Mercado de crédito exige do governo atenção constante
O Globo
Não parece haver risco sistêmico, mas caso
Americanas e rolagem de dívidas corporativas despertam preocupação
A conjunção do tombo das Lojas Americanas
com o cenário de juros altos e crescimento econômico baixo fez os bancos
ficarem mais cautelosos. Não há uma crise de crédito, mas está claro que a
situação exige acompanhamento diário, e o Ministério da Fazenda tem dedicado
atenção às movimentações no mercado. O secretário executivo da pasta, Gabriel
Galípolo, afirmou estar dialogando com interlocutores dos setores produtivo e
financeiro, além do Banco Central. A preocupação é o aumento das exigências
para a concessão ou renovação de empréstimos, sobretudo para empresas médias e
grandes.
Desde o começo do ano, aumentou a demanda por renegociação de dívidas nas empresas especializadas em reestruturação. Até o início de 2024, companhias dos mais diversos setores deverão renegociar pelo menos R$ 260 bilhões em dívidas, segundo levantamento da assessoria financeira Virtus BR. A título de comparação, na crise do governo Dilma Rousseff o montante rolado chegou a quase R$ 500 bilhões. Numa projeção extrema para 2023 feita pela gestora de ativos em crise Starboard, o valor poderia chegar a R$ 700 bilhões. Não é pouco.
Entender como o país chegou a tal situação
é tão importante quanto acompanhar o mercado de crédito. No início da pandemia,
os bancos chamaram as empresas para renegociar suas dívidas. Para evitar uma
quebradeira geral, os prazos foram alongados. Com o início da vacinação, a
recuperação da atividade e os juros ainda em patamar baixo, muitas empresas
buscaram empréstimos para se preparar para um cenário de expansão. Não contavam
com a incúria fiscal do governo, a crise nas cadeias de suprimentos globais e a
guerra na Ucrânia, fatores que contribuíram para a inflação disparar e para os
juros atingirem os atuais 13,75%.
Em 2022, as concessões de crédito cresceram
15% (11% para empresas). Depois de queda consistente desde 2020, as provisões
nos balanços dos bancos para arcar com a inadimplência e ativos problemáticos
subiram ao longo de todo o ano passado. Em dezembro, a previsão do Banco
Central era que, em 2023, a alta no crédito seria de 8,3%. Agora essa previsão
parece otimista demais.
Uma das possíveis causas da crise nas
Americanas é fraude, mas a repercussão das perdas dos bancos ajudou a criar um
clima de desconfiança generalizada, mesmo naqueles setores sem indício de
irregularidade. No radar das autoridades, dois indicadores são críticos. Um são
as recuperações judiciais, que em geral afetam empresas cujos acionistas
dispõem de recursos para enfrentar o processo. O outro é a inadimplência.
Nenhum deles está em nível preocupante, mas é preciso ficar atento.
O crédito é o oxigênio da economia. Sem
ele, as empresas não têm como investir para seguir adiante. Decisões
empresariais equivocadas, como as que levaram as Americanas ao buraco, são
assunto de controladores, funcionários e fornecedores. Um eventual risco
sistêmico é de outra natureza — e merece atenção constante do Estado. Faz bem o
Ministério da Fazenda em se dedicar ao assunto.
Suprema Corte americana tem uma
oportunidade de disciplinar internet
O Globo
Casos questionam a regra que exime
plataforma digital de responsabilidade pelo conteúdo ilegal que veicula
Dois casos examinados pela Suprema Corte
dos Estados Unidos podem enfim trazer disciplina ao ambiente permissivo da
internet. Ambos exigem que as plataformas digitais se tornem corresponsáveis
por conteúdos ilegais que disseminam, ao contrário do que determina a Seção 230
da Lei de Decência das Comunicações, de 1996. O mesmo princípio, que as isenta
de responsabilidade pelo que veiculam, é adotado no Marco Civil da Internet do
Brasil e noutras leis mundo afora. Se a Suprema Corte impuser mudança na interpretação
da lei, o ambiente digital mudará para melhor.
