terça-feira, 31 de janeiro de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Rever metas de inflação seria um equívoco

O Globo

Para facilitar ação do BC, Lula precisa repetir os acertos de seu primeiro governo, não erros do governo Dilma

Está previsto para amanhã o primeiro anúncio do Banco Central (BC) sobre juros desde a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A expectativa é que sejam mantidos em 13,75%. Mas é outro o motivo que preocupa os agentes econômicos. O discurso populista de Lula contra o BC, repetido ad nauseam no início do mandato, alimenta a especulação de que o governo tente levar o Conselho Monetário Nacional (CMN) a rever as metas de inflação para os próximos dois anos.

Lula já acusou o BC de incompetência e afirmou que as metas de inflação são duras demais, por isso os juros são altos — duas acusações sem amparo na realidade. Em vigor desde 1999, o sistema de metas é um dos pilares da credibilidade do real. Ao divulgar com antecedência o percentual que o BC deve perseguir, o CMN ancora as expectativas de consumidores, empresários e investidores. O objetivo deste ano é 3,25%. Em 2024 e 2025, de 3%, com margem de tolerância de 1,5 ponto percentual para cima e para baixo.

Há pressão crescente de economistas heterodoxos para que esse objetivo seja aumentado, sob o argumento de que ele dificulta o trabalho do BC ao obrigá-lo a manter o juro alto demais. Trata-se de um equívoco. O BC não estabelece a taxa real de juros, obtida subtraindo a inflação do juro nominal (a Selic de 13,75%). Elevar a meta só contribuiria para deteriorar as expectativas inflacionárias, obrigando a autoridade monetária a praticar juros ainda mais altos para conter a alta de preços.

O resultado, diz relatório da consultoria A.C. Pastore & Associados, viria na forma de “aumento da inflação, com a taxa real dos juros permanecendo alta e o crescimento econômico mais baixo”. É um erro achar que basta subir a meta para que os juros reais caiam. Haveria alta descontrolada dos preços, mantendo o custo do crédito nas alturas. Seria, para empregar o lugar-comum repetido no relatório, equivalente a “tentar apagar o fogo com gasolina”.

É verdade que a inflação ficou acima do teto da meta nos últimos dois anos. O problema da análise heterodoxa é fechar os olhos para as causas. Com o objetivo de se reeleger, Jair Bolsonaro elevou os gastos públicos, aquecendo a demanda. De um lado, o governo aumentava a temperatura e, de outro, o BC tinha de ser mais conservador para esfriá-la.

Com Lula, a incerteza aumentou. Cada ataque ao BC inspira desconfiança. Só falar em mexer nas metas já contribui para gerar inflação. Em fevereiro, o governo deverá indicar um novo nome à diretoria de política monetária do BC. Alguém de perfil heterodoxo traria insegurança. Nas duas próximas reuniões do CMN, em fevereiro e junho, todos estarão de olho na decisão do trio formado pelos ministros Fernando Haddad, Simone Tebet e pelo presidente do BC, Roberto Campos Neto. Seria temerário se prevalecesse a mentalidade “só um pouquinho de inflação não dói”. Foi o que aconteceu no governo Dilma Rousseff, com o BC sob Alexandre Tombini. O resultado foi uma recessão desnecessária e dolorosa.

As expectativas continuam a mostrar deterioração na projeção de inflação. O maior temor é a gestão das contas públicas. Se Lula fosse mais austero no plano fiscal, o mercado confiaria na capacidade de pagamento do governo e não exigiria juros tão altos para financiar seus gastos. O BC teria então mais espaço para baixar os juros. Lula tem de repetir os acertos de seu primeiro governo, não os erros do governo Dilma.

Fuga de traficante de Bangu expõe a vulnerabilidade dos presídios no Brasil

O Globo

Chefe de tráfico escapou com uma corda feita de lençóis, num momento em que as câmaras não funcionavam

Considerado altamente perigoso pelas autoridades, o traficante Jean Carlos Nascimento dos Santos, conhecido como Jean do Dezoito — ele chefiou o tráfico de drogas no Morro do Dezoito, em Água Santa, Zona Norte do Rio — não precisou recorrer a métodos sofisticados para fugir da Penitenciária Lemos Brito, no Complexo de Gericinó. Na madrugada de domingo, ele e outros dois comparsas recorreram à velha “teresa”, corda improvisada com lençóis, para descer pelo muro, ao lado da base do Serviço de Operações Especiais, e dar no pé com facilidade.

