sexta-feira, 17 de março de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Crise em bancos estrangeiros traz dilema monetário

O Globo

Depois de o Banco Central Europeu elevar juros, dúvida é se Fed relaxará combate à inflação para aliviar tensão

Desde a quebra do Silicon Valley Bank (SVB) e do Signature Bank dias atrás, o mundo passou a seguir os movimentos das autoridades americanas para desarmar o risco de uma crise bancária com desdobramentos globais. Do outro lado do Atlântico, o Credit Suisse, considerado um dos 30 bancos críticos para o sistema financeiro global, revelou estar em apuros e recebeu socorro de US$ 54 bilhões do banco central suíço. As medidas tomadas por americanos e suíços enfraqueceram os prognósticos catastrofistas. Ainda assim, a situação exige cautela e tornou evidentes desafios de regulação e política monetária.

As dúvidas começaram a ser respondidas ontem pelo Banco Central Europeu (BCE). Ao manter o aumento previsto na taxa de juros da Zona do Euro — de meio ponto, para 3% —, o BCE transmitiu um recado de que não vê risco de contágio no sistema financeiro a ponto de mudar a política de combate à inflação. Os olhos se voltam agora para a decisão do Fed na semana que vem. É uma decisão menos evidente.

As duas quebras nos Estados Unidos foram a segunda e terceira maiores do país. Não se comparam à do Lehman Brothers, que desencadeou o colapso financeiro de 2008, mesmo assim traduzem uma realidade volátil. O pânico para sacar dinheiro do SVB foi provocado porque seus gestores fizeram uma aposta equivocada na manutenção dos juros em níveis baixos. Quando o Fed começou a elevá-los para combater a inflação, o banco ficou numa sinuca.

As medidas anunciadas pelas autoridades americanas desanuviaram a tensão. Mesmo depósitos acima dos US$ 250 mil garantidos por lei estarão cobertos. O objetivo é evitar dúvidas entre correntistas de outros bancos médios. Foram criados mecanismos para elevar a liquidez bancária, de modo a evitar novas corridas. Mas isso não encerra o assunto. O SVB faliu por manter seu capital em títulos de longo prazo do Tesouro americano (prefixados). Com a alta dos juros no curto prazo, o valor desse capital caiu. Vários outros bancos têm problema similar. O First Republic teve de receber ontem US$ 30 bilhões para fugir da falência.

A situação cria para o Fed um dilema, que economistas têm chamado de “dominância financeira”. Continuar a aumentar os juros certamente criará novas dificuldades para o sistema financeiro. Ao mesmo tempo, o núcleo da inflação americana continua alto, ao redor de 5,5%. Se aliviar os juros para fortalecer o sistema financeiro, o Fed colocará a própria credibilidade em risco e semeará inflação futura, cujo combate depois exigirá altas ainda maiores.

Os grandes bancos americanos hoje têm baixa exposição ao risco, em razão dos mecanismos de controle implementados desde 2008. Mas ficou clara a necessidade de aperfeiçoar a regulação dos bancos menores, como o SVB, agraciados com um afrouxamento das regras no governo Donald Trump. Eles também devem ser submetidos a supervisão, pois também oferecem risco.

No Brasil, o risco de contágio é reduzido. Aqui, a esperança do governo está no curto prazo: se o Fed relaxar o combate à inflação, o cenário poderá permitir ao nosso Banco Central derrubar os juros mais cedo. Lá, a esperança é a oposta: que as medidas adotadas para garantir a estabilidade evitem quebradeiras sem exigir que o Fed esmoreça na luta contra a inflação. É uma esperança sensata. Também no Brasil seria péssimo se o resultado da crise fosse uma inflação global mais duradoura.

Terror no Rio Grande do Norte prova resiliência das facções criminosas

O Globo

Entra governo, sai governo, e criminosos, mesmo presos, agem como se soltos estivessem

A violência em 34 cidades potiguares, inclusive a capital, Natal, demonstra o risco representado pelas facções criminosas ao Estado Democrático de Direito. Ônibus e carros particulares foram incendiados, instalações da Polícia Militar e do Tribunal de Justiça atacadas a tiros, veículos de prefeituras destruídos, equipamentos médicos roubados de unidades de saúde. Pelo menos três pessoas morreram nos choques.

