sábado, 19 de novembro de 2022

Ascânio Seleme - O bem-vindo protagonismo de Alckmin

O Globo

Perfil conciliador, negociador e trabalhador que foi útil na campanha, está sendo muito bem-vindo na transição, e poderá ser ainda mais importante no governo

Enquanto Luiz Inácio brilhava no Egito, com todos os méritos, nos braços dos ambientalistas globais, no Brasil quem operava a máquina da transição com eficiência e diligência era Geraldo Alckmin. Lula escolheu um candidato a vice para ganhar a eleição e encontrou um aliado para governar efetivamente a nação. Alckmin é um homem honesto, de hábitos simples e gestos limitados. Não é exuberante e muito menos extravagante. Seu perfil conciliador, negociador e trabalhador que foi útil na campanha, está sendo muito bem-vindo na transição, e poderá ser ainda mais importante no governo.

Alckmin passou por todos os testes dentro do PT. Foi visto com muita má vontade quando Lula começou a falar internamente em seu nome como candidato a vice. Num dado momento, líderes do PT tentaram barrar o ex-tucano, mas Lula o bancou. Depois de sacramentada a chapa, foi sendo digerido com paciência. Muitos acharam que ele seria apenas mais uma das sacadas políticas do líder, que serviria para ganhar a eleição e nada mais. Os diversos gestos de deferência feitos por Lula em direção a Alckmin mostraram o contrário, e os reticentes começaram a entender que o papel do vice seria importante. Sua nomeação para coordenar a transição não deixou mais dúvidas, o presidente eleito apostava em seu vice.

O primeiro grande serviço de Alckmin em benefício de Lula se deu algumas horas depois de o presidente eleito responder questão sobre furo do teto de gastos para contemplar programas sociais: “Se eu falar isso, vai cair a Bolsa, vai aumentar o dólar? Paciência”. A frase infeliz naturalmente causou imediata turbulência no mercado. Numa entrevista a Míriam Leitão na GNews, pouco mais tarde, Alckmin disse a mesma coisa que Lula, só que com outras palavras e acrescentando o óbvio. “Estamos frente a um problema emergencial, que está sendo corrigido no Orçamento. Se não votar agora a PEC que tira o Bolsa Família do teto, vamos ter milhões de famílias sem os R$ 200 (...) me parece lógico desconstitucionalizar e depois discutir por lei uma (nova) regra com o mercado, com a sociedade, com os partidos (...) não há hipótese de haver irresponsabilidade fiscal”.

O vice-presidente eleito disse ainda que todos os gastos do governo serão revistos pela nova gestão, que dezenas de milhares de contratos serão revisados. Avisou que os subsídios também serão revisitados. Alckmin lembrou ainda que o teto de gastos não foi cumprido em nenhum ano desde a sua aprovação pelo Congresso. E por isso, reiterou o que já havia dito antes, será necessário se criar uma nova âncora fiscal através de um amplo entendimento político.

O ex-governador de São Paulo sabe escolher as palavras certas. Sua ponderação e habilidade para ouvir os interlocutores, com paciência de maneira entender bem o argumento e então responder corretamente, ajudam muito nesse mar agitado em que foi incluído. Não que ao PT faltem quadros ponderados e habilitados para qualquer tipo de negociação política. Muito pelo contrário. Mas um bom picolé de chuchu pode fazer a diferença em meio ao cardápio de sabores da sorveteria petista. Tanto que no dia seguinte ao desarranjo causado no mercado pelas palavras de Lula, a Bolsa voltou a subir e o dólar retornou ao patamar da véspera. A reversão do quadro não pode ser atribuída à fala de Alckmin, mas não dá para negar que equilíbrio sempre ajuda.

No comando do gabinete de transição, o vice-presidente eleito foi conquistando apoios e simpatias mesmo de certos petistas que antes o julgavam um provável estorvo. Por ser discreto, amigável, por saber ouvir, por falar baixo e pausadamente, por não dar ordens, mas orientações, por saber jogar o jogo político, Alckmin só não é unanimidade porque alguns ainda temem que ele se agigante demais politicamente, jogando sombra sobre lideranças do partido de Lula. Claro que Alckmin tem suas próprias ambições, mas da mesma forma sua lealdade é bem conhecida desde os tempos de Mario Covas.

O governo Lula e o Brasil só têm a ganhar com o protagonismo de Geraldo Alckmin.

Pobreza e desmatamento

Lula disse no plenário da COP 27 que não se pode dissociar o aquecimento global da pobreza. Poderia ter se aprofundado na questão brasileira com mais dez linhas de discurso. No Brasil, em razão da falta de oportunidades, populações rurais pobres são polos importantes na devastação de florestas e poluição de rios. Não porque querem, mas porque não têm outra alternativa para sobreviver. Sabe-se que historicamente o arco do desflorestamento ocorre com mais intensidade em torno de novos assentamentos. Os grileiros desmatam para criar áreas e vender para pobres que vão morar e trabalhar na terra. Fora os donos das balsas, os garimpeiros que poluem os rios são pobres sem perspectivas. Ou alguém acha bacana trabalhar nas condições insalubres dos garimpeiros? Dar trabalho e condições dignas de vida, trabalho e educação a esta gente e a seus filhos, longe das florestas e das reservas indígenas, é também combater o aquecimento global.