Jean do Dezoito tem uma folha corrida com 40 anotações criminais. Em outubro de 2013, comandou a invasão do Fórum de Bangu, Zona Oeste do Rio, para resgatar dois cúmplices que atuavam como testemunhas de defesa num processo. A ação violenta deixou dois mortos, um policial e uma criança. Investigações revelaram que o criminoso queria executar um juiz, e isso só não aconteceu porque houve troca de tiros. Três anos depois, Jean mandou matar o próprio advogado.

As circunstâncias da fuga ainda estão sob investigação. Sabe-se que as câmeras de segurança não estavam funcionando no momento em que os três escaparam. Funcionários alegaram que houve queda de energia durante um temporal e que, apesar de os geradores terem sido ligados, o equipamento não voltou a operar. Depois da fuga, a Secretaria de Administração Penitenciária suspendeu visitas e promoveu uma vistoria. Desde domingo, a Divisão de Recaptura da Polícia Penal faz buscas pelos criminosos em favelas da região.

A fuga acintosa no Complexo de Gericinó expõe um problema que o país não consegue resolver: a vulnerabilidade dos presídios. Cadeias abarrotadas, instalações precárias, segurança frágil e disputas internas sangrentas entre facções compõem um cenário que facilita fugas e motins. Havia no Lemos Brito apenas sete agentes para vigiar 763 presos, uma lotação 48% acima da capacidade do presídio.

Em 2020, no auge da pandemia, 400 detentos em regime semiaberto fugiram de uma prisão na Baixada Santista depois da suspensão das saídas temporárias devido ao risco de contaminação. Houve rebeliões do tipo em pelo menos outros quatro presídios do interior paulista.

A situação é tão desafiadora que nem presídios modernos se revelam confiáveis. Em dezembro, um detento fugiu de uma unidade de segurança máxima recém-inaugurada em Foz do Iguaçu, no Paraná. Foi recapturado com a ajuda de drones e cães do Serviço de Operações Especiais (SOE), mas a volta à prisão não encobre a falha.

Governos não dispõem de recursos para construir presídios de segurança máxima a toda hora. Mas o mínimo a esperar de qualquer prisão é que ela tenha condição de segurança para manter presos os que lá estão, especialmente se são perigosos. Indignação a posteriori não basta. É preciso que os estados e o governo federal tenham cadeias capazes de cumprir sua missão óbvia: afastar criminosos bárbaros do convívio com a sociedade.

Arrecadação robusta de 2022 não deve se repetir

Valor Econômico

Desaceleração da economia reduzirá receita e o lucro das companhias

A Receita Federal divulgou resultado recorde da arrecadação em 2022. O recolhimento de tributos cresceu, apesar das desonerações promovidas pelo governo Bolsonaro para tentar impulsionar seus resultados nas urnas e frear a inflação. Mas a perspectiva é que a receita vai diminuir neste ano, na esteira da desaceleração do nível de atividades, mesmo que alguns tributos voltem a ser aplicados, e de mudanças no cenário, como o recuo dos preços de algumas commodities.

A arrecadação de impostos federais totalizou R$ 2,218 trilhões no ano passado, 8,18% a mais do que em 2021, em termos reais, alavancada pela expansão da economia, estimada em cerca de 3%. Empresas dos segmentos de commodities, combustíveis e alimentos foram favorecidas pela alta de preços e pagaram mais impostos sobre receitas maiores. O quadro não foi tão positivo em Estados e municípios, prejudicados pela redução do ICMS determinada pelo Palácio do Planalto e pelo Congresso.

Dois impostos tiveram papel importante para o resultado federal, o Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e a Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL), que arrecadaram R$ 489,6 bilhões, 17,73% a mais em termos reais do que no ano anterior. Houve um aumento de 82,09% na arrecadação da declaração de ajuste do IRPJ e da CSLL, decorrente de fatos geradores ocorridos ao longo de 2021.

Outro destaque foi o IRRF - Rendimentos de Capital, que arrecadou R$ 97,130 bilhões em 2022, com aumento real de 67,23% sobre o ano anterior. Esse resultado foi turbinado pelo salto nominal de 157% na arrecadação de imposto sobre os fundos de renda fixa e de 139,54% sobre as aplicações em títulos de renda fixa, tanto de pessoas físicas quanto de empresas, que somaram R$ 97,1 bilhões. A taxa Selic saltou de 2% no início de 2021 para os atuais 13,75% ao ano.

