sábado, 19 de novembro de 2022

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Novo ministro da Defesa precisa ser civil

O Globo

Principal desafio será desvincular as Forças Armadas do papel político adquirido sob Bolsonaro

O próximo ministro da Defesa será um civil, segundo anúncio do governo de transição. É uma decisão correta, um primeiro passo para a necessária revisão do papel das Forças Armadas na política depois do caótico governo Jair Bolsonaro. Um nome reconhecido por todos, pelo estamento militar inclusive, terá oportunidade de recompor a relação entre a caserna e a sociedade.

A Defesa precisará de um bom comunicador para lembrar à opinião pública que Forças Armadas não são sinônimo de bolsonarismo. É fato que boa parte dos militares torce o nariz para Luiz Inácio Lula da Silva, mas a ampla maioria são profissionais cientes de suas missões constitucionais e comprometidos com projetos estratégicos para o país. O que mais querem é sair do turbilhão político a que foram lançados por Bolsonaro e seguir com suas vidas.

Como o aparelhamento do Estado por militares foi gigantesco, muitos certamente mudarão de endereço profissional a partir de janeiro. É preciso toda a cautela para que o desaparelhamento não seja interpretado como revanchismo. É importante que os próprios militares compreendam que a intromissão em todo tipo de atividade só contribuiu para deteriorar a imagem das Forças Armadas. Basta lembrar a absurda fiscalização das urnas eletrônicas, um episódio vergonhoso.

É essencial também, para regulamentar a participação deles no governo, a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que veta a militares da ativa exercer cargos de natureza civil no governo. É provável que as corporações da caserna sejam contra, argumentando que diplomatas e outras categorias do serviço público não estão sujeitas às mesmas regras. Será preciso lembrá-las que, passadas as eleições, a extrema direita não foi “abraçar” o Palácio do Itamaraty pedindo um golpe de Estado.

As Forças Armadas precisam afastar sua imagem desse grupo radical e resgatar seu papel mais importante: proteção do território e garantia da soberania. Se alguém ainda duvidava da necessidade de preparo contra ameaças externas, a guerra na Ucrânia serve de alerta. O novo governo precisará analisar com atenção projetos que não são estratégicos somente para as Forças Armadas, mas para o país.

Na Marinha, o que merece mais atenção é o submarino nuclear. Quando pronto, será uma enorme vantagem no Oceano Atlântico. Além de orçamento, o novo governo precisará buscar parcerias com outros países para resolver desafios tecnológicos. Outras necessidades são submarinos convencionais e navios de superfície. No Exército, força em que também existe a necessidade de modernização, a meta é a defesa cibernética, além do sistema de proteção e vigilância da fronteira. Na Aeronáutica, o desafio é aeroespacial, sem esquecer os programas de caças e do avião multipropósito.

Todos esses projetos demandam verbas bilionárias, que necessitam de aprovação do Congresso e destinação orçamentária transparente, num momento de crise fiscal aguda. O novo ministro da Defesa precisará, portanto, ter capacidade para explicar aos congressistas a importância estratégica de cada um. Nada disso se compara, contudo, ao dever de desvincular as Forças Armadas do papel político adquirido sob Bolsonaro. Um bom começo seria obter delas o repúdio firme e contundente ao circo golpista que ainda persiste diante dos quartéis.

‘Revogaço’ de decretos armamentistas de Bolsonaro é medida necessária

O Globo

Senador eleito Flávio Dino propôs política mais dura com clubes de tiro e com atiradores amadores

O senador eleito Flávio Dino (PSB-MA), cotado para ocupar o Ministério da Justiça no governo que assumirá em janeiro, confirmou nesta semana o “revogaço” dos decretos armamentistas do governo Jair Bolsonaro. “Existe direito adquirido a faroeste? Não. Existe direito adquirido a andar com fuzil, metralhadora? Não também”, afirmou. “Então é possível que haja um efeito imediato nos arsenais já existentes? É possível.”