Diante do caos, fez bem o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, em enviar agentes da Força Nacional para reforçar o patrulhamento, atendendo a pedido da governadora Fátima Bezerra (PT). Mas isso não bastou para conter os ataques. Embora ônibus tivessem voltado a circular em Natal e aulas tivessem sido retomadas, a capital e outras oito cidades registraram a terceira noite de violência. O medo permanece.

A ordem para os ataques partiu de dentro da Penitenciária Estadual de Alcaçuz, conhecido cenário de motins e massacres na guerra de facções. Inicialmente, autoridades informaram que a violência estava ligada a exigências dos presos negadas pelo governo, como a volta das visitas íntimas, suspensas em 2017 após um motim com 27 mortos em Alcaçuz. Investigações sugerem que chefões encarcerados partiram para o terrorismo em represália contra condições degradantes e maus-tratos nos presídios. Dino determinou uma intervenção no sistema potiguar de prisões.

A violência no Rio Grande do Norte reproduz episódios semelhantes noutros estados nos últimos anos, a começar pelo terror que tomou conta de São Paulo em 2006. Em 2019, a população do Ceará foi submetida à mesma rotina de medo e violência que os potiguares. Prédios públicos foram alvejados, ônibus incendiados, serviços essenciais paralisados. A fúria não poupou nem escolas e creches. Na época, autoridades disseram que os ataques eram reação das facções a decisões do então governador Camilo Santana, atual ministro da Educação, de endurecer normas e acabar com regalias nas prisões. Em 2021, cenas violentas se repetiram em Manaus e noutras cidades do Amazonas. O terrorismo eclodiu depois que a PM matou o chefe de uma facção criminosa que controla o tráfico de drogas na região.

Como aconteceu outras vezes, é provável que as medidas tomadas pelo governo federal acabem por devolver aos potiguares direitos básicos, como sair às ruas, pegar ônibus, ir à escola ou procurar atendimento de saúde. Mas os motivos que levaram ao caos permanecem. Dominado por facções criminosas em guerra permanente, o sistema carcerário brasileiro é uma bomba sempre prestes a explodir. Sai governo, entra governo, e não se resolve o problema. Criminosos, mesmo presos, continuam a agir como se livres estivessem. A paz da sociedade não pode ficar refém dos humores das facções. O Estado precisa enfrentar as organizações criminosas para reassumir o controle na segurança pública.

Mãos à obra

Folha de S. Paulo

Leilão para finalizar Rodoanel ocorre, mas histórico de problemas requer atenção

Com 176 km de extensão, o Rodoanel Mário Covas é uma megaobra viária que simboliza o que de pior pode ocorrer neste tipo de empreendimento: atraso, suspeitas de superfaturamento e atoleiro jurídico das construtoras envolvidas.

Assim, é com cauteloso otimismo que se recebe o boa notícia do leilão realizado na terça (14) para a finalização do trecho norte da via, que em tese levará a termo o projeto com a ligação de 44 km entre os segmentos leste e oeste.

Totalmente funcional, o Rodoanel é instrumento para desafogar o tráfego de caminhões pesados das artérias marginais da capital paulista, além de opção para cortar caminhos em seu entorno.

Segundo especialistas, o certame com quatro concorrentes foi competitivo. O critério central foi o desconto oferecido pelo consórcio vencedor, Via Appia, de 23,1% sobre parcelas que o governo paulista pagará para compensar a insuficiência na arrecadação de pedágio.

O trecho já consumiu o equivalente a R$ 8,5 bilhões em valores corrigidos. Para completá-lo, operar e fazer manutenção da rodovia, a previsão é de R$ 3,4 bilhões, com o estado bancando cerca de R$ 1,4 bilhão na parceira público-privada.

A construção da parte norte começou em 2013 e foi paralisada em 2018, quando a Justiça declarou inidoniedade das empreiteiras, investigadas pela Lava Jato.