A receita previdenciária proporcionou arrecadação de R$ 564,7 bilhões, representando acréscimo real de 5,98% sobre 2021. Esse resultado se deve ao aumento real de 8,23% da massa salarial e alta real de 12,85% na arrecadação da contribuição previdenciária do Simples Nacional.

O recorde ocorreu mesmo com o governo federal deixando de arrecadar R$ 120,447 bilhões por causa de desonerações tributárias. O governo abriu mão de R$ 43 bilhões com a desoneração de combustíveis e redução do IPI. Foram R$ 25,85 bilhões referentes ao corte de tributos federais sobre gasolina, diesel e etanol, e os R$ 17,2 bilhões restantes do IPI, metade dos quais seria repassado a Estados e municípios.

O aumento da arrecadação foi determinante para o superávit de R$ 54,1 bilhões obtido pelo governo central no ano passado, marco positivo registrado pela primeira vez desde 2013.

O balanço positivo tem vida curta. Não há a mais remota expectativa de que esses números serão batidos neste ano, apesar da possibilidade de o governo rever a desoneração dos combustíveis. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já gostaria de ter revisto esse artifício do governo, mas cedeu à área política, preocupada com um impacto no salto da inflação e de reações negativas do eleitorado bolsonarista. Em entrevista ao Valor (27/1), Haddad disse que a cotação internacional do petróleo e o câmbio já estão mais favoráveis a um movimento desse tipo, mas ainda evita definir uma data.

O pacote para reduzir o déficit primário deste ano, previsto em 2,2% do PIB na Lei Orçamentária, para 0,5% a 1%, divulgado por Haddad há cerca de duas semanas, embute uma reestimativa de receita deste ano de R$ 36,4 bilhões. Segundo os economistas que analisaram o plano, ele é basicamente calcado no aumento da arrecadação e é fraco em corte de despesas. Cálculos do Instituto Fiscal Independente (IFI) estimam que pode produzir um aumento de R$ 56,3 bilhões da arrecadação.

Os valores são muito pequenos perto das intenções de gasto do governo petista. O principal empecilho para a sustentação da arrecadação, porém, é a desaceleração da economia, que reduzirá receita e o lucro das companhias, diminuindo os impostos que recolhem. Relatório Focus do Banco Central (BC) mostra a previsão de que o PIB deve crescer menos de 1% neste ano - 0,80% na pesquisa divulgada desta semana -, e que a inflação não deve dar maior trégua, ficando em 5,74%, praticamente igual aos 5,79% do IPCA de 2022.

Reformas em jogo

Folha de S. Paulo

Mudanças nos impostos e nova regra fiscal devem ser prioridades no Congresso

Quando insiste em criticar a autonomia do Banco Central e a responsabilidade orçamentária, temas críticos para a construção da credibilidade do governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) dificulta o já complexo trabalho de seu ministro da Fazenda.

Fernando Haddad, de fato, tem muito a fazer nos próximos meses. Anunciou que seu foco será a reforma tributária, em duas etapas, e a definição de uma nova regra fiscal que impeça o crescimento continuado da dívida pública. Essas devem ser as prioridades econômicas na volta dos trabalhos do Congresso.

A primeira parte da reforma diz respeito à simplificação da taxação de bens e serviços. O objetivo da proposta, já tentada outras vezes, é reunir os impostos indiretos de competência dos três níveis federativos numa única cobrança.

Ademais, a incidência seria no local de consumo, o que na prática significa o fim da guerra fiscal que já tanto exauriu estados e municípios. É inegável o potencial da mudança para gerar ganhos de produtividade e acelerar o crescimento.

A reforma sofre grande resistência de alguns setores e sempre haverá a dificuldade de tratar os pedidos de compensação dos entes regionais. No entanto, com o debate já avançado, o país tem agora a melhor oportunidade em décadas para um passo efetivo nessa área.

A outra prioridade de curto prazo é a definição da regra fiscal que substituirá o desgastado teto de gastos, afrontado na gestão de Jair Bolsonaro (PL) e na transição de governo com a PEC da Gastança.

Vista-se como quiser o problema, a realidade é inescapável: para estabilizar a dívida ao longo do tempo é necessário um ajuste equivalente a pelo menos 3% do PIB (cerca de R$ 300 bilhões) nas receitas e despesas, de forma permanente.

