Crise em bancos estrangeiros traz dilema monetário
O Globo
Depois de o Banco Central Europeu elevar
juros, dúvida é se Fed relaxará combate à inflação para aliviar tensão
Desde a quebra do Silicon Valley Bank (SVB)
e do Signature Bank dias atrás, o mundo passou a seguir os movimentos das
autoridades americanas para desarmar o risco de uma crise bancária com
desdobramentos globais. Do outro lado do Atlântico, o Credit Suisse,
considerado um dos 30 bancos críticos para o sistema financeiro global, revelou
estar em apuros e recebeu socorro de US$ 54 bilhões do banco central suíço. As
medidas tomadas por americanos e suíços enfraqueceram os prognósticos
catastrofistas. Ainda assim, a situação exige cautela e tornou evidentes
desafios de regulação e política monetária.
As dúvidas começaram a ser respondidas ontem pelo Banco Central Europeu (BCE). Ao manter o aumento previsto na taxa de juros da Zona do Euro — de meio ponto, para 3% —, o BCE transmitiu um recado de que não vê risco de contágio no sistema financeiro a ponto de mudar a política de combate à inflação. Os olhos se voltam agora para a decisão do Fed na semana que vem. É uma decisão menos evidente.
As duas quebras nos Estados Unidos foram a
segunda e terceira maiores do país. Não se comparam à do Lehman Brothers, que
desencadeou o colapso financeiro de 2008, mesmo assim traduzem uma realidade
volátil. O pânico para sacar dinheiro do SVB foi provocado porque seus gestores
fizeram uma aposta equivocada na manutenção dos juros em níveis baixos. Quando
o Fed começou a elevá-los para combater a inflação, o banco ficou numa sinuca.
As medidas anunciadas pelas autoridades
americanas desanuviaram a tensão. Mesmo depósitos acima dos US$ 250 mil
garantidos por lei estarão cobertos. O objetivo é evitar dúvidas entre
correntistas de outros bancos médios. Foram criados mecanismos para elevar a
liquidez bancária, de modo a evitar novas corridas. Mas isso não encerra o
assunto. O SVB faliu por manter seu capital em títulos de longo prazo do
Tesouro americano (prefixados). Com a alta dos juros no curto prazo, o valor
desse capital caiu. Vários outros bancos têm problema similar. O First Republic
teve de receber ontem US$ 30 bilhões para fugir da falência.
A situação cria para o Fed um dilema, que
economistas têm chamado de “dominância financeira”. Continuar a aumentar os
juros certamente criará novas dificuldades para o sistema financeiro. Ao mesmo
tempo, o núcleo da inflação americana continua alto, ao redor de 5,5%. Se
aliviar os juros para fortalecer o sistema financeiro, o Fed colocará a própria
credibilidade em risco e semeará inflação futura, cujo combate depois exigirá
altas ainda maiores.
Os grandes bancos americanos hoje têm baixa
exposição ao risco, em razão dos mecanismos de controle implementados desde
2008. Mas ficou clara a necessidade de aperfeiçoar a regulação dos bancos
menores, como o SVB, agraciados com um afrouxamento das regras no governo
Donald Trump. Eles também devem ser submetidos a supervisão, pois também
oferecem risco.
No Brasil, o risco de contágio é reduzido.
Aqui, a esperança do governo está no curto prazo: se o Fed relaxar o combate à
inflação, o cenário poderá permitir ao nosso Banco Central derrubar os juros
mais cedo. Lá, a esperança é a oposta: que as medidas adotadas para garantir a
estabilidade evitem quebradeiras sem exigir que o Fed esmoreça na luta contra a
inflação. É uma esperança sensata. Também no Brasil seria péssimo se o
resultado da crise fosse uma inflação global mais duradoura.
Terror no Rio Grande do Norte prova
resiliência das facções criminosas
O Globo
Entra governo, sai governo, e criminosos,
mesmo presos, agem como se soltos estivessem
A violência em 34 cidades potiguares,
inclusive a capital, Natal, demonstra o risco representado pelas facções
criminosas ao Estado Democrático de Direito. Ônibus e carros particulares foram
incendiados, instalações da Polícia Militar e do Tribunal de Justiça atacadas a
tiros, veículos de prefeituras destruídos, equipamentos médicos roubados de
unidades de saúde. Pelo menos três pessoas morreram nos choques.
