Valor Econômico
Mídia precisa cuidar para não exagerar no
pânico fiscal
Uma preocupação da nova administração
econômica do governo federal deveria ser o combate ao discurso dominante
segundo o qual o investimento público é perigoso. Esse discurso, pela avaliação
do prêmio Nobel de Economia Paul Krugman, decorre de um consenso elitista de
que os déficits de orçamento são uma ameaça grave, até existencial ao Estado,
algo que se mostrou completamente errado nos EUA.
De vez em quando, é preciso dizer obviedades. Fazer investimentos públicos, principalmente em infraestrutura, setor altamente gerador de empregos, não é perigoso. Despejar zilhões de reais nessa rubrica, sem nenhum controle, certamente traz risco. Mas a contenção radical de investimentos é ainda mais perigosa, como se pôde observar nos últimos anos.
No Orçamento brasileiro do ano passado
estavam previstos apenas R$ 44 bilhões para investimento público, um dos
menores da história, nem mesmo suficiente para repor a depreciação de ativos. A
taxa total de investimento público e privado no país ficou em torno de 18% do PIB,
em comparação com uma taxa média de 27% em 170 países ricos e em
desenvolvimento. Os níveis previstos para este ano são de 43% na China, 34% na
Coreia, 32% na Índia e 22% nos EUA.
No Brasil, a predominância do discurso do
perigo levou também ao estrangulamento do BNDES. Entre 2008 e 2014, em
administrações petistas, o Tesouro Nacional fez empréstimos de R$ 420 bilhões
ao banco estatal, que venceriam até 2060. Foi um exagero. Mas igualmente
equivocada foi a forma radical como os neoliberais do governo Bolsonaro lidaram
com a devolução desses aportes, que “cortou as pernas” do banco. Do total
emprestado, com correções, R$ 540 bilhões já foram devolvidos ao Tesouro e
ainda serão reembolsados mais R$ 24 bilhões, segundo o novo presidente do
BNDES, Aloízio Mercadante.
Quando surgiu o boato de que Mercadante
seria indicado para presidir o BNDES, em dezembro, foi um auê no mercado. O
temor era de uma reprodução desse passado em que o banco foi fortemente
financiado pelo Tesouro. O então presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva,
resolveu acabar com o boato e confirmou o nome do economista antes de anunciar
os novos ministros.
Em entrevista a Miriam Leitão, de “O
Globo”, Mercadante rechaçou a ideia da volta da criticada política dos
“Campeões Nacionais”, que financiou grandes grupos empresariais com juros
subsidiados do BNDES nos governos petistas: “Isso foi superado, é página
virada. As empresas que têm acesso ao mercado de capitais não precisam do
BNDES”.
Mercadante tenta demonstrar moderação, mas
já deixou claro que ele e a equipe econômica vão trabalhar para ampliar
investimentos públicos e promover uma desejável reindustrialização do país. Até
porque essa questão deixou de ser polêmica na economia global. Não há mais
discussão sobre “se” existe necessidade de adoção de políticas industriais nos
países em geral, mas sim sobre “qual” política adotar.
O pensamento neoliberal, predominante no
Ocidente nas últimas quatro décadas, propalava que o desenvolvimento ocorreria
espontaneamente, pelo livre jogo das forças de mercado, profecia nunca
realizada. Não há exemplo de país que tenha alcançado o desenvolvimento
unicamente impulsionado pelo mercado, sem interferência vigorosa do incentivo
do Estado.
O Valor tem aberto espaço para a discussão desse
tema, principalmente em artigos na seção de Opinião. Jorge Arbache, presidente
do Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF), em artigo no dia 12/1,
observou que o debate sobre política industrial no mundo teve uma mudança
radical: “Saem de cena a promoção do livre-comércio e das cadeias globais de
valor e entra em cena a promoção de cadeias locais”. Essa nova diretriz vem
sendo ancorada em substanciais recursos orçamentários nos EUA, na União
Europeia e em todo o mundo.
Os EUA já fazem essa reversão de política
desde o governo de Barack Obama, com o explícito objetivo de proteger os
empregos locais. Donald Trump foi além e adotou a política do “reshoring”, que
incentiva a volta de empresas americanas sediadas na China e em outros países.
Joe Biden deu continuidade às estratégias de seus dois antecessores.
Na Europa, a Comissão Europeia adotou
políticas de promoção de indústrias estratégicas, especialmente em áreas
tecnológicas. Nesse contexto, como escreveu Arbache, “é pouco realista esperar
que o livre-comércio voltará à cena no horizonte visível e parece mais razoável
esperar que viveremos num ambiente de mais e não de menos intervenções”.
André Nassif, professor da UFF e ex-BNDES,
em artigo no Valor de
13/1 (“Em defesa da política industrial”), diz ser “fato incontestável” que
países desenvolvidos e em desenvolvimento relevantes na economia global
recorrem a programas ambiciosos de política industrial na atualidade. Nassif
contesta o que chama de “mantra” repetido pelos críticos sobre as políticas
industriais aplicadas nos governos petistas, que teriam fracassado por causa da
ausência de seletividade e excesso de subsídios. Ele argumenta que os estímulos
governamentais desse período foram parcial ou totalmente anulados por juros
reais muito elevados e pela sobrevalorização cambial. Teria faltado uma
coordenação entre as políticas macroeconômicas do governo da época.
Neste momento, portanto, não faz sentido
remoer ou condenar políticas de estímulo a investimentos industriais do
passado. Melhor será olhar para a realidade global e engajar o país na
discussão e implementação de políticas futuras. E não há muito segredo, no
Brasil, sobre os setores estratégicos a ser incentivados: os ligados à
agroindústria, energia renovável, florestas, biodiversidade etc. Dependendo do
sucesso dessas políticas, o Brasil poderá voltar a atrair investimentos
estrangeiros para complementar o esforço interno de reindustrialização. A
grande oportunidade brasileira, sobre a qual existe indiscutível consenso, está
nesses investimentos em tecnologias verdes.
Um BNDES ativo e equilibrado, que não venha
a cometer excessos do passado recente, pode ajudar muito. Bem como,
interpretando Krugman, uma mídia que não exagere na difusão do pânico fiscal,
principalmente o pânico preventivo. Com todas as ressalvas, vale observar que o
Brasil terminou 2022 com superávit primário de R$ 126 bilhões.
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