Em vez de falar para a torcida petista, é bom que Lula vá a campo para negociar a proposta do governo entre os ganhadores e perdedores dessa que deveria ser a mais ampla reformulação orçamentária dos últimos anos.

Se as contas forem percebidas como inconsistentes pelo mercado, haverá elevação do risco de crédito do governo, e com ele subirão a inflação e os juros.

Na segunda metade do ano, entra a segunda etapa da reforma tributária, que versa sobre o Imposto de Renda e a tentativa de instituir a cobrança sobre dividendos.

Há um espinhoso debate pela frente, e se Lula insistir na má ideia de isentar da cobrança de IR quem ganha até R$ 5.000 mensais, o rombo a ser coberto aumentará.

Os temas em pauta lidam com o âmago do conflito distributivo no país. Não será com discursos divisivos e passadistas que se conseguirá alinhamento na sociedade. e convencimento do Congresso.

Cuidado com motos

Folha de S. Paulo

Diálogo entre prefeitura e aplicativos precisa garantir segurança ao serviço

Aplicativos de transporte geram renda e facilitam a mobilidade nas grandes cidades, mas o serviço com motocicletas deu início a uma controvérsia na cidade de São Paulo.

No dia 7 de janeiro, a prefeitura publicou um decreto que proíbe a modalidade por tempo indeterminado. Será criado um grupo de trabalho com representantes de empresas, especialistas e motociclistas para que a atividade seja oferecida de forma legal e segura.

A empresa Uber suspendeu o serviço nesta segunda-feira (30) e afirmou que está aberta ao diálogo. Já a 99 ainda pretende ofertá-lo. Ambas justificam a modalidade a partir da Política Nacional de Mobilidade Urbana, que prevê o uso de motocicletas para transporte remunerado de passageiros.

Há também resolução do Contran, de 2022, que estabelece requisitos de segurança. Entretanto inexiste norma que trate do serviço por aplicativos. O projeto 7.376/2017, em tramitação na Câmara, visa preencher essa lacuna.

O serviço de mototáxi, mesmo sem aplicativos, é proibido em São Paulo desde 2018 pela lei municipal 16.901. Contudo, uma decisão do Tribunal de Justiça do estado considerou o diploma inconstitucional.

Assim, a atividade encontra-se numa espécie de limbo legal —e é utilizada pela população na periferia e no centro da cidade.

Ainda que se considerem os aspectos positivos para a economia e a mobilidade que podem ser gerados por aplicativos, a decisão da prefeitura demonstra sensatez, dado os números relativos a acidentes com esse meio de transporte na cidade e no país.

Nos últimos 25 anos, a frota de motos no Brasil cresceu 983%, e o número de motociclistas mortos por ano aumentou 977%.

No estado de São Paulo, o índice de mortes de condutores, passageiros e pedestres envolvendo motocicletas bateu recorde em 2022, com 2.089 vítimas no ano, alta de cerca de 8% em comparação com 2021. Na capital, o aumento foi de 29,4%, com 405 óbitos.

A faixa azul exclusiva para esse tipo de transporte é uma medida promissora da prefeitura. Após um ano de implantação na avenida 23 de Maio, nenhuma morte foi registrada —ante 12 óbitos entre 2019 e 2021. O município pretende expandir a iniciativa em mais 220 km.

Novas tecnologias podem, sem dúvida, melhorar a qualidade de vida da população. O papel do poder público é precaver-se contra efeitos adversos a partir da regulação.

A contaminação golpista na polícia

O Estado de S. Paulo.

Pesquisa mostra que 4 em 10 policiais entendem que é ‘legítima’ a pauta dos extremistas que vandalizaram Brasília. Não há democracia quando o vírus do golpismo afeta forças de segurança

O fortalecimento da democracia brasileira, submetida nos últimos quatro anos a ataques inéditos desde o fim da ditadura militar, passa, obrigatoriamente, pela despolitização das forças de segurança pública. Na prática, isso significa nada mais do que circunscrever a atuação dos agentes aos limites impostos pelas leis e pela Constituição.

Malgrado se tratar de uma obviedade, uma pesquisa realizada com policiais há poucos dias pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) mostrou que o desafio de trazer parte deles para os trilhos do Estado Democrático de Direito nada tem de trivial. Quase 40% do total de entrevistados disseram concordar, no todo ou em parte, com o seguinte enunciado: “A invasão (da Praça dos Três Poderes, no dia 8 de janeiro) é condenável e não pode ser tolerada, mas as pautas defendidas pelos invasores eram legítimas e não atentam contra a democracia”.

