Folha de S. Paulo
Diante da vitória iminente da esquerda,
direita se rebela e troca moderado por populista
A história da última semana da eleição
colombiana soa como a repetição de um enredo cada vez mais comum nas
democracias liberais. Diante
da vitória iminente da esquerda, liderada pelo moderado Gustavo
Petro, a direita se rebela e troca um opositor moderado por um populista.
Quem desempenha esse papel é o
oligarca-bufão Rodolfo
Hernández. Ele ultrapassou Federico "Fico" Gutiérrez, o jovem
liberal apoiado por todos os partidos da direita tradicional, e chegou
ao segundo turno contra Petro com uma campanha relâmpago que retoma a
receita original dos populistas: demagogia anticorrupção, anticomunismo
enfurecido e uso exclusivo das redes sociais.
A passagem para a segunda volta eleva a
tensão das presidenciais. Todos os candidatos circulam pelo país acompanhados
de escoltas militares, e ameaças
de assassinatos são denunciadas cotidianamente.
Petro sabe que toda a tensão gira em torno da sua candidatura. Sua biografia reflete o longo caminho da Colômbia em direção à paz. O ex-membro da guerrilha M-19 teve uma passagem bem-sucedida pela política institucional, servindo como senador e prefeito, antes de construir a primeira plataforma de partidos progressistas com condições de vencer as presidenciais.
O veterano soube explorar as mudanças
trazidas pelo acordo
de paz de 2016. Desde então, as guerrilhas marxistas deixaram de ser um
fardo para a esquerda, e Petro finalmente conseguiu organizar essa eleição em
torno dos temas que mobilizam as classes populares, como a desigualdade e o
Estado social. Sinal de força da sua coalizão, entregou recentemente as chaves
da sua campanha a Alfonso Prada, antigo secretário da Presidência de Juan
Manuel Santos, o conservador arquiteto do processo histórico.
A candidatura de Petro também cresce em
cima do fracasso da direita tradicional. O atual presidente, Iván Duque, eleito
em 2018 por aqueles que se opunham ao pacto de paz, perdeu o controle do país
durante a pandemia, marcada por protestos
violentos e enormes perdas humanas entre os mais vulneráveis.
Em posição de força para unir a direita e
recuperar uma parte dos votos antissistema, Hernández tem tudo para ser um
rival muito mais forte do que Gutiérrez no segundo turno contra Petro.
Lamentavelmente, a instabilidade política
ofusca a qualidade do debate programático. Enquanto Hernández é mais conhecido
por confundir Albert Einstein e Adolf Hitler, as propostas de Petro o colocam
na vanguarda das esquerdas latino-americanas. Sua política de segurança passa
por romper a colusão entre o crime
organizado e a elite política, que assombra o país desde a década de
1980, promovendo uma inversão de paradigma no controle de substâncias ilícitas.
Ele também propõe interromper as
explorações de petróleo e gás, um anátema para desenvolvimentistas, e não
hesita em fazer um paralelo entre o governo direitista de Duque e o do
venezuelano Nicolás
Maduro.
Basta ele cumprir metade do seu programa
para inaugurar uma nova era na América Latina. Mas quem realmente inspira o
futuro da Colômbia é a sua vice, Francia
Márquez, negra, feminista, ecologista e de uma coragem avassaladora. Numa
disputa entre profissionais da política, a verdadeira mudança é ela.
*Pesquisador do Centro Brasileiro de
Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC
Um comentário:
Que vença o melhor,leia-se o mais equilibrado.
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