Após 25 anos desde o início das obras pela gestão do governador que hoje dá nome ao Rodonael, chegou a vez de Tarcísio de Freitas (Republicanos) priorizar a obra iniciada pelo tucanato.

A exemplo do que ocorreu quando ganhou fama de bom gestor no Ministério da Infraestrutura, Tarcísio herda um arcabouço. Se em Brasília havia o Programa de Parcerias de Investimentos de Michel Temer, agora há uma carteira de 8.000 obras deixadas pelos governos João Doria e Rodrigo Garcia.

Assim como antecessores, notadamente Doria, o atual mandatário tem prometido ampliar privatizações, concessões e parcerias. Trata-se de iniciativa louvável, dada a rejeição histórica dos brasileiros à desestatização, alvo prioritário no discurso de governos do PT.

Resta o teste da realidade, já que o objetivo maior de Tarcísio é privatizar a Sabesp, a companhia de água paulista —tarefa que encontra dificuldades no âmbito político.

Mirando liderar a centro-direita após o governo desastroso de seu padrinho, Jair Bolsonaro (PL), o governador de São Paulo parece apostar numa agenda liberal.

Se sua figura algo apoplética batendo o martelo no leilão renderá um meme eleitoral, é algo a ver, mas a eventual conclusão do Rodoanel sem sobressaltos e no prazo previsto de 2026 será um ativo de real benefício à população.

Três dígitos

Folha de S. Paulo

Inflação argentina supera os 100%, enquanto não se vislumbra saída para a crise

Para surpresa de ninguém, a inflação na Argentina chegou ao patamar de três dígitos com os 102,5% acumulados nos 12 meses encerrados em fevereiro. A marca decorre de anos seguidos de má gestão do país, dada a incapacidade de estabelecer regras sólidas para as políticas fiscal e monetária.

Depois do período de relativa prosperidade entre 2002 e 2010, em que o país foi favorecido pela escalada dos preços das matérias-primas por causa da demanda chinesa, a economia se deteriorou.

A secular escassez de divisas se agravou, tendo o governo negociado e rompido seguidos acordos de financiamento com o Fundo Monetário Internacional (FMI). A Argentina tem o infeliz título de recordista mundial de calotes —depois do nono, em 2020, praticamente cessou o financiamento externo.

É certo que o quadro inflacionário foi agravado por fatores como a seca, que comprometeu a safra e encareceu alimentos, mas a causa principal é o descontrole orçamentário crônico, além da incapacidade de estabelecer regime monetário crível que estabilize o peso.

A expectativa para o crescimento da economia neste 2023 está próxima de razoáveis 2%. Não é o suficiente, contudo, para reverter o quadro de aumento da pobreza, que atinge 36,5% dos argentinos, segundo as estatísticas oficiais.

As políticas do governo peronista de Alberto Fernández prosseguem no estilo populista, com subsídios às contas de energia e controles cambiais que levam a taxa do dólar paralelo a mais que o dobro da fantasiosa cotação oficial.

Proliferam regimes de exceção, como o caricato peso Qatar, adotado para facilitar o turismo para a Copa do Mundo no ano passado, e outras regras que visam preservar exportações como as de vinhos.

A conta pesa na popularidade do governo. Para as eleições no fim do ano, as perspectivas da Casa Rosada não são animadoras. Sondagem recente dá aos potenciais candidatos da situação —o próprio Fernández, a vice e ex-presidente Cristina Kirchner ou o ministro da Economia, Sergio Massa— não mais de 23% das intenções de voto.

A coligação Juntos por el Cambio, do ex-presidente Mauricio Macri, tem 25,7%, e o direitista antissistema Javier Milei, 20,4%.

O peronismo está em crise, mas sua maleabilidade e apelo popular tornam difícil um alinhamento político em prol de medidas responsáveis para resgatar o país da permanente instabilidade.

Presídios, símbolos da falência do Estado

O Estado de S. Paulo.