Ele defendeu ainda uma regulação mais dura dos clubes de tiro e das armas registradas por quem se identifica como Colecionador, Atirador Desportivo e Caçador (CAC). “Vai haver fechamento generalizado de clubes de tiro? Não”, disse. “Mas não pode ser algo descontrolado, não pode ser liberou geral, porque todos os dias os senhores noticiam tiros em lares, em vizinhança, em bares e restaurantes de pessoas(...) [com] registro de CAC.”

São todas medidas bem-vindas. A facilidade para comprar todo tipo de arma trouxe riscos maiores para a população e se tornou um meio usado pelo crime organizado para se armar. Logo que assumiu, Bolsonaro passou a suspender os controles. Chegou a editar mais de 40 portarias, decretos e resoluções, beneficiando os CACs. A venda de armas então explodiu. No governo Bolsonaro, os registros de CAC triplicaram em relação ao período de 15 anos anteriores, desde a aprovação do Estatuto do Desarmamento.

Em agosto, os 674 mil CACs detinham 1 milhão de armas, o triplo do arsenal anterior a Bolsonaro. Cada CAC pode comprar até 60 armas, 30 delas de uso restrito como fuzis. Para não falar na liberdade de comprar quantidades absurdas de munição. São cada vez mais comuns as apreensões de armas de CACs desviadas para organizações criminosas.

O “revogaço” dos decretos e normas armamentistas não pode se esgotar em si. É preciso saber o que fazer no momento seguinte. Suspensa a concessão dos registros, é essencial seguir a sugestão de Dino e fazer um pente-fino para recolher as armas de grosso calibre. Não se sabe nem sequer a dimensão desse arsenal em mãos de particulares, pois, de janeiro a julho, foram fiscalizados apenas 2,68% dos CACs, segundo o Instituto Igarapé. Sempre haverá o risco de essas armas irem para a ilegalidade.

O culto à arma da extrema direita bolsonarista tem como inspiração os Estados Unidos, onde o direito individual à posse de arma é uma tradição arraigada desde os tempos de colônia, garantida na Constituição. É comprovada a relação entre a facilidade de acesso a armas e os massacres que volta e meia abalam os americanos, em escolas ou locais públicos. A taxa de homicídios americana é a mais elevada entre os países desenvolvidos. O Brasil não precisa piorar ainda mais a sua. A revogação de decretos e atos bolsonaristas a favor das armas é uma medida em prol da segurança pública, da paz e contra a violência.

Chance aproveitada

Folha de S. Paulo

Lula tira partido da expectativa favorável e faz discurso bem preparado na COP27

Recebido com grande expectativa positiva, o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), soube aproveitar sua passagem pela 27ª Conferência das Nações Unidas sobre a Mudança Climática, no Egito, para a tarefa de recompor a imagem e a relevância perdidas pelo Brasil na arena ambiental.

Na quarta (16), em meio a uma agenda repleta de encontros, Lula proferiu um discurso bem formulado, que teve o papel tanto de um cartão de visitas da nova gestão como de uma lista de promessas a serem cobradas no futuro.

O presidente eleito contava com o momento e o público perfeitos para se contrapor ao desastre bolsonarista na área climática —e ele o fez num pronunciamento meticulosamente preparado, que contemplou os principais nós do debate global e num tom, a uma só vez, contundente e conciliador.

No pronunciamento, o petista buscou, em contraste evidente com Jair Bolsonaro (PL), enfatizar a necessidade de aprofundar o multilateralismo para lidar com um problema que, em última instância, se afigura planetário.

Ao mesmo tempo em que frisou que o aquecimento em curso afeta a todos, soube também reconhecer que suas consequências recaem com maior intensidade sobre as populações mais vulneráveis.

Evitou ainda incorrer em falsos dilemas. Defendeu que o agronegócio e a preservação ambiental devem caminhar juntos, que aceitar a cooperação internacional não implica abdicar da soberania e que é possível gerar riqueza explorando a biodiversidade amazônica sem que isso termine por prejudicar nosso patrimônio natural.