Nos dois casos, familiares de vítimas de
terroristas do Estado Islâmico (EI) acusam as plataformas de contribuir para as
mortes ao não impedir a difusão de conteúdos extremistas e, ao contrário,
indicá-los em recomendações. O alvo da primeira ação, movida pela família de
uma jovem de 23 anos assassinada em Paris em 2015, é o YouTube, do Google. Na
segunda, relativa a atentados de 2017 em Istambul, também são citados Twitter e
Facebook.
Os dois processos questionam as plataformas
por dirigir conteúdos a públicos específicos em busca de audiências crescentes
sem poder ser responsabilizadas pelo que difundem. Se um jornal, revista,
emissora de rádio ou TV veiculam propaganda terrorista, obviamente terão de
arcar com o ônus jurídico, moral e político. Para as plataformas digitais, vale
outra regra. Quando questionadas, invocam a célebre Seção 230 para se isentar
de qualquer tipo de responsabilidade.
Os advogados das vítimas argumentam que as
plataformas violaram a lei antiterrorismo americana e são responsáveis pelo
crescimento do extremismo. Cortes inferiores não se mostraram sensíveis aos
argumentos e lhes negaram a vitória, mas pela primeira vez a Suprema Corte
aceitou julgar recursos que questionam a Seção 230. Os dois processos são uma
excelente oportunidade para a mais alta instância da Justiça dos Estados Unidos
se pronunciar, num caso cujo precedente deverá ter implicações no mundo todo.
Não se sabe como reagirão os juízes na
atual configuração conservadora do tribunal. De um lado, três deles — Samuel
Alito Jr., Clarence Thomas e Neil Gorsuch — deixaram claro esperar que a Corte
reveja “o poder de corporações de mídia social dominantes de moldar a discussão
pública dos assuntos importantes do dia”. Ao mesmo tempo, os círculos de
direita consideram que o discurso conservador já é cerceado pelas plataformas e
veem com preocupação uma decisão que poderia trazer ainda mais restrições.
A esquerda, em contrapartida, manifesta inquietação com a proliferação do discurso de ódio, propiciada pela permissividade garantida pela Seção 230. Qualquer alteração nesse dispositivo obviamente despertará furor nos meios libertários que criaram a internet. Mas o modo infeliz e arrogante como as plataformas têm tratado sua responsabilidade nos casos de terrorismo e ataques à democracia mostra que já passou da hora de mudar. É preciso estabelecer que liberdade de expressão não pode significar impunidade.
Questão de crédito
Folha de S. Paulo
Aperto no mercado é obscuro; governo
ajudaria com clareza na gestão econômica
Há receios cada vez mais disseminados de
que a economia brasileira possa enfrentar o que tem sido chamado de uma crise
de crédito.
A definição do fenômeno e sua extensão
ainda são imprecisas, inclusive porque faltam indicadores gerais do que se
passa nos bancos e no mercado de capitais. Mas há indícios de que o arrocho
financeiro tenha atingido fase mais aguda.
A taxa de juros do Banco Central está em
nível contracionista faz mais de um ano. A polêmica
política a respeito do ajuste fiscal e do BC, impulsionada por Luiz
Inácio Lula da Silva (PT), agravou tal quadro a partir de novembro.
Ademais, o escândalo da Americanas
contribuiu para aumentar a aversão ao risco de emprestar e investir em papéis
de empresas. A ameaça de um calote de dezenas de bilhões da varejista chamou a
atenção para outras empresas em dificuldades. Existem sinais de
que cresceu a procura pelos serviços de renegociação de dívidas.
Desde janeiro, bancos e investidores
conferem balanços e revisam suas carteiras e seus orçamentos. Em alguma medida,
raciona-se crédito, suspendem-se provisoriamente aplicações. Empresas que ora
vão ao mercado encontram custos de financiamento subitamente mais altos.
É preciso reiterar que não se divulgaram
ainda dados consolidados recentes a respeito do mercado de crédito, embora as
taxas de juros indiquem estresse. Além do mais, o aperto monetário e financeiro
não começou neste ano. A crise inflacionária e a incerteza a respeito de regras
fiscais são notáveis desde o trimestre final de 2021.