A onda de terror no RN expõe duas metástases interdependentes que se alastram aceleradamente: a expansão do crime organizado e a deterioração do sistema prisional

Há dias a população do Rio Grande do Norte é acossada por mais uma onda de terror orquestrada por uma facção criminosa. A Secretaria da Segurança potiguar acredita que a ordem tenha partido de lideranças do Sindicato do Crime (SDC) – uma dissidência do PCC – que estão em uma penitenciária da Grande Natal, em retaliação ao endurecimento das regras nas prisões locais. Um “salve” – ou convocação – que circula por WhatsApp supostamente lançado pelo SDC “justifica” a selvageria como uma reação às condições “degradantes” dos presídios. Essas causas não se excluem e expõem as raízes de duas metástases que se retroalimentam e se alastram com assombrosa velocidade: a ascensão do crime organizado e a deterioração do sistema prisional.

Na última década, o Brasil passou de consumidor da cocaína produzida na Colômbia, Peru e Bolívia para um dos maiores fornecedores do mundo, respondendo por 7% das apreensões globais, só atrás da Colômbia (37%) e EUA (18%). As disputas das facções pela rota da Amazônia até os portos nordestinos é plausivelmente a principal causa da escalada de violência no Norte e no Nordeste.

A segurança pública é dever dos Estados, mas nenhum deles tem recursos para enfrentar organizações que, em acelerada nacionalização e internacionalização, se ramificam sofisticadamente por âmbitos variados da sociedade civil, dos mercados e do Estado. Em 2018, o Congresso buscou resolver essa “acefalia federativa” criando o Sistema Único de Segurança Pública para coordenar ações de prevenção e inteligência entre os três níveis da Federação. Mas o programa foi praticamente descontinuado pelo último governo, mais interessado em armar os cidadãos do que em sofisticar a segurança pública. Nesse vácuo, as facções multiplicam seus tentáculos como hidras.

Não é por coincidência que, da malha de crimes perpetrados por elas, a sua face mais monstruosa esteja nos presídios. Massacres, decapitações e até canibalismo se tornam uma apavorante rotina, especialmente nas prisões do Norte e do Nordeste.

Em tese, o sistema carcerário deveria atender a três fins: a proteção da sociedade pelo isolamento de seus agressores, a dissuasão dos aspirantes ao crime e a ressocialização dos condenados. Na prática, o sistema prisional inverteu completamente esses fins – e, a começar pelo primeiro e mais importante, promove o seu oposto.

Nas últimas décadas, os presídios se transformaram em verdadeiras incubadoras do crime. É de lá que as facções extraem sua matéria-prima. Na comparação internacional, o Brasil tem altas taxas de encarceramento, de presos sem condenação e de superlotação. Apenas 15% dos presos estudam e 18% trabalham. Cerca de 40% são provisórios. Responsáveis por crimes de menor impacto e que poderiam ser passíveis de penas alternativas, na maioria jovens, são obrigados a se submeter a pactos de vassalagem com condenados por crimes de sangue, hediondos ou de organização criminosa, que, estima-se, representam só 13% da população prisional.

Todos os anos são enviados para essas “masmorras medievais” – na célebre definição de José Eduardo Cardozo, então ministro da Justiça, em 2015 – multidões de pobres-diabos que, após passar pelos rituais da academia do crime armada pelas facções, são bombeados para a sociedade em legiões mais ressentidas, mais violentas e mais organizadas.

Ao invés de reintegrarem os criminosos à sociedade, os presídios estão submetendo a sociedade ao crime. Numa espécie de pesadelo, porções inteiras do Brasil transformam-se num grande presídio. Os abastados se enclausuram em condomínios amuralhados e carros blindados. Os pobres veem bairros inteiros serem sequestrados pelas organizações criminosas, que controlam seus mercados e infraestrutura, cooptam seus votos e recrutam seus filhos, num verdadeiro Estado paralelo. Os que ousam resistir são retaliados com as mais horrendas humilhações e crueldades.

Os presídios que, em tese, deveriam ser o símbolo maior do poder do Estado, na prática são hoje o emblema máximo de sua falência. Enquanto essa subversão infernal não for revertida, a Nação pagará cada vez mais com seu sangue.