No campo das promessas, Lula se comprometeu a fazer da questão climática um eixo de seu mandato e assumiu a inglória missão de acabar com o desmate até 2030.

Para tanto, apontou a necessidade de fortalecer os órgãos de fiscalização esvaziados por Bolsonaro e impor novamente a lei na Amazônia. Por fim, confirmou a criação do Ministério dos Povos Originários, cujo papel, além do simbolismo, ainda não parece claro.

O discurso, como seria de esperar, foi bem recebido mundo afora. Mas o país só será capaz de reassumir o protagonismo ambicionado se Lula conseguir colocar suas palavras em prática.

Apesar do passado de realizações que o petista tem para ostentar, não faltaram contradições e recuos em seus dois governos, simbolizados na saída conflituosa de Marina Silva (Rede) do Ministério do Meio Ambiente, em 2008.

Agora, reconciliado com Marina, Lula tem uma tarefa mais difícil do que há duas décadas. Precisará enfrentar no Congresso as pressões de uma bancada ruralista fortalecida, bem como um cenário de banditismo na Amazônia. A seu favor, será facílimo desenvolver políticas e obter resultados melhores que os de Bolsonaro.

Agressão recorrente

Folha de S. Paulo

Caráter contínuo da violência contra mulheres exige ações de proteção antecipada

Uma a cada três mulheres que sofreram violência com arma de fogo no Brasil já havia passado por agressões anteriores. Dito de outro modo, 31% desses casos de violência registrados pelas redes de atendimento em saúde apontam para ciclos de abusos contínuos.

O levantamento é do Instituto Sou da Paz, com base em informações do Sistema de Informações sobre Mortalidade e do Sistema Nacional de Vigilância de Agravos de Notificação, ambos do Ministério da Saúde, referentes ao período entre 2012 e 2020 —último ano com os dados disponibilizados pelo governo federal.

O caráter reiterado é próprio do abuso contra as mulheres no Brasil e no mundo. Para se chegar ao extremo com o uso de arma de fogo, antes as vítimas passaram por outros tipos de violência física e sexual, além da psicológica, moral e patrimonial —descritas na Lei Maria da Penha, de 2006.

Os números atestam o crescimento da chamada violência de repetição contra mulheres no país. Em 2012, 23% dos casos com armas de fogo estavam ligados a agressões anteriores. Em 2018, a cifra passou a 26% e, em 2020, 31%.

O aspecto familiar contribui para a repetição da violência, que ocorre longe das vistas do público: 27% das mortes de mulheres com arma de fogo ocorreram dentro de casa (no caso de homens, são 11%).

Assim, onde mães e esposas deveriam se sentir protegidas é justamente onde se encontram mais vulneráveis: 72% dos casos de agressão armada associados à violência de repetição ocorreram dentro da residência da mulher.

Quando é levado em consideração o fator racial, nota-se que 7 em cada 10 mulheres assassinadas a tiros são negras —sendo que 45% morrem na rua e um quarto em casa, mostrando que esse estrato é mais vulnerável também fora do ambiente doméstico.

Para reverter esse quadro deplorável, é preciso aplicar a lei, que já prevê medidas protetivas e apreensão da arma de fogo do agressor.

Mas também é fundamental que a violência de repetição seja identificada com agilidade —a partir de protocolos que meçam riscos caso a caso— na rede de atendimento básico, como hospitais e postos de saúde, e que haja compartilhamento de dados com os órgãos de segurança e de assistência social.