Diante do caos, fez bem o ministro da
Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, em enviar agentes da Força Nacional
para reforçar o patrulhamento, atendendo a pedido da governadora Fátima Bezerra
(PT). Mas isso não bastou para conter os ataques. Embora ônibus tivessem
voltado a circular em Natal e aulas tivessem sido retomadas, a capital e outras
oito cidades registraram a terceira noite de violência. O medo permanece.
A ordem para os ataques partiu de dentro da
Penitenciária Estadual de Alcaçuz, conhecido cenário de motins e massacres na
guerra de facções. Inicialmente, autoridades informaram que a violência estava
ligada a exigências dos presos negadas pelo governo, como a volta das visitas
íntimas, suspensas em 2017 após um motim com 27 mortos em Alcaçuz.
Investigações sugerem que chefões encarcerados partiram para o terrorismo em
represália contra condições degradantes e maus-tratos nos presídios. Dino
determinou uma intervenção no sistema potiguar de prisões.
A violência no Rio Grande do Norte reproduz
episódios semelhantes noutros estados nos últimos anos, a começar pelo terror
que tomou conta de São Paulo em 2006. Em 2019, a população do Ceará foi
submetida à mesma rotina de medo e violência que os potiguares. Prédios
públicos foram alvejados, ônibus incendiados, serviços essenciais paralisados.
A fúria não poupou nem escolas e creches. Na época, autoridades disseram que os
ataques eram reação das facções a decisões do então governador Camilo Santana,
atual ministro da Educação, de endurecer normas e acabar com regalias nas
prisões. Em 2021, cenas violentas se repetiram em Manaus e noutras cidades do
Amazonas. O terrorismo eclodiu depois que a PM matou o chefe de uma facção
criminosa que controla o tráfico de drogas na região.
Como aconteceu outras vezes, é provável que as medidas tomadas pelo governo federal acabem por devolver aos potiguares direitos básicos, como sair às ruas, pegar ônibus, ir à escola ou procurar atendimento de saúde. Mas os motivos que levaram ao caos permanecem. Dominado por facções criminosas em guerra permanente, o sistema carcerário brasileiro é uma bomba sempre prestes a explodir. Sai governo, entra governo, e não se resolve o problema. Criminosos, mesmo presos, continuam a agir como se livres estivessem. A paz da sociedade não pode ficar refém dos humores das facções. O Estado precisa enfrentar as organizações criminosas para reassumir o controle na segurança pública.
Mãos à obra
Folha de S. Paulo
Leilão para finalizar Rodoanel ocorre, mas
histórico de problemas requer atenção
Com 176 km de extensão, o Rodoanel Mário
Covas é uma megaobra viária que simboliza o que de pior pode ocorrer neste tipo
de empreendimento: atraso, suspeitas de superfaturamento e atoleiro jurídico
das construtoras envolvidas.
Assim, é com cauteloso otimismo que se
recebe o boa notícia do leilão
realizado na terça (14) para a finalização do trecho norte da via,
que em tese levará a termo o projeto com a ligação de 44 km entre os segmentos
leste e oeste.
Totalmente funcional, o Rodoanel é
instrumento para desafogar o tráfego de caminhões pesados das artérias
marginais da capital paulista, além de opção para cortar caminhos em seu
entorno.
Segundo especialistas, o certame com quatro
concorrentes foi competitivo. O
critério central foi o desconto oferecido pelo consórcio vencedor, Via Appia,
de 23,1% sobre parcelas que o governo paulista pagará para compensar a
insuficiência na arrecadação de pedágio.
O trecho já consumiu o equivalente a R$ 8,5
bilhões em valores corrigidos. Para completá-lo, operar e fazer manutenção da
rodovia, a previsão é de R$ 3,4 bilhões, com o estado bancando cerca de R$ 1,4
bilhão na parceira público-privada.
A construção da parte norte começou em 2013
e foi paralisada em 2018, quando a Justiça declarou inidoniedade das
empreiteiras, investigadas pela Lava Jato.
Após 25 anos desde o início das obras pela
gestão do governador que hoje dá nome ao Rodonael, chegou a vez de Tarcísio de
Freitas (Republicanos) priorizar a obra iniciada pelo tucanato.
A exemplo do que ocorreu quando ganhou fama
de bom gestor no Ministério da Infraestrutura, Tarcísio herda um arcabouço. Se
em Brasília havia o Programa de Parcerias de Investimentos de Michel Temer,
agora há uma carteira de 8.000 obras deixadas pelos governos João Doria e
Rodrigo Garcia.