O fato de 4 em cada 10 policiais do País verem como “legítima” a agenda golpista dos que tomaram de assalto as sedes dos Poderes em Brasília é, sem dúvida, muitíssimo preocupante. Resta evidente que há, no mínimo, uma lacuna de formação democrática para uma parcela expressiva das forças de segurança pública, se não um vácuo de comando. A bem da verdade, o problema é antigo. Desde muito antes de chegar à Presidência da República, Jair Bolsonaro já inoculava os vírus do golpismo e da insubordinação no seio das Forças Armadas e das polícias.

A integridade funcional de uma parcela dos policiais federais, rodoviários, civis e militares foi conspurcada pela ideologia bolsonarista, em tudo contrária aos princípios republicanos. Inspirados pelo ex-presidente, muitos policiais se sentiram confortáveis para manifestar publicamente suas visões peculiares sobre “liberdade de expressão”, “povo” e “democracia”. Naquele fatídico 8 de janeiro, o País pôde ver, atônito, o que acontece quando agentes públicos sobrepõem suas opiniões políticas às suas obrigações legais.

O Estado detém o monopólio da violência. Seus agentes armados, portanto, devem exercer a função pública no estrito cumprimento do ordenamento jurídico, independentemente de suas crenças, valores e opiniões políticas particulares. Quem serve ao Estado portando armas, é evidente, não pode se envolver em questões políticas. Trata-se de um princípio elementar da democracia. Apenas como exercício de imaginação, pensemos no caos em que o País estaria mergulhado se cada policial na esquina pautasse suas ações segundo suas convicções morais, políticas ou religiosas.

Ao mesmo tempo que lançou luz sobre o alto grau de contaminação política das forças de segurança pública, a pesquisa do FBSP também trouxe um dado alentador. Para 62,1% dos policiais entrevistados, seus colegas que, por ação ou omissão, facilitaram a ação dos golpistas devem ser punidos. Outro dado auspicioso trazido pela pesquisa é que a maioria dos agentes (62,9%) acredita que a politização atrapalha o bom exercício das atividades-fim das corporações.

“Isso prova que eles (os policiais) entendem que a questão política atrapalha (as atividades-fim das polícias)”, disse ao Estadão o presidente do FBSP, Renato Sérgio de Lima. Ao mesmo tempo, Lima ressaltou o quão árdua será a faina para afastar a política dos quartéis quando quase 40% dos policiais não veem como atentatórias à democracia as reivindicações dos extremistas bolsonaristas. Sem dúvida, reverter essa percepção será o desafio de uma geração de autoridades policiais absolutamente comprometidas com a Constituição.

A todos os brasileiros são assegurados o direito à opinião e a liberdade para expressá-las nos limites da lei. Evidentemente, militares e agentes de segurança pública, como cidadãos, podem e devem ter suas opiniões sobre qualquer tema. Entretanto, jamais podem manifestá-las nos casos em que há vedação legal para isso e, menos ainda, nortear o exercício de suas funções com base em suas convicções pessoais. Não há democracia sem respeito às leis. E são justamente os policiais, nas ruas, os primeiros a zelar por seu cumprimento por todos os cidadãos.

Os pesos e as medidas de Lula

O Estado de S. Paulo.

Uma ministra teve apoio de milicianos. Um ministro deu verba para estrada que passa em sua fazenda. O País quer saber onde está o presidente que criticava milicianos e orçamento secreto

Na campanha eleitoral, o petista Lula da Silva chamou o orçamento secreto de “bandidagem” e acusou seu adversário, o então presidente Jair Bolsonaro, de ser uma “pessoa má” que “anda com assassinos e milicianos”. Eleito presidente, Lula não parece mais tão convicto de sua ojeriza a milicianos e ao orçamento secreto, ao menos em casos envolvendo ministros seus.

O Estadão revelou que o ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União Brasil), direcionou R$ 5 milhões do orçamento secreto para asfaltar uma estrada de terra que passa em frente à sua fazenda, em Vitorino Freire (MA). A propriedade abriga uma pista de pouso e um heliponto. Segundo o jornal apurou, Juscelino Filho destinou R$ 50 milhões em emendas de relator. Parte dos recursos (R$ 16 milhões) foi encaminhada à prefeitura de Vitorino Freire, cuja prefeita, Luanna Rezende, é irmã do ministro das Comunicações.

