Confesso que levei o maior susto com a advertência do economista uspiano (USP). Considerando que já existe um mecanismo chamado Convênio de Pagamento de Créditos Recíprocos (escritural), usado pelos bancos centrais dos países. A Argentina tem sabidamente um histórico dramático de calote para liquidação de suas dívidas, internas e externas. Essa história de moeda comum (sur) pode custar caro aos brasileiros, como ocorre com o Paraguai, em Itaipu, que opera com um referencial monetário comum. Em reais, o Paraguai deve R$ 9 bilhões ao Brasil só de consumo da energia de Itaipu. Na América Latina, diz Pessoa, desejamos sempre arrumar um inimigo, não para fazer guerra, mas para esconder a incompetência ". Investe-se na memória curta dos cidadãos.
Moeda comum não é o mesmo que moeda única.
Os países escolhem usar uma mesma referência monetária em suas negociações
comerciais e financeiras, não bem como uma divisa circulante na economia
cotidiana, como é o caso do real e do peso. As importações, exportações e
demais negociações entre as autoridades financeiras passam a ser feitas com
base no valor da moeda comum. A ideia é livrar os dois países do dólar norte
americano como padrão de referência. Ora, é preciso de lastro econômico para
isso. Se a economia não tiver esse suporte, o comércio bilateral vai dar a
impressão de um retorno ao velho escambo, relação de troca de mercadorias,
e resultar em muito prejuízo para um ou outro..
As duas economias não são tão virtuosas. No Brasil, o déficit público é maior que o PIB de vários países do continente. Na Argentina, a inflação fechou o exercício de 2022 em 95% e a taxa de câmbio oficial em 184 pesos para a compra de um dólar. No mercado livre(negro) um dólar compra 382 pesos. São sinais de que a confiança na economia argentina é uma das mais baixas no mercado internacional. É essa mesma economia que, segundo o presidente brasileiro Luís Inácio da Silva, está apresentando "resultados positivos". O aval foi dado ao discursar na reunião da ressurreta Cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), em Buenos Aires, que reuniu 33 países do hemisfério, na última semana. A economia argentina é governada por seu aliado Alberto Fernández, o único chefe de Estado a visitar-lhe na prisão em Curitiba. Sua retórica paradoxal está também em campo para defender a democracia, embora em plena campanha para descaracterizar como ditaduras os regimes de Cuba, Venezuela e da Nicarágua.
O país portenho atravessa uma crise econômica e política explícita e confusa. A vice-presidente de Martinez, Cristina Kirchner, foi condenada pela Justiça a seis anos de prisão. Quase que concomitante, a Argentina teria concedido à China, na província de Neuquén, sem consultar a nenhum vizinho, uma área na estepe da Patagônia, de 200 hectares, para instalação de estações espaciais. Funciona quase como um enclave soberano, onde vigora a lei chinesa, circulam trabalhadores e cientistas chineses, usam o mandarim e obedecem a uma autoridade militar chinesa, revelou reportagem da agência Reuters
Num roteiro de ambiguidades políticas em Buenos Aires, o presidente brasileiro, na sua primeira viagem ao exterior, manteve uma série de encontros bilaterais com chefes de governo e representantes da Comunidade Europeia (UE) e da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação(FAO). O que foi dito não se sabe. As reuniões ocorreram à margens da 7ª Cúpula dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos.
O presidente do Uruguai, Luís Lacalle, que também teve um encontro com Lula, concluiu que a ideologia e a retórica não ajudarão a recuperar economia nenhuma. Está sacando qual é a do Brasil - quer ser reconhecido mundialmente como líder da América Latina, com essa história de abrir os cofres do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para os vizinhos. Ele sabe que o Brasil não tem essa disponibilidade toda. Daí, disse, preferir optar por um acordo de comércio direto com a China, ao invés de continuar amparando a economia do seu país em dois vizinhos macroeconomicamente instáveis.
A decisão unilateral do Uruguai, cuja economia é atualmente uma das mais equilibradas do planeta, bate de frente com os acordos do Mercosul. Contudo, já circula uma, inconfessa, conclusão entre parceiros de que "Se é para tirar vantagens comerciais, locupletemo-nos todos”. Como a economia da China baseia-se em mão de obra e matéria prima barata, é bastante duvidosa a extensão de um acordo desses para o Brasil. Pior ainda seria para a Argentina. Pode causar desmoronamentos nos sistemas produtivos nacionais e, quem sabe, até levar o Mercosul a um desastre total.
Os governos precisam ficar atentos ao que estão negociando entre si. Estão açodados...A moeda comum, seja analógica ou digital, tentada no passado (austral), por uma Argentina em colapso econômico (2001), já sinaliza que não será solução para as crises de brasileiros e argentinos, ambos gastadores populistas endêmicos das divisas do Estado; se não resultar no financiamento, pelos brasileiros, dos déficits públicos argentinos. Fernando Henrique Cardoso, quando presidente, quase caiu numa conversa dessas, ouvindo atento o esperto ministro da economia argentino, Domingo Cavallo, com seu Plano de Convertibilidade, que estabelecia a paridade de um para um entre o peso e o dólar. Veja-se o tamanho da pretensão. Não é só no futebol. Cavallo foi demitido logo depois por incompetência.
*Jornalista e professor
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