Caco perigoso

Lula fez um discurso firme, inteligente e comprometido no Egito. Entusiasmou a plateia. Quase toda a fala foi escrita por técnicos e lida pelo presidente eleito. Num dos dois ou três cacos que introduziu, Lula produziu uma certa agonia nos seus assessores. O caco que preocupou foi o seguinte: “O mundo está precisando de uma governança global, sobretudo nas questões climáticas, porque quando nós tomamos uma decisão e ela é levada ao Estado nacional, os empresários não aceitam, deputados e senadores votam contra e vai se criando um amontoado de papel sem funcionamento na gaveta. Precisamos criar um fórum multilateral com poder de decisão definitivo para ser aplicado”. Em que pese ele ter reiterado a soberania nacional no mesmo discurso, a fala fora do script poderia ter causado impacto negativo.

Jatinho

Lula errou, e errou feio, ao aceitar carona no avião de um empresário do setor de saúde para ir ao Egito. O agravante é que, ao que parece, Lula não vê nada de errado nisso. Da mesma forma que jamais se incomodou em usar de maneira exclusiva o sítio de um amigo por anos em Atibaia. É verdade que nem todos os seus assessores têm coragem de apontar erros que ele cometa ou possa cometer. Mas alguns poucos falam. O problema é que Lula não ouve.

Lira na base

O mundo político é mesmo muito dinâmico. Todos sabiam que o Centrão iria migrar para Lula assim que ele fosse eleito. O grupo que já havia participado dos governos petistas antes não se envergonharia ao dar mais um cavalo de pau. Sabia-se também que Arthur Lira, o mais poderoso presidente da Câmara desde Ulysses Guimarães, negociaria com o presidente eleito para permanecer mais dois anos no cargo. O que se vê agora não surpreende. Mas o que resta saber é como Lira vai trabalhar com a ideia de se acabar com o orçamento secreto.

Ministério amplo

Nenhuma dúvida que Lula vai dividir um pouco mais o Ministério entre outras forças políticas do que no seu primeiro mandato. Mas nada tanto assim, que ninguém se engane. Quem espera um Ministério Frente Ampla pode acabar encontrando apenas um Ministério Amplo.

Calma, gente

Numa entrevista à GloboNews, ontem, Armínio Fraga disse que teme que um fracasso do governo Lula abra espaço para a volta da extrema-direita que ameace outra vez a democracia. Claro, com certeza. Mas, calma, o novo governo ainda nem começou.

Auxílio militar

Não é de hoje que gente fora da faixa de pobreza extrema se apropria ilegalmente de recursos como os do Auxílio Brasil. Já na época do Bolsa Família houve muitos desvios denunciados pelos jornais. Mas o de agora, dos 79 mil militares que receberam a ajuda do governo Bolsonaro, foi extremado e quem identificou não foram jornalistas. Foi tão escancarado, que rapidamente o TCU detectou a fraude e a denunciou.

8O horas

O bilionário Elon Musk, novo dono do Twitter, anunciou que os empregados da companhia terão de trabalhar até 80 horas por semana para readequar a empresa ao seu perfil. Mais, disse que não haverá mais almoço grátis nem outros benefícios para os funcionários. Quem não aceitar, será demitido. Oitenta horas por semana significam 12 horas por dia nos sete dias da semana. No Brasil, mesmo depois da reforma trabalhista de Temer que Lula quer rever, Musk se daria mal.

Nome elaborado

O melhor da operação que desbaratou esquema de corrupção na Fundação Getulio Vargas é o seu nome. Batizada de Sofisma, que significa inventar argumentos verossímeis para tornar crível uma história falsa, tem a cara do governo que vai chegando ao fim. Se fosse Operação Fake News também caberia, mas Sofisma é bem mais elaborado.

Erro meu

Na semana passada, por erro na transmissão da coluna, ficou ausente do papel o abre da coluna, que se publicou apenas no site. Neste link é possível ler seu inteiro teor.

 

3 comentários:

Anônimo disse...

Dr. Geraldo Alckmin é um homem honrado na acepção da palavra em quem nós orgulhamos sinceramente.

Fernando Carvalho disse...

Alckmin foi uma lufada de ar fresco. Lula acertou na mosca, Alckmin deu uma alcalinizada no ambiente ácido do petismo radical e dos boçais do fascismo bundalelê.

ADEMAR AMANCIO disse...

Lula e Geraldo,a melhor chapa de todos os tempos.