Assim como antecessores, notadamente Doria,
o atual mandatário tem prometido ampliar privatizações, concessões e parcerias.
Trata-se de iniciativa louvável, dada a rejeição histórica dos brasileiros à
desestatização, alvo prioritário no discurso de governos do PT.
Resta o teste da realidade, já que o
objetivo maior de Tarcísio é privatizar a Sabesp, a companhia de água paulista
—tarefa que encontra dificuldades no âmbito político.
Mirando liderar a centro-direita após o
governo desastroso de seu padrinho, Jair Bolsonaro (PL), o governador de São
Paulo parece apostar numa agenda liberal.
Se sua figura algo apoplética batendo o
martelo no leilão renderá um meme eleitoral, é algo a ver, mas a eventual
conclusão do Rodoanel sem sobressaltos e no prazo previsto de 2026 será um
ativo de real benefício à população.
Três dígitos
Folha de S. Paulo
Inflação argentina supera os 100%, enquanto
não se vislumbra saída para a crise
Para surpresa de ninguém, a inflação na
Argentina chegou ao patamar de três dígitos com os 102,5%
acumulados nos 12 meses encerrados em fevereiro. A marca decorre de anos
seguidos de má gestão do país, dada a incapacidade de estabelecer regras
sólidas para as políticas fiscal e monetária.
Depois do período de relativa prosperidade
entre 2002 e 2010, em que o país foi favorecido pela escalada dos preços das
matérias-primas por causa da demanda chinesa, a economia se deteriorou.
A secular escassez de divisas se agravou,
tendo o governo negociado e rompido seguidos acordos de financiamento com o
Fundo Monetário Internacional (FMI). A Argentina tem o infeliz título de
recordista mundial de calotes —depois do nono, em 2020, praticamente cessou o
financiamento externo.
É certo que o quadro inflacionário foi
agravado por fatores como a seca, que comprometeu a safra e encareceu
alimentos, mas a causa principal é o descontrole orçamentário crônico, além da
incapacidade de estabelecer regime monetário crível que estabilize o peso.
A expectativa para o crescimento da
economia neste 2023 está próxima de razoáveis 2%. Não é o suficiente, contudo,
para reverter o quadro de aumento da pobreza, que atinge 36,5% dos argentinos,
segundo as estatísticas oficiais.
As políticas do governo peronista de
Alberto Fernández prosseguem no estilo populista, com subsídios às contas de
energia e controles cambiais que levam a taxa do dólar paralelo a mais que o
dobro da fantasiosa cotação oficial.
Proliferam
regimes de exceção, como o caricato peso Qatar, adotado para
facilitar o turismo para a Copa do Mundo no ano passado, e outras regras que
visam preservar exportações como as de vinhos.
A conta pesa na popularidade do governo.
Para as eleições no fim do ano, as perspectivas da Casa Rosada não são animadoras.
Sondagem recente dá aos potenciais candidatos da situação —o próprio Fernández,
a vice e ex-presidente Cristina Kirchner ou o ministro da Economia, Sergio
Massa— não mais de 23% das intenções de voto.
A coligação Juntos por el Cambio, do
ex-presidente Mauricio Macri, tem 25,7%, e o direitista antissistema Javier
Milei, 20,4%.
O peronismo está em crise, mas sua maleabilidade e apelo popular tornam difícil um alinhamento político em prol de medidas responsáveis para resgatar o país da permanente instabilidade.
Presídios, símbolos da falência do Estado
O Estado de S. Paulo.
A onda de terror no RN expõe duas
metástases interdependentes que se alastram aceleradamente: a expansão do crime
organizado e a deterioração do sistema prisional
Há dias a população do Rio Grande do Norte
é acossada por mais uma onda de terror orquestrada por uma facção criminosa. A Secretaria
da Segurança potiguar acredita que a ordem tenha partido de lideranças do
Sindicato do Crime (SDC) – uma dissidência do PCC – que estão em uma
penitenciária da Grande Natal, em retaliação ao endurecimento das regras nas
prisões locais. Um “salve” – ou convocação – que circula por WhatsApp
supostamente lançado pelo SDC “justifica” a selvageria como uma reação às
condições “degradantes” dos presídios. Essas causas não se excluem e expõem as
raízes de duas metástases que se retroalimentam e se alastram com assombrosa
velocidade: a ascensão do crime organizado e a deterioração do sistema
prisional.