No entanto, o próprio governo federal diz
que começa a discutir medidas que facilitem créditos de emergência ou linhas de
empréstimos facilitados para bancos.
Pode ser recomendável que se tomem
providências a fim de evitar acidentes maiores ou uma progressiva asfixia
financeira. Não faria sentido, porém, valer-se do argumento de que hoje haveria
riscos mais elevados com o mero objetivo de expandir o crédito e, assim,
derrubar uma restrição que, talvez, seja apenas resultado aceitável da política
monetária.
É difícil, sem dúvida, discernir a linha
que separa uma crise grave e o efeito regular de um aperto dos juros do BC. É
importante que fiquem claros, de todo modo, os motivos de eventuais decisões da
gestão da economia.
Importa ainda, sem prejuízo de medidas
prudenciais eventualmente necessárias, definir o quanto antes o programa fiscal
e dar fim à agitação política estéril que torna o arrocho ainda maior. Uma
baixa antecipada dos juros e a perspectiva de retomada de algum crescimento do
PIB em 2024 contribuiriam para a dissipação dos temores.
Faces do populismo
Folha de S. Paulo
Como Bolsonaro e Trump, esquerdista do
México ataca sistema eleitoral e imprensa
Forças Armadas atuantes no governo; ataques
ao Judiciário, ao sistema eleitoral e à imprensa; discurso contra medidas de
proteção durante a pandemia de Covid-19.
Essa poderia ser uma descrição da gestão
direitista de Jair Bolsonaro (PL), mas o personagem é o presidente esquerdista
do México, Andrés Manuel López Obrador, ou AMLO, como é conhecido.
O que os une é o velho populismo em novas roupagens, adaptadas ao tempo das
redes sociais. Mais uma vez, o líder personalista, que se pretende
representante do povo, afronta as instituições que limitam seu poder e sua
vontade.
No caso de AMLO, sua mais recente investida
foi a aprovação, no Senado, do projeto de
lei do Executivo que reduz o orçamento do Instituto Nacional Eleitoral (INE),
que organiza as eleições e fiscaliza a lisura do processo, atribuições
similares às do TSE no Brasil.
Os cortes de verbas e de profissionais
dificultam a estruturação dos postos de votação e a contagem de votos. Ademais,
o órgão perde a função de punir políticos por infração às leis eleitorais.
Segundo opositores e acadêmicos mexicanos,
a medida é inconstitucional e ameaça a independência do INE, além de servir a
propósitos eleitoreiros para o partido do presidente, o Morena, e seus
correligionários no pleito de 2024.
Assim como o americano Donald Trump e
Bolsonaro, AMLO também lança torpedos contra a imprensa. Todas as manhãs,
reúne-se com um grupo escolhido de jornalistas e fala por horas, em eventos
chamados de "mañaneras". Invariavelmente, há ataques a
profissionais e veículos de comunicação que criticam o governo.
Esse falatório diário não apenas estimula a
polarização política como incentiva agressões a jornalistas, que vêm crescendo
de modo preocupante nos últimos anos.
Segundo relatório da ONG Artigo 19, de
2022, nos três primeiros anos de governo (entre 2019 e 2021), os ataques à
imprensa cresceram 85% em relação ao mesmo período da gestão anterior. Só em
2021, foram 644 agressões.
No mesmo ano, sete jornalistas foram mortos
em razão do exercício da profissão. O primeiro triênio de AMLO acumula 33
homicídios —desde 2000, foram 190.
Como também o demonstram os bolsonaristas que agridem covardemente profissionais de imprensa, o populismo varia de grau e de ideologia, mas nunca está muito distante do autoritarismo.
A inflação resiste e demanda prudência
O Estado de S. Paulo.
