terça-feira, 31 de janeiro de 2023

Pedro Cafardo - Investir não é perigoso muito pelo contrário

Valor Econômico

Mídia precisa cuidar para não exagerar no pânico fiscal

Uma preocupação da nova administração econômica do governo federal deveria ser o combate ao discurso dominante segundo o qual o investimento público é perigoso. Esse discurso, pela avaliação do prêmio Nobel de Economia Paul Krugman, decorre de um consenso elitista de que os déficits de orçamento são uma ameaça grave, até existencial ao Estado, algo que se mostrou completamente errado nos EUA.

De vez em quando, é preciso dizer obviedades. Fazer investimentos públicos, principalmente em infraestrutura, setor altamente gerador de empregos, não é perigoso. Despejar zilhões de reais nessa rubrica, sem nenhum controle, certamente traz risco. Mas a contenção radical de investimentos é ainda mais perigosa, como se pôde observar nos últimos anos.

No Orçamento brasileiro do ano passado estavam previstos apenas R$ 44 bilhões para investimento público, um dos menores da história, nem mesmo suficiente para repor a depreciação de ativos. A taxa total de investimento público e privado no país ficou em torno de 18% do PIB, em comparação com uma taxa média de 27% em 170 países ricos e em desenvolvimento. Os níveis previstos para este ano são de 43% na China, 34% na Coreia, 32% na Índia e 22% nos EUA.

No Brasil, a predominância do discurso do perigo levou também ao estrangulamento do BNDES. Entre 2008 e 2014, em administrações petistas, o Tesouro Nacional fez empréstimos de R$ 420 bilhões ao banco estatal, que venceriam até 2060. Foi um exagero. Mas igualmente equivocada foi a forma radical como os neoliberais do governo Bolsonaro lidaram com a devolução desses aportes, que “cortou as pernas” do banco. Do total emprestado, com correções, R$ 540 bilhões já foram devolvidos ao Tesouro e ainda serão reembolsados mais R$ 24 bilhões, segundo o novo presidente do BNDES, Aloízio Mercadante.

Quando surgiu o boato de que Mercadante seria indicado para presidir o BNDES, em dezembro, foi um auê no mercado. O temor era de uma reprodução desse passado em que o banco foi fortemente financiado pelo Tesouro. O então presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, resolveu acabar com o boato e confirmou o nome do economista antes de anunciar os novos ministros.

Em entrevista a Miriam Leitão, de “O Globo”, Mercadante rechaçou a ideia da volta da criticada política dos “Campeões Nacionais”, que financiou grandes grupos empresariais com juros subsidiados do BNDES nos governos petistas: “Isso foi superado, é página virada. As empresas que têm acesso ao mercado de capitais não precisam do BNDES”.

Mercadante tenta demonstrar moderação, mas já deixou claro que ele e a equipe econômica vão trabalhar para ampliar investimentos públicos e promover uma desejável reindustrialização do país. Até porque essa questão deixou de ser polêmica na economia global. Não há mais discussão sobre “se” existe necessidade de adoção de políticas industriais nos países em geral, mas sim sobre “qual” política adotar.

O pensamento neoliberal, predominante no Ocidente nas últimas quatro décadas, propalava que o desenvolvimento ocorreria espontaneamente, pelo livre jogo das forças de mercado, profecia nunca realizada. Não há exemplo de país que tenha alcançado o desenvolvimento unicamente impulsionado pelo mercado, sem interferência vigorosa do incentivo do Estado.

Valor tem aberto espaço para a discussão desse tema, principalmente em artigos na seção de Opinião. Jorge Arbache, presidente do Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF), em artigo no dia 12/1, observou que o debate sobre política industrial no mundo teve uma mudança radical: “Saem de cena a promoção do livre-comércio e das cadeias globais de valor e entra em cena a promoção de cadeias locais”. Essa nova diretriz vem sendo ancorada em substanciais recursos orçamentários nos EUA, na União Europeia e em todo o mundo.

Os EUA já fazem essa reversão de política desde o governo de Barack Obama, com o explícito objetivo de proteger os empregos locais. Donald Trump foi além e adotou a política do “reshoring”, que incentiva a volta de empresas americanas sediadas na China e em outros países. Joe Biden deu continuidade às estratégias de seus dois antecessores.

Na Europa, a Comissão Europeia adotou políticas de promoção de indústrias estratégicas, especialmente em áreas tecnológicas. Nesse contexto, como escreveu Arbache, “é pouco realista esperar que o livre-comércio voltará à cena no horizonte visível e parece mais razoável esperar que viveremos num ambiente de mais e não de menos intervenções”.

André Nassif, professor da UFF e ex-BNDES, em artigo no Valor de 13/1 (“Em defesa da política industrial”), diz ser “fato incontestável” que países desenvolvidos e em desenvolvimento relevantes na economia global recorrem a programas ambiciosos de política industrial na atualidade. Nassif contesta o que chama de “mantra” repetido pelos críticos sobre as políticas industriais aplicadas nos governos petistas, que teriam fracassado por causa da ausência de seletividade e excesso de subsídios. Ele argumenta que os estímulos governamentais desse período foram parcial ou totalmente anulados por juros reais muito elevados e pela sobrevalorização cambial. Teria faltado uma coordenação entre as políticas macroeconômicas do governo da época.

Neste momento, portanto, não faz sentido remoer ou condenar políticas de estímulo a investimentos industriais do passado. Melhor será olhar para a realidade global e engajar o país na discussão e implementação de políticas futuras. E não há muito segredo, no Brasil, sobre os setores estratégicos a ser incentivados: os ligados à agroindústria, energia renovável, florestas, biodiversidade etc. Dependendo do sucesso dessas políticas, o Brasil poderá voltar a atrair investimentos estrangeiros para complementar o esforço interno de reindustrialização. A grande oportunidade brasileira, sobre a qual existe indiscutível consenso, está nesses investimentos em tecnologias verdes.

Um BNDES ativo e equilibrado, que não venha a cometer excessos do passado recente, pode ajudar muito. Bem como, interpretando Krugman, uma mídia que não exagere na difusão do pânico fiscal, principalmente o pânico preventivo. Com todas as ressalvas, vale observar que o Brasil terminou 2022 com superávit primário de R$ 126 bilhões.

 

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