Na última década, o Brasil passou de
consumidor da cocaína produzida na Colômbia, Peru e Bolívia para um dos maiores
fornecedores do mundo, respondendo por 7% das apreensões globais, só atrás da
Colômbia (37%) e EUA (18%). As disputas das facções pela rota da Amazônia até
os portos nordestinos é plausivelmente a principal causa da escalada de
violência no Norte e no Nordeste.
A segurança pública é dever dos Estados,
mas nenhum deles tem recursos para enfrentar organizações que, em acelerada
nacionalização e internacionalização, se ramificam sofisticadamente por âmbitos
variados da sociedade civil, dos mercados e do Estado. Em 2018, o Congresso
buscou resolver essa “acefalia federativa” criando o Sistema Único de Segurança
Pública para coordenar ações de prevenção e inteligência entre os três níveis
da Federação. Mas o programa foi praticamente descontinuado pelo último
governo, mais interessado em armar os cidadãos do que em sofisticar a segurança
pública. Nesse vácuo, as facções multiplicam seus tentáculos como hidras.
Não é por coincidência que, da malha de
crimes perpetrados por elas, a sua face mais monstruosa esteja nos presídios.
Massacres, decapitações e até canibalismo se tornam uma apavorante rotina,
especialmente nas prisões do Norte e do Nordeste.
Em tese, o sistema carcerário deveria
atender a três fins: a proteção da sociedade pelo isolamento de seus
agressores, a dissuasão dos aspirantes ao crime e a ressocialização dos
condenados. Na prática, o sistema prisional inverteu completamente esses fins –
e, a começar pelo primeiro e mais importante, promove o seu oposto.
Nas últimas décadas, os presídios se
transformaram em verdadeiras incubadoras do crime. É de lá que as facções
extraem sua matéria-prima. Na comparação internacional, o Brasil tem altas
taxas de encarceramento, de presos sem condenação e de superlotação. Apenas 15%
dos presos estudam e 18% trabalham. Cerca de 40% são provisórios. Responsáveis
por crimes de menor impacto e que poderiam ser passíveis de penas alternativas,
na maioria jovens, são obrigados a se submeter a pactos de vassalagem com
condenados por crimes de sangue, hediondos ou de organização criminosa, que,
estima-se, representam só 13% da população prisional.
Todos os anos são enviados para essas
“masmorras medievais” – na célebre definição de José Eduardo Cardozo, então
ministro da Justiça, em 2015 – multidões de pobres-diabos que, após passar
pelos rituais da academia do crime armada pelas facções, são bombeados para a
sociedade em legiões mais ressentidas, mais violentas e mais organizadas.
Ao invés de reintegrarem os criminosos à
sociedade, os presídios estão submetendo a sociedade ao crime. Numa espécie de
pesadelo, porções inteiras do Brasil transformam-se num grande presídio. Os
abastados se enclausuram em condomínios amuralhados e carros blindados. Os
pobres veem bairros inteiros serem sequestrados pelas organizações criminosas,
que controlam seus mercados e infraestrutura, cooptam seus votos e recrutam
seus filhos, num verdadeiro Estado paralelo. Os que ousam resistir são
retaliados com as mais horrendas humilhações e crueldades.
Os presídios que, em tese, deveriam ser o
símbolo maior do poder do Estado, na prática são hoje o emblema máximo de sua
falência. Enquanto essa subversão infernal não for revertida, a Nação pagará
cada vez mais com seu sangue.
Promessas não dissiparão as incertezas
O Estado de S. Paulo.
Como mostrou o seminário da Conjuntura
Econômica Estadão/FGV, não há atalhos nem mágica: sem um arcabouço fiscal
robusto, pressões sobre inflação e sobre juros persistirão
O Instituto Brasileiro de Economia da
Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) é centro de excelência de produção de dados
econométricos e de pesquisas em macroeconomia. As opiniões de seus quadros são,
assim, um importante termômetro para medir as expectativas em relação ao futuro
da economia. No último seminário sobre a Conjuntura Econômica do Ibre,
realizado em parceria com o Estadão com a participação dos pesquisadores José
Julio Senna, Silvia Matos e Armando Castelar, prevaleceu não o pessimismo, nem
tampouco o otimismo, mas um estado de suspensão – porém, com uma conotação mais
de apreensão do que de esperança.
O cenário internacional é ambivalente. Por
um lado, há ventos