A realidade chegou para Lula

O Estado de S. Paulo

Enfrentar desafios do País requer mais que boa intenção. Carta de economistas alerta: ignorar relação entre responsabilidade fiscal e social prejudica quem mais precisa de apoio

Em uma didática carta ao presidente eleito, os economistas Arminio Fraga, Edmar Bacha e Pedro Malan explicaram as razões pelas quais Luiz Inácio Lula da Silva precisa abandonar o discurso que opõe responsabilidade fiscal e social e que trata o mercado financeiro como inimigo de seu governo. A carta, publicada pela Folha, traz um diagnóstico sucinto sobre os desafios estruturais da economia e uma reflexão sobre o quanto medidas bem-intencionadas têm o poder de agravá-los, como a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição.

A exemplo da administração atual, a equipe de Luiz Inácio Lula da Silva manteve a prática de criar exceções ao teto de gastos para ampliar despesas que não cabem no Orçamento. Era algo esperado, dado que a proposta fictícia enviada por Jair Bolsonaro ao Congresso se mostrou incapaz de garantir recursos para o piso de R$ 600 do Auxílio Brasil, uma promessa assumida, diga-se de passagem, por todos os candidatos. Violá-lo novamente era algo que não surpreendia ninguém. Até as pedras sabem que o governo Bolsonaro rompeu o teto ao menos cinco vezes, estratégia que autorizou quase R$ 800 bilhões em gastos acima dos limites do dispositivo em quatro anos, segundo mostrou o economista Bráulio Borges, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/ Ibre), à BBC Brasil.

A existência e o propósito da PEC já estavam assimilados, assim como uma licença para gastar de até R$ 100 bilhões para recompor verbas de programas prioritários. Não são essas, portanto, as razões que motivam críticas qualificadas à PEC da Transição, mas o fato de que ela se propõe a extrapolar limites além do necessário e do próprio período de transição que a batizou. Ela simplesmente retira toda a verba do Bolsa Família do teto por tempo indeterminado e, como não indica cortes de outras despesas nem cria novas fontes de receitas, deve ampliar o déficit para mais de R$ 260 bilhões em 2023.

O rombo, por sua vez, será financiado com emissão de dívida pública a uma taxa de juros de 13,75% ao ano. Isso tende a retroalimentar uma inflação já elevada e que hoje é combatida por um Banco Central com autonomia formal para retomar os aumentos da Selic se achar necessário. Um aperto monetário adicional derrubaria qualquer perspectiva futura de investimentos, crescimento econômico e geração de empregos e renda – objetivos defendidos por Lula em todos os seus discursos.

O problema não está no que a PEC traz, mas precisamente no que ela não diz, o que conduz ao ponto fulcral e grande ausente na proposta: não há nenhuma pista sobre qual será a nova âncora fiscal a substituir o teto de gastos. Isso sinaliza uma trajetória ascendente para a dívida pública no médio prazo e um futuro nebuloso para a economia brasileira, e é isso que explica a péssima reação do mercado aos seus termos, bem como a carta do trio de economistas que apoiaram a candidatura de Lula em nome da democracia.

Não se imaginava que o governo eleito tivesse, em 20 dias, uma fórmula pronta para a nova âncora fiscal. O que se esperava eram gestos que representassem um mínimo de comedimento e algum comprometimento com a credibilidade fiscal, o oposto do que a PEC da Transição simboliza. Em se tratando de um país que depende de crédito e que não tem histórico de bom devedor, é impossível fazer tudo ao mesmo tempo sem pressionar a inflação e os juros, fatores que prejudicam, sobretudo, os mais pobres.

Mesmo desmoralizado, o teto obrigou a sociedade a fazer escolhas e, se hoje falta dinheiro para a área social, é porque os representantes da sociedade, equivocadamente, não lhe dão a relevância que ela merece – afinal, muitas outras despesas contam com verbas asseguradas, entre elas as secretas emendas de relator. Como destacam os economistas, essa é a realidade que precisa ser encarada com transparência e coragem por parte da equipe de transição, do Legislativo e, sobretudo, de um presidente que diz ter como prioridade zero acabar com a fome no País. Cumprir esse nobre objetivo social é impossível sem “a tal da responsabilidade fiscal”.