No caso relacionado a Juscelino Filho, dois pontos adicionais chamam a atenção. A empresa contratada pelo município de Vitorino Freire para realizar a obra da estrada é de Eduardo José Barros Costa, o Eduardo Imperador, amigo de longa data da família do ministro das Comunicações. Cinco meses após a assinatura do contrato, o empresário foi preso pela Polícia Federal, acusado de pagar propina a servidores federais para obter obras na cidade. Além disso, o engenheiro da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) que assinou o parecer autorizando o valor orçado para a pavimentação foi indicado pelo grupo político de Juscelino Filho. Ele foi afastado do cargo sob suspeita de receber R$ 250 mil em propina de Eduardo Imperador.

Em outro caso, revelado no início de janeiro, soube-se que a ministra do Turismo, Daniela Carneiro (União Brasil), tem animadas relações com milicianos. Deputada federal mais votada do Rio de Janeiro no ano passado, Daniela Carneiro recebeu apoio, como cabo eleitoral, de Giane Prudêncio, a “Giane Jura”, mulher do miliciano Juracy Alves Prudêncio, o Jura, condenado a 26 anos de prisão pelos crimes de associação criminosa e homicídio. Ex-sargento da Polícia Militar, ele cumpre atualmente a pena em regime semiaberto. Giane Jura aparece ao lado da ministra do Turismo em fotos nas redes sociais.

Não obstante essa documentada série de evidências, a ministra do Turismo segue no cargo, do qual já deveria ter sido afastada desde que o caso foi tornado público. Do mesmo modo, não parece haver dúvida de que o ministro das Comunicações deve ser chamado pelo presidente Lula para dar explicações, se é que há alguma, para tão evidente imoralidade no uso de verba pública.

Sabe-se que Lula da Silva teve que contrair dívidas políticas para ampliar sua esquálida base parlamentar e assim ter alguma chance de aprovar os projetos de interesse do governo. Parte dessas dívidas foi paga com a oferta de cargos no governo para os partidos interessados em barganhar votos. Os ministros Juscelino Filho e Daniela Carneiro são a consequência dessa negociação. Ou seja, Lula pagará um preço político nada desprezível se resolver afastá-los, como mandam a ética e a responsabilidade, pois poderá melindrar partidos de cujo apoio precisa.

Por outro lado, Lula pagará igualmente um alto preço se decidir fazer vista grossa aos problemas de seus dois ministros, pois deixará claro para a sociedade que está disposto a sacrificar a decência no altar da governabilidade.

Portanto, o presidente tem uma boa oportunidade de mostrar ao País qual será o real nível de tolerância com malfeitos em seu governo. Não é questão de condenar ninguém por antecipação, mas simplesmente reconhecer que, dada a projeção de um ministro de Estado, é recomendável que, enquanto as circunstâncias não estiverem devidamente esclarecidas, a pessoa seja afastada do cargo público.

Nessa seara, o histórico do PT não é positivo. Grande parte da desconfiança da população em relação ao partido de Lula se deve à conivência, para dizer o mínimo, com escândalos de corrupção. Agora, no início do governo, o País poderá ver se Lula deseja fazer diferente.

Frente ampla pela verdade

O Estado de S. Paulo.

Em meio a uma epidemia de desinformação, liderada pelo presidente, a imprensa soube se unir em prol do bem comum

Após 965 dias ininterruptos de trabalho, o consórcio de veículos de imprensa criado para garantir dados confiáveis sobre a pandemia foi encerrado. O grupo – integrado por Estadão, g1, O Globo, Extra, Folha

e UOL – nasceu num contexto de dupla adversidade: uma epidemia de desinformação global agravada por um presidente orgulhosamente obscurantista.

Desde o início da primeira pandemia na era das redes sociais, as autoridades sanitárias alertaram para os riscos da “infodemia”: a viralização de informações oriundas de fontes não confiáveis. Um estudo publicado no American Journal of Tropical Medicine and Hygiene analisou 2 mil publicações sobre a pandemia nas redes e constatou que apenas 9% traziam informações verdadeiras.

