segunda-feira, 30 de maio de 2022

Ruy Castro: Lá vamos nós de novo

Folha de S. Paulo

Uma exposição em Nova York tem barquinhos com dinheiro brasileiro

Se você já se perguntou onde foi parar todo o dinheiro velho que trocou pelo novo nas antigas mudanças de moeda no Brasil, sabe que boa parte dele foi incinerada pelos governos de então. Mas outra parte sobreviveu e circula hoje como ectoplasma pelos sites de leilões e compras, disputado por colecionadores de velharias exóticas —e poucas velharias são mais exóticas do que dinheiro brasileiro. De anos em anos, devorado pela inflação, cortavam-se três zeros do seu valor e pespegavam-lhe um novo nome, o que obrigava à destruição de bilhões de cédulas e sua substituição por outras tantas.

Daí, de 1942 para cá, tivemos as notas de cruzeiro, cruzeiro novo, mais uma vez cruzeiro, cruzado, cruzado novo, novamente cruzeiro, cruzeiro real e, por fim, o real. As cédulas novas mal chegavam a ficar velhas e nojentas, porque a inflação fazia com que fossem logo renomeadas e trocadas. Em 1993, a inflação no Brasil foi de, pode crer, 2.708,55%.

Carla Zaccagnini, artista plástica argentina que, em criança, nos anos 1970 e 1980, morou no Brasil com sua família, lembra-se bem daquela loucura. Ela é o objeto de sua atual exposição numa galeria de Nova York, "Cuentos de cuentas", composta de material que comprou no Mercado Livre: notas e mais notas de dinheiro brasileiro, que ela dobrou em barquinhos para expor. A ideia de ver dinheiro que um dia foi duro de ganhar reduzido a algo tão infantil como um barquinho faz pensar em como podíamos ter aproveitado melhor aquele tempo, sem tantas aflições e angústias.

A criação do real, em 1994, vergou a inflação a níveis de países estáveis e assim a mantivemos até hoje. Até hoje? Sob Jair Bolsonaro, a inflação voltou pela primeira vez aos dois dígitos anuais.
Lá vamos nós de novo.
Ontem, ao tirar dinheiro na máquina, fui contemplado com uma nota de R$ 200. Carla Zaccagnini não demora a ter de atualizar sua exposição.

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Ave Maria!tomara que não.