A ameaça dos navios fantasmas

O Estado de S. Paulo

Acidente com navio abandonado no Rio de Janeiro alerta para a urgência de eliminar os lixões portuários

É um problema no mundo todo, que todo mundo tenta ignorar: nas zonas portuárias, dezenas de carcaças de embarcações abandonadas se acumulam por anos a fio em verdadeiros cemitérios flutuantes. É preciso que uma delas se desgarre e vague à deriva como um zumbi, ameaçando a sociedade e a natureza, para que as autoridades despertem para as ameaças à sociedade e à natureza oferecidas por todas as outras.

Foi o que aconteceu na segunda-feira à noite no Rio de Janeiro, quando a âncora apodrecida de um graneleiro de 200 metros atracado havia seis anos na Baía de Guanabara cedeu aos ventos, que o arrastaram até colidir com a Ponte Rio-Niterói. Felizmente não houve vítimas, e a ponte não foi danificada. Beirute não teve tanta sorte. Foi a carga de um navio abandonado – 2,7 mil toneladas de nitrato de amônia estocadas de improviso – que explodiu em 2020, deixando 218 mortos, 7 mil feridos, 300 mil desabrigados e US$ 15 bilhões em danos.

Navios fantasmas oferecem riscos severos aos ecossistemas, ao tráfico marítimo e às pessoas que vivem e trabalham no entorno. Deles podem se desgarrar destroços e vazar substâncias tóxicas nos oceanos, enseadas e baías. Em tese, as empresas proprietárias são responsáveis por sua remoção, mas muitas não podem ser encontradas ou foram dissolvidas. O passivo passa a ser dos portos e dos Estados onde os barcos estão sucateados. Para a Baía de Guanabara, não há um levantamento preciso. A Capitania dos Portos contabilizou ao menos 78 embarcações. Em 2016, o Instituto do Ambiente do Rio de Janeiro estimou até 200 peças de lixo náutico.

A prevenção exige mais empenho das autoridades, encabeçadas pela Marinha, na fiscalização dos registros, seguros, manutenção e carga dos navios aportados no País. Quando isso não acontece e os navios são abandonados, os riscos, e os custos para minimizá-los, aumentam.

Alguns poucos desses cadáveres podem ser convertidos em museus, outros, em recifes artificiais. A opção mais comum é o desmantelamento e o aproveitamento de seus componentes. A convenção para a reciclagem de navios da Organização Internacional Marítima oferece orientações valiosas que poderiam ser aproveitadas para atualizar os regulamentos brasileiros. Segundo ela, agindo-se oportuna e conscienciosamente, virtualmente todas as partes dos navios – o aço dos cascos, os geradores, as baterias – podem ser reaproveitadas.

Em 2021, o Cluster Tecnológico Naval do Rio de Janeiro criou um grupo de trabalho intersetorial de reciclagem naval que desenvolveu três produtos, visando a proporcionar mais segurança jurídica, técnica e financeira a empreendedores e investidores: um Guia do Empreendedor, uma Proposta de Anteprojeto de Lei e uma Cartilha do Conselho de Supervisão Técnica. O grupo estima que nos próximos 10 anos o Brasil será o terceiro maior mercado de descomissionamento offshore do mundo.

O alerta da Baía de Guanabara não pode ser ignorado. Quanto mais o tempo passa, mais o risco aumenta. Antes que cemitérios fantasmagóricos, as baías portuárias estão se tornando bombas-relógio. Beirute que o diga.

O mapa econômico depois da pandemia

O Estado de S. Paulo

Novo estudo do IBGE mostra que o peso de SP na economia brasileira continua a diminuir, enquanto Estados com forte produção agropecuária apresentam resultados melhores

A pandemia mudou a classificação dos Estados brasileiros. Ruim para todos, a pandemia afetou de maneira diferente a economia de cada um deles, acentuou algumas tendências, modificou outras e alterou o peso de várias Unidades da Federação na composição da economia brasileira. O novo Brasil que vinha se desenhando desde o início do século foi, como o resto do mundo, duramente afetado pela covid-19. Em 2020, o PIB brasileiro diminuiu 3,3%, de acordo com novo estudo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Das 27 Unidades da Federação, 24 registraram queda de seu produto. Apenas 2 Estados, Mato Grosso do Sul e Roraima, cresceram e 1, Mato Grosso, não cresceu nem encolheu.