Promessas não dissiparão as incertezas

O Estado de S. Paulo.

Como mostrou o seminário da Conjuntura Econômica Estadão/FGV, não há atalhos nem mágica: sem um arcabouço fiscal robusto, pressões sobre inflação e sobre juros persistirão

O Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) é centro de excelência de produção de dados econométricos e de pesquisas em macroeconomia. As opiniões de seus quadros são, assim, um importante termômetro para medir as expectativas em relação ao futuro da economia. No último seminário sobre a Conjuntura Econômica do Ibre, realizado em parceria com o Estadão com a participação dos pesquisadores José Julio Senna, Silvia Matos e Armando Castelar, prevaleceu não o pessimismo, nem tampouco o otimismo, mas um estado de suspensão – porém, com uma conotação mais de apreensão do que de esperança.

O cenário internacional é ambivalente. Por um lado, há ventos favoráveis ao Brasil, em especial pela alta das commodities e a reabertura da China. Por outro, está claro que as pressões inflacionárias seguirão em escala global, levando o Fed, o banco central (BC) americano, a alertar para apertos na política monetária.

Didaticamente, J.J. Senna listou seis itens que resumem as dificuldades do BC brasileiro: os juros reais estão altos; a expectativa de inflação é alta; as projeções apontam uma inflação em “U”, ou seja, cai, depois sobe; a inflação projetada está acima da meta; os juros nos EUA estão subindo; e, mais importante, o ajuste fiscal, até agora, é só uma promessa.

O governo oscila entre propagandear perspectivas otimistas sobre o crescimento e conjurar de antemão bodes expiatórios para justificar seu possível fracasso, como a política de juros do BC, mas pouco tem feito para gerar expectativas de superávit fiscal sustentável que facilitariam a queda dos juros.

Até agora, o que se tem de certeza é o aumento dos gastos calcado no discurso da “herança maldita”. Mas a “licença” para gastar R$ 200 bilhões via PEC da Transição foi muito além da mera recomposição da verba para programas sociais e elevou a projeção do déficit primário para R$ 231 bilhões. Depois, acenou-se a novas despesas, como o aumento do salário mínimo, combinadas a isenções na tabela do Imposto de Renda. Não que essas medidas não sejam defensáveis. O problema é que, em relação às medidas consequentes para neutralizar seus impactos nas contas públicas, só há projeções irrealistas sobre o aumento de receitas e um mar de incertezas sobre a reforma tributária e, mais urgente, o arcabouço fiscal.

“Nada substitui um ajuste fiscal robusto e no fundo isso significa levar ao extremo o raciocínio original do ministro da Fazenda (Fernando Haddad), a coordenação da política fiscal e da monetária”, disse J.J. Senna. “Evidentemente, o ajuste que precisa ser feito é do lado da política fiscal.”

Esse ajuste logo de início permitiria virar a página da inflação, possibilitando ao governo planejar suas políticas com juros mais baixos. De imediato, esse remédio amargo imporia freios aos estímulos estatais ao crescimento e é esse o ônus que o governo quer evitar. Mas a hesitação só tem prolongado as incertezas, gerando comportamentos erráticos e contraditórios. Por um lado, por exemplo, o governo aprovou a reoneração dos combustíveis. Por outro, a título de compensação, tributou as exportações do petróleo. Mas isso desestimula investidores e traz insegurança jurídica para o setor. Ou seja, em termos de crescimento, os ganhos imediatos hoje custarão o dobro amanhã. Como afirmou Castelar, “na ausência de alguma coisa que segure o gasto, o governo está tentando aumentar a arrecadação tributária”. Mas, com isso, as expectativas de inflação seguem subindo. Se a pressão política sobre o BC levar a um afrouxamento precoce da política monetária, essas expectativas subirão ainda mais. Depois de mais um voo de galinha, isso poderia pôr o País na rota da estagflação em 2024.