Para piorar, coube ao Brasil a triste sina de ter no comando um chefe de Estado consagrado como líder do negacionismo global. Não foi um caso isolado. A guerra de Jair Bolsonaro contra a realidade produziu muitas baixas. Seu governo bateu recordes de obstruções à Lei de Acesso à Informação e alçou redes bolsonaristas a instrumentos de consulta pública. Quando dados de órgãos públicos – como do IBGE, sobre o emprego, ou do Inpe, sobre o desmatamento – contrariavam Bolsonaro, a reação era “matar o mensageiro”, exonerando ou desqualificando seus diretores. Documentos foram indiscriminadamente classificados como sigilosos e a opacidade foi estendida ao dinheiro público, com o engendramento de um “orçamento secreto”.

Bolsonaro já disse que “o maior problema do Brasil” é “a imprensa”, e que ela foi responsável pela “histeria” da pandemia. Não à toa, os ataques físicos e morais a jornalistas escalaram. O próprio Bolsonaro ameaçou “encher” um jornalista de “porrada”.

Bolsonaro demitiu dois ministros da Saúde, médicos de ofício, por se negarem a convalidar tratamentos comprovadamente ineficazes. Sob a ingerência do intendente Eduardo Pazuello, o Ministério passou a atrasar a divulgação diária – “acabou matéria no Jornal Nacional”, celebrou Bolsonaro. Depois, porque isso seria “bom para o Brasil”, passou a omitir o número acumulado de mortos e infectados.

“Quando o Estado brasileiro falhou no dever mais básico de informação no enfrentamento de uma epidemia, a imprensa, em uma ação inédita, uniu forças para suprir o vazio deixado pela inépcia oficial”, disse o diretor de jornalismo do Estadão, Eurípedes Alcântara. “Cumpriu uma nobre missão em consórcio, contrariando emergencial e temporariamente sua natureza competitiva, que garante a pluralidade de visões.”

Essas circunstâncias excepcionais viriam a se repetir quando o presidente ameaçou o próprio coração da democracia com declarações fraudulentas sobre o sistema eleitoral e 42 veículos se uniram no Projeto Comprova para checar desinformações.

“Esperamos que momentos como o que exigiu a formação do consórcio nunca mais se repitam no Brasil”, augurou Alcântara. Mas, se vierem a se repetir, o cidadão pode confiar que os veículos de imprensa saberão deixar seus interesses particulares de lado para se unir em prol do bem comum.l

5 comentários:

Fernando Carvalho disse...

Editorial do Estadão diz que 4 em dez policiais apoiam a pauta dos patriotários que depredaram as sedes dos três poderes. Apoiar os motivos que mobilizaram os bolsonaristas até eu que sou de esquerda apoio modus in rebus. O que eles queriam golpear Luladrão. Quem quer um ladrão na presidência da República. Ele são a favor de Deus, Família, Pátria e Liberdade? Quem é contra isso? Sou materialista dialético, mas se me disserem que Deus é a natureza, o universo acredito nele. Tenho amigos bolsonaristas, gente bem informada que acreditam "piamente" que o Boçal estava botando o país para funcionar e sem corrupção. A pauta é compreensível. Agora o que concretamente fizeram é condenável. Torço para que o governo da Frente Democrática Antifascista coloque na cadeia especialmente os organizadores, financiadores ( empresários e nazilatifundiários), promotores. E especialmente o boçal que motivou tudo isso.

Jorge Mariano disse...

Fernando Carvalho tem um viés anticapitalista injustificável e sem suporte na realidade. Não há nenhum país rico e de amplo bem-estar social que não tenha fundamentado suas políticas de desenvolvimento econômico na concorrência de mercado, na ganância individual e na liberdade de empreender. Já os exemplos de desastres decorrentes da planificação centralizada da economia abundam de maneira irrefutável em todos os lugares expostos à razia socialista dos alucinados revolucionários herdeiros de Marx. A questão não reside no jeito de produzir, mas como beneficiar a todos pela riqueza criada nas sociedades capitalistas. O Estado regulador existe para isso, organizar os interesses coletivos na selva de interesses individuais. Infelizmente, essa função primordial do Estado brasileiro tem permanecido à margem da atuação pública de todos os governos, incluindo o do PT, uma aliança atávica das velhas elites espoliadoras (artistas, funcionalismo, universidades, empresários pendurados nas tetas do Estado, clientelismo político dos estados, principalmente do Norte e Nordeste) com a massa de miseráveis, que de tão pobres são facilmente manipulados por canalhas e oportunistas atrás dos velhos privilégios de sempre.

Fernando Carvalho disse...

