado estrutural do setor público permite medir o esforço efetivo feito pelos governos para reequilibrar as contas públicas. Em 2020, o déficit primário estrutural havia ficado em 0,49% do PIB. Portanto, há uma melhora de 2,86% do PIB nas contas fiscais entre um ano e outro, que poderia ser atribuído ao aumento de receita e à contenção de despesas.

As contas públicas estão surpreendendo positivamente no curto prazo, e isso não está sob questão. Mas talvez não tanto quanto o apontado pelo resultado estrutural. O indicador sempre deve ser lido com alguma prudência, já que é calculado a partir de variáveis não observáveis, como o PIB potencial, e envolve algumas escolhas, como quais receitas e despesas extraordinárias excluir das contas. Atualmente, a inflação mais alta também pode provocar distorções.

Um dos principais problemas é que uma surpresa inflacionária costuma afetar as contas públicas em dois momentos diferentes. Primeiro, há um ganho das receitas, que estão ligadas ao nível de preços da economia. Já as despesas costumam reagir com alguma defasagem.

A visão mais otimista é que, de fato, o governo está promovendo um ajuste fiscal, já que até o momento não reajustou, pelo menos na mesma proporção, as despesas, que estão sendo corroídas pela inflação. Mas talvez ainda seja cedo para tirar conclusões definitivas. As diversas categorias do funcionalismo público estão se organizando em Brasília para recompor o poder de compra de seus salários. Pode até ser que, neste ano, o governo Bolsonaro e os Estados e municípios segurem essa expansão da despesa. Mas as pressões tendem a se intensificar no primeiro ano do presidente que será eleito no pleito de outubro.

Um segundo ponto a se considerar é que, em boa medida, o resultado fiscal tem sido construído a partir de ganhos de receitas com a alta dos preços de commodities. Em algum momento no futuro, o ciclo tende a virar, e nem todos esses ganhos vão se sustentar. Se isso for verdade, os cortes de impostos feitos pelo governo poderão se mostrar excessivos, enfraquecendo o resultado fiscal.

Mas talvez a grande preocupação dos analistas econômicos seja que os resultados fiscais obtidos no curto prazo não vão se sustentar ao longo do tempo, depois que o governo e o Congresso agiram em conjunto para driblar a regra constitucional que limita o crescimento dos gastos à inflação.

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