O resumo do seminário Estadão/FGV é simples: não há atalhos, não há mágica. O governo pode bater o quanto quiser no BC, pode lançar mão dos eufemismos que quiser para evitar a temível palavra “teto”. Mas sem uma fórmula transparente, clara e inequívoca para o controle dos gastos públicos, as pressões inflacionárias não cederão no grito e os juros seguirão altos.

Mais um banco em dificuldades

O Estado de S. Paulo.

Credit Suisse amplia incertezas sobre regulação do setor e sobre continuidade de aperto monetário no mundo

A divulgação do balanço do Credit Suisse caiu como bomba sobre os mercados globais. Após anunciar o quinto trimestre consecutivo de prejuízos, o banco admitiu ter encontrado fragilidades significativas nos relatórios financeiros dos últimos dois anos e viu suas ações despencarem. A situação piorou depois que um de seus principais acionistas, o Saudi National Bank, se negou a fazer uma injeção de capital para garantir a liquidez da instituição.

Com quase 10% do capital do Credit Suisse, o Saudi National Bank mencionou limites regulatórios e estatutários para ampliar sua participação, mas seu presidente, Ammar Al Khudairy, deixou implícito haver outras razões por trás da decisão. A crise somente foi amenizada depois que os reguladores suíços asseguraram que a instituição atendia aos requisitos mínimos de capital e liquidez. Em paralelo, o Banco Nacional Suíço anunciou estar disposto a financiá-la se necessário – linha que o Credit Suisse acessou no mesmo dia.

Os problemas do Credit Suisse não são novos e ultrapassam seus resultados. Segunda maior instituição financeira da Suíça, o banco expôs seus clientes a perdas ao investir seus recursos em empresas e fundos que acabaram por falir. Foi envolvido, também, em escândalos de espionagem implicando os executivos e esquemas de corrupção, lavagem de dinheiro e tráfico de drogas que comprometeram sua confiança, um ativo indispensável para qualquer banco.

Embora nada tenha a ver com a quebra dos norteamericanos Silicon Valley e Signature Bank, a situação do Credit Suisse ampliou o temor de uma crise sistêmica – não apenas pelo porte do banco, mas também porque os problemas de lucratividade não são exclusividade da instituição. Em conjunto, os eventos trouxeram incertezas sobre a efetividade da regulação do setor bancário, rumores sobre um movimento de consolidação no segmento e dúvidas sobre a continuidade do aperto monetário no mundo todo.

Entre os investidores, há quem acredite que os episódios envolvendo as três instituições reforçam a necessidade de redução das taxas de juros pelos bancos centrais. Mas há também quem defenda o oposto e atribua os problemas a anos de políticas monetária e fiscal frouxas, como Larry Fink, fundador da BlackRock, maior gestora de recursos do mundo. Para ele, a liquidez garantida fez os bancos se acomodarem e negligenciarem riscos que se concretizaram nos últimos anos – como a pandemia de covid-19, a guerra na Ucrânia e a fragmentação das cadeias produtivas – e suas consequências na inflação, nos ativos e nos juros.

Nesse contexto, o sistema bancário brasileiro, mais fechado que o de outros países, está menos exposto a abalos. As instituições, no entanto, precisam lidar com questões internas, como a inadimplência recorde das pessoas físicas e os indícios de problemas de crédito das empresas. O Banco Central, por sua vez, segue pressionado a lidar com uma inflação resiliente, muito elevada e longe de estar domada, e que se soma a um cenário internacional cada vez mais turbulento.

BCE eleva juros, mas deixa em aberto próximos passos

Valor Econômico

Elemento decisivo será o efeito da instabilidade financeira sobre o desempenho da economia e da inflação

O Banco Central Europeu, em meio às enormes incertezas decorrentes das fragilidades de bancos nos Estados Unidos e na Europa, elevou os juros em 0,5 ponto percentual, para 3%. O banco seguiu o script escrito na reunião anterior até certo ponto, retirando porém qualquer indicação de para onde as taxas irão a partir de agora. Antes, acenara com aumentos sucessivos até que a inflação se aproximasse da meta, o que não deve ocorrer tão cedo. Mais atrasado no ciclo de aperto monetário do que o Fed americano, o BCE deu pistas sobre as decisões que serão tomadas na próxima semana pelo Fed e pelo Banco da Inglaterra.