Jorge Mariano. Você é um anticomunista clássico. E deve ser bolsonarista. Veja quem é seu ídolo num post de César Benjamin: "Toda atenção é pouca para o que se passou nos últimos anos nas terras dos ianomâmis. Não só pela tragédia humanitária em curso, que precisa ser controlada no menor tempo possível. Refiro-me a outro aspecto da questão.
Esse território é riquíssimo em ouro, diamantes e outros minérios preciosos. Instalou-se ali uma megacentral criminosa que reúne a nata do bolsonarismo: militares corruptos nomeados para a Funai, pastores pentecostais, facções criminosas, como o PCC, contrabandistas de todos os tipos, conexões internacionais, tudo junto e misturado no comando de 20 mil garimpeiros ilegais, uma verdadeira infantaria de selva.
O GSI, comandado por Augusto Heleno, sempre esteve presente. É o único caso que conheço em que um general de Exército compartilha o mesmo projeto com o crime organizado".
Já saiu a notícia de que o governo Bolsonaro repassou cerca de R$ 900 milhões para uma ONG pentecostal que fretava aviões para levar garimpeiros para lá. Eles assumiram o controle de todos os aeroportos da região. O então presidente esteve lá, pessoalmente.
Tudo financiado com ouro extraído ilegalmente do território brasileiro. Muito ouro, cujos destino se desconhece.
O extermínio do povo ianomâmi, em curso, era condição para o pleno controle dessa área por um estado paralelo que ainda busca consolidar seu controle territorial em uma área de fronteira tríplice ultrassensível. É um caso típico de segurança nacional no mais alto grau.
O que sabemos até hoje é a ponta do iceberg. Se o esquema instalado nas terras dos ianomâmis e adjacentes for completamente desvendado, cai o núcleo duro do bolsonarismo.
Enquanto isso acontecia, as Forças Armadas estavam ocupadas com as urnas eletrônicas.

Jorge Mariano disse...

Fernando, para clareza de posicionamentos, não sou bolsonarista e não votei nele em 2018; votei no segundo turno de 2022 porque acho inaceitável sermos governados por um corrupto contumaz, um cara comprovadamente repleto de vícios que inquinam qualquer justa governação - não que Bolsonaro seja grande coisa ou muito honesto, mas porque com mais 4 anos do maluco nos livraríamos em definitivo de ambos.

Em relação às postagens, meu comentário fazia referência ao termo "nazilatifundiários" que usa frequentemente numa tentativa de pespegar aos trabalhadores agrários a condição de párias da sociedade. Evidentemente, isso não tem nada a ver com seu terceiro comentário nem eu compactuo com crimes abomináveis contra os brasileiros indígenas ancestrais desta Nação.

Sobre os comunistas, aqueles de coração (não os oportunistas), tenho uma grande estima e admiro-lhes os sentimentos igualitários e a bondade, conquanto despreze todas as atrocidades cometidas por meia dúzia de espertos, sempre em defesa de interesses muito particulares em nome de causas justas. Infelizmente, tal sistema romantizado nunca funcionou em lugar nenhum do mundo e sempre conduziu as sociedades seduzidas por tal sistema à ruína e penúria absoluta.

Fernando Carvalho disse...

Prezado, Jorge Mariano. Como você diz que uso frequentemente então você já deve ter lido meus argumentos para tanto: O Brasil é um país de dimensões continentais que nunca fez uma reforma agrária. Vários pequenos países europeus fizeram reforma agrária. Nazilatifundiário não são os trabalhadores agrários. São os descendentes dos "capitães donatários". Exploraram o trabalho escravo dos africanos por quase quatro séculos e depois libertaram-nos com uma mão na frente e outra atrás. Pelo menos nesse momento teriam que ter feito uma reforma agrária que contemplasse cada negro ex-escravo com uma nesga de terra. Em vez disso o Imperador indenizou os latifundiários porque afinal os escravos tinham sido comprados por eles. E a libertação uma forma de expropriação do latifundiário. E até hoje no Brasil existem propriedades rurais dentro das quais cabem pequenos países. Pulando dos territórios das terras para o do dinheiro temos Bilionários e moradores de rua. O Brasil não vai deixar de ser esse bananão colonial exportador de bens primários se não fizer uma reforma agrária e uma reforma tributária distribuidora da renda. O MST diz que agora não são mais os capitães donatários e sim Bunge, Monsanto, Coca-Cola e Nestlé.