O IPCA-15 reforça a tese de que não há
espaço para o BC iniciar um ciclo de corte de juros tão cedo e a necessidade de
que o governo apresente de uma vez a nova âncora fiscal
Em mais uma demonstração da resiliência da
inflação e do desafio que o Banco Central (BC) terá para aproximar a inflação
da meta, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15) subiu 0,76% em
fevereiro. O indicador avançou em relação a janeiro, quando havia ficado em
0,55%, e registra alta de 5,63% no acumulado de 12 meses, de acordo com o
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Não foram estes, no
entanto, os números que mais preocuparam os analistas.
Dos nove grupos que compõem o IPCA-15, oito
registraram alta – a exceção foi Vestuário. Puxado por reajustes sazonais
registrados no início do ano em mensalidades escolares, o grupo Educação teve a
variação mais elevada, com 6,41%. Alimentos e Bebidas também subiram mais do
que o esperado, assim como os aluguéis residenciais.
A média dos núcleos da inflação avançou
0,68%, ante 0,58% em janeiro. Ao captar a tendência geral dos preços e eliminar
os efeitos de choques temporários que até afetam o índice de forma imediata,
mas que são rapidamente revertidos – caso das mensalidades escolares –, os
núcleos expõem a força da inflação dos demais itens, cujos comportamentos são
mais estáveis. O índice de difusão, por sua vez, atingiu 67,03% em fevereiro,
mesma variação de janeiro, delineando o alto grau de espraiamento da inflação
entre os itens que compõem o índice.
O IPCA-15 reforça a tese de que não parece
haver espaço para o Banco Central iniciar um ciclo de corte de juros tão cedo.
As projeções de inflação pioram há semanas; para 2023, atingiram 5,89%, segundo
o último boletim Focus, e para 2024, 4,02%. Já há quem preveja que o IPCA deve
ultrapassar os 6% em 2023.
Muito desse resultado está relacionado a
ações destrambelhadas para tentar reeleger o presidente Jair Bolsonaro,
principalmente as desonerações tributárias, que reduziram a inflação de forma
artificial e geraram perda de receitas sem qualquer contrapartida. Mas parte
desse pessimismo é uma resposta ao discurso que o presidente Lula da Silva tem
pregado em relação à política econômica – desde o menosprezo à responsabilidade
fiscal até as críticas à autonomia do Banco Central.
Há novas pressões no caminho. Em março, o
governo federal – assim espera-se – deve voltar a tributar a gasolina e o
etanol, medida acertada sob o ponto de vista fiscal e ambiental, mas que
inegavelmente afetará o bolso dos consumidores. Em abril, será a vez do
reajuste anual dos medicamentos, que já subiram, em muitos Estados, em razão do
aumento das alíquotas do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
(ICMS). Em maio, o salário mínimo chegará a R$ 1.320 – piso que tem muita
relevância nos serviços, retroalimentando o comportamento de preços do setor
que foi o último a se recuperar, mas que tem aproveitado o arrefecimento da
pandemia de covid-19 para repassar custos mais altos.
Domar a inflação não é um desafio
exclusivamente nacional. Nos Estados Unidos e na Europa, o mercado de trabalho
continua aquecido e a inflação resiste, a despeito do aumento dos juros. No
caso brasileiro, ainda há outras especificidades. Os juros altos elevaram o
temor sobre uma crise de crédito e levaram o governo a avaliar medidas de apoio
para reduzir a inadimplência e prover liquidez ao mercado, tudo para evitar o
risco cada vez maior de uma recessão.
Mais importante do que isso seria
apresentar de uma vez a nova âncora que substituirá o teto de gastos. Quem diz
isso não são operadores de mercado, mas o economista Heron do Carmo, professor
sênior da FEA/USP e profundo conhecedor da inflação. “Poderíamos ter uma
inflação mais baixa desde que houvesse uma sinalização do governo em relação ao
novo arcabouço fiscal”, disse ele, ao Estadão, do alto de uma experiência de
mais de 20 anos na coordenação do Índice de Preços ao Consumidor da Fipe
(IPC-Fipe), um período em que diversos planos econômicos para controlar a
inflação foram lançados sem sucesso. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad,
prometeu anunciar a nova âncora em março. Que o faça o quanto antes.
Muito ajuda quem não atrapalha
O Estado de S. Paulo.
É legítimo reivindicar lugar nas
articulações pela paz entre Rússia e Ucrânia, mas para isso o Brasil não pode
sugerir um ‘clube da paz’ que supõe ‘neutralidade’ entre criminoso e vítima
O presidente Lula da Silva tem perambulado
por estúdios e fóruns internacionais apresentando-se como o articulador de um
“clube da paz” para atuar no conflito entre Rússia e Ucrânia. A diplomacia
russa disse que está “estudando a proposta”. Para a tietagem petista, foi um
sinal de que, com Lula, “o Brasil voltou”, e em grande estilo. Para a Rússia
foi a deixa para posar como aberta a negociações. Afinal, Vladimir Putin também
quer a “paz”. Mas nos seus termos. Sabe-se bem em que consiste essa paz: a
castração militar da Ucrânia e a cessão de um quarto de seu território, no
mínimo. Isso por ora, pois Putin já explicou que a Ucrânia não tem nem sequer o
direito de existir.
“Como ponto de partida” da posição do
Brasil, disse, em artigo no Estadão, o chanceler Mauro Vieira, “é inequívoca a
condenação da invasão russa e da violação de um Estado soberano.” Mas essa
posição, longe de ser inequívoca, está coalhada de ambiguidades, cultivadas
desde quando Jair Bolsonaro prestou uma embaraçosa “solidariedade” à Rússia. O
Brasil votou no Conselho de Segurança da ONU por condenar a invasão, mas
condenou igualmente as sanções à Rússia e o fornecimento de armas à Ucrânia e
se absteve de condenar a anexação de territórios e até de deixar o líder
ucraniano Volodmir Zelenski discursar na Assembleia-Geral da ONU. É revelador
que nessa questão Lula e Bolsonaro convirjam.
Zelenski “é tão responsável quanto o
Putin”, disse Lula à revista Time quatro meses após a invasão. Aparentemente,
demorou um ano para ter “mais clareza” e admitir, ante o chanceler (premiê)
alemão, Olaf Scholz, que a Rússia cometeu “um erro”. Mas – há sempre um “mas” –
“a razão dessa guerra (...) precisa ficar mais clara”. Na época da entrevista à
Time, a coisa parecia, aí sim, inequívoca: “Qual é a razão da invasão da
Ucrânia? É a Otan? Os EUA e a Europa poderiam ter dito: ‘A Ucrânia não vai
entrar na Otan’. Estaria resolvido o problema”. Na lista de desejos de Putin
essa é só uma parte do problema, e nada convincente, pois não havia perspectiva
iminente dessa entrada. Mais problemática é a anexação dos territórios, mas não
está claro que sua desocupação integre as propostas de Lula. Talvez esse seja
só um dos mal-entendidos que Lula resolverá “tomando cerveja” com russos e
ucranianos, como disse em 2022: “Até acabarem as garrafas a gente ia fazer um
acordo de paz”.
Embriagado com seu ego, Lula nada aprendeu
com as lições do passado. Em 2008, chegou a mandar seu chanceler convocar uma
reunião emergencial da ONU para acabar com o conflito árabeisraelense. Em 2010,
engendrou com a ditadura turca um acordo com o Irã no qual o regime dos
aiatolás se comprometeria a não avançar seu programa nuclear além de fins
médicos. Na prática, não havia garantias de que a construção da bomba seria
freada e seu efeito seria unicamente dar tempo à teocracia de Teerã para
consumá-la. Pouco depois, o Conselho de Segurança da ONU fez letra morta de seu
acordo e aprovou mais sanções contra o Irã. O que deveria ser o apogeu da
diplomacia “ativa e altiva” de Lula revelou-se mero voluntarismo e megalomania.
A lição, segundo o falecido Luiz Felipe
Lampreia, que foi chanceler no governo FHC, é que o Brasil deveria considerar
seus limites e buscar protagonismo nos setores em que é forte, como o meio
ambiente, ou em questões regionais. Mas a julgar pelo silêncio de Lula em
crises regionais – como, por exemplo, a do Peru – e sua verborragia sobre a
Ucrânia, ela não foi aprendida. Talvez porque seu ponto de partida seja outro
do que o sugerido por Mauro Vieira. Em entrevista ao canal russo RT, em 2019,
Lula disse que “uma coisa que me deixa orgulhoso é o papel desempenhado por
Putin na história mundial, o que significa que o mundo não pode ser tomado como
refém pela política dos EUA”.
Se Lula desdenha tão olimpicamente do
princípio constitucional do respeito à autodeterminação dos povos e da lição de
Ruy Barbosa – “entre os que destroem a lei e os que a observam, não há neutralidade
possível” –, não é só por voluntarismo ou megalomania, muito menos por
ingenuidade ou idealismo, mas por uma ideologia tacanha e perniciosa, infensa
aos interesses do Brasil.
A lei vale para plataformas digitais
O Estado de S. Paulo.
STF decide que provedores estrangeiros
devem entregar dados requisitados pela Justiça, como qualquer empresa local
No dia 23 de fevereiro, o Supremo Tribunal
Federal (STF) entendeu que as autoridades nacionais podem solicitar dados
diretamente a provedores de internet estrangeiros que prestam serviços no
Brasil. Ao ratificar a constitucionalidade do art. 11 do Marco Civil da
Internet (Lei 12.965/2014), a decisão do Supremo assegura um ponto fundamental
do Estado Democrático de Direito. Todas as plataformas digitais e empresas de
tecnologia que atuam no País, mesmo que suas sedes ou seus provedores estejam
situados no exterior, se sujeitam à lei brasileira.
A autora da ação, uma federação de empresas
de tecnologia, defendia que o acesso judicial a dados de usuários da internet
por provedores sediados no exterior deveria, necessariamente, seguir os
trâmites previstos no Acordo de Assistência Judiciária em Matéria Penal (MLAT,
em inglês), assinado entre o Brasil e os Estados Unidos. O argumento da ação
era um tanto absurdo. Tentava-se usar um acordo de cooperação entre dois
países, firmado precisamente para facilitar investigações criminais, como uma
forma de dificultar o acesso da Justiça brasileira a dados relacionados a
serviços prestados no País.
Corretamente, o MLAT prevê que as
solicitações relativas a questões penais devem passar por uma autoridade
central designada por cada país; no caso do Brasil, o Ministério da Justiça.
Essa sistemática, que se aplica a informações e eventos ocorridos no exterior,
é o reconhecimento da soberania de cada país sobre seu respectivo território.
No entanto, a hipótese de solicitação de
dados analisada pelo STF era diferente, referindo-se a fatos ocorridos no Brasil.
E aqui está a importância do Marco Civil da Internet, que define quando atos
praticados no mundo digital estão sujeitos à jurisdição brasileira. Segundo o
art. 11 da Lei 12.965/2014, toda operação de coleta, armazenamento, guarda e
tratamento de registros e dados feita por provedores de conexão ou de
aplicações de internet, “em que pelo menos um desses atos ocorra em território
nacional”, deverá respeitar “a legislação brasileira e os direitos à
privacidade, à proteção dos dados pessoais e ao sigilo das comunicações
privadas e dos registros”.
Atuando como terceiro interessado na ação,
a empresa Meta, dona do Facebook, Instagram e WhatsApp, defendeu no STF que o
MLAT seria o “procedimento correto” para obtenção de dados controlados por
empresas norte-americanas. É realmente peculiar que uma empresa que atua tão
intensamente no País (são cerca de 116 milhões de contas no Facebook, 99
milhões de perfis no Instagram e 147 milhões de usuários de WhatsApp no Brasil)
pretenda que a Justiça brasileira, ao precisar de algum dado relativo a essas
contas, tenha de recorrer a um acordo de cooperação internacional.
Seja qual for o setor de atuação, toda
empresa que opera no Brasil está sujeita à lei e à jurisdição brasileiras.
Tentar escapar dessa realidade (ou limitar sua incidência) não é apenas uma
manobra judicial pouco honrosa. Representa um desrespeito ao País.
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