O presidente do Fed, Jerome Powell, deve seguir o roteiro da reunião anterior do Fomc e não o de sua prestação de contas ao Senado no início do mês, depois que dados surpreendentemente fortes da economia americana o levaram a considerar um novo aumento do ritmo da alta de juros, sinalizando com 0,5 ponto. As quebras do Silicon Valley Bank e do Signature levaram o Fed a abrir linhas de liquidez para os demais bancos se protegerem de eventuais corridas por saques. Manter a promessa e elevar o fed funds em 0,25 ponto percentual, sem se comprometer com o destino futuro das taxas, como fez o BCE, é a principal aposta dos investidores, refletida nos juros futuros.

Os riscos sobre a estabilidade financeira comandarão os próximos passos. O Credit Suisse foi socorrido ontem por empréstimos de US$ 54 bilhões do Banco Central Suíço, o que acalmou por algum tempo os mercados, pois a situação do banco segue delicada até que sua reestruturação dê frutos - se der. A presidente do BCE, Christine Lagarde, em comunicado, afiançou que os bancos da região têm “forte posição de capital e liquidez” e que a autoridade monetária está preparada para ampará-los em quaisquer circunstâncias. A estabilidade financeira voltou a ser lembrada como tão importante quanto a estabilidade de preços, algo que esteve subentendido nos comunicados anteriores da instituição.

Nos Estados Unidos, onde o Fed está mais próximo do fim do ciclo de aperto, a instabilidade financeira parece mais pronunciada. Ontem, as ações do First Republic Bank, com US$ 210 bilhões em ativos, voltaram a ter quedas expressivas (30%), por efeito contágio. As principais instituições do setor, como JP Morgan, Bank of America, Wells Fargo se juntaram para oferecer amparo de US$ 30 bilhões para a instituição sediada em São Francisco.

Em sinalização importante, Lagarde disse que “se o cenário básico do banco prevalecer quando as incertezas se reduzirem, sabemos que temos ainda muito chão a percorrer” para domar a inflação, que deve persistir “muito alta por muito tempo”. Ou seja, continuar combatendo frontalmente a inflação dependerá também de que as ameaças que pairam sobre o setor financeiro amenizem - o grau de aperto monetário subsistente e necessário deve agora estar subordinado a outro objetivo, o fim das ameaças à segurança financeira.

No caso do Fed, a situação é mais complicada, não só porque saiu rapidamente da posição de “atrás da curva” para outra, de aperto significativo. O banco havia reduzido seu balanço em US$ 500 bilhões com o “quantitative tightening”, mas essa ação, junto com a de juros bem mais restritivos, se mostram contraditórias com a abertura de linhas para ampliar a liquidez de proteção contra a corrida aos bancos menores e regionais. Com os empréstimos de emergência, em troca de títulos, o balanço do Fed subiu US$ 440 bilhões, voltando a inchar. No caso do BCE, sua posição é preventiva. O socorro veio do BC suíço, fora do bloco monetário, e os apuros graves do Credit não contaminaram até agora instituições de peso na zona do euro.

Outro elemento decisivo será o efeito da instabilidade financeira sobre o desempenho da economia e da inflação. As “severas tensões” no mercado financeiro, para o BCE, reduziram e encareceram o crédito na zona do euro a empresas e consumidores, afetando as projeções de crescimento, piores do que em dezembro (1% em 2023), e a variação dos preços, que caiu de 6,3% para 5,3%. O passo da economia americana é mais forte, mas os dados de fevereiro indicam desaceleração. Na Europa e EUA a inflação segue distante das metas, que os dois BCs não atingem há 15 anos. Uma recessão provocada pelo imbróglio financeiro pode derrubá-la mais rapidamente.

O sinal do BCE de que espera com calma mais clareza sobre como a “situação se desenrola” deve ser o mesmo do Fed. Os “guidances” dos BCs perderão nitidez.

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