Mas, entre os que viram sua economia encolher, uns sentiram mais os efeitos das medidas necessárias para conter o avanço da pandemia. A economia do Estado de São Paulo, por exemplo, diminuiu 3,5%, mais do que a média nacional. Por isso, o peso da economia paulista no PIB brasileiro, que vem diminuindo há anos, encolheu mais. São Paulo continua a ser, por grande margem, a maior Unidade da Federação em termos de produção, mas sua participação, que era de 34,9% do PIB nacional em 2002, ficou em 31,2% em 2020 (em 2019, tinha sido de 31,8%).

A explicação para isso está no efeito da pandemia sobre os três grandes grupos de atividades econômicas aferidos pelo IBGE. Entre 2019 e 2020, a produção da indústria brasileira diminuiu 3,0% e o volume do setor de serviços ficou 3,7% menor. A agropecuária, de sua parte, teve crescimento de 4,2%.

Dos serviços, segundo o IBGE, o de alojamento e alimentação teve redução de 27,0% em 2020 na comparação com o ano anterior. Os serviços domésticos, de sua parte, diminuíram 23,3%. Estes são alguns dos efeitos mais notáveis das restrições à circulação de pessoas para conter a disseminação da covid-19. O setor de serviços é o de maior peso na economia brasileira, com participação de 70,9% no PIB em 2020 (tinha sido de 73,3% no ano anterior). Em São Paulo, essa participação é ainda maior, de 77%, daí o Estado ter sido mais duramente afetado pelo desempenho desse setor.

O fato de a agropecuária ter crescido em ritmo apreciável em 2020, em razão do aumento da produção, sobretudo, de soja, milho e café, além da pecuária, beneficiou Estados do Centro-Oeste. O crescimento do PIB estadual de Mato Grosso Sul é o exemplo mais claro desse efeito. Já no Rio Grande do Sul, onde a agropecuária tem grande peso, a produção foi afetada pela seca.

Como ocorre com o PIB do Estado de São Paulo, a produção somada de Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul também vem perdendo participação no PIB brasileiro. Por isso, o peso das demais 22 Unidades da Federação vem crescendo, e em 2020 chegou a 37,3% do PIB nacional, ante 36% em 2019 e 31,9% em 2002. É uma indicação de um país menos desigual do ponto de vista da produção.

É notável o desempenho de Mato Grosso neste século. Entre 2002 e 2020, o PIB estadual cresceu 130,4%, o que fez sua participação no PIB nacional passar de 1,3% para 2,3%. O PIB de São Paulo aumentou 39,0% nesse período. Entre 2019 e 2020, Mato Grosso passou da 13.ª para a 12.ª posição entre as maiores economias estaduais, superando o Ceará.

Quanto ao PIB por habitante, o estudo do IBGE mostra uma notável diferença entre os Estados. Os mais bem classificados são os das Regiões Sudeste e Centro-Oeste. O Distrito Federal é a Unidade da Federação com o maior PIB per capita do País (R$ 87.016,26), bem maior do que a média nacional (R$ 33.935,76). Em seguida vêm São Paulo (R$ 51.364,73) e Mato Grosso (R$ 50.663,19). Concentração de funcionários públicos, com renda média superior à da população, desenvolvimento econômico acentuado e forte produção agropecuária explicam cada um desses resultados.

No outro extremo, está o Maranhão, com PIB per capita de R$ 15.027,69 em 2020. Corresponde a apenas 17,3% do resultado do Distrito Federal. Esse número parece sintetizar as disparidades regionais, sociais e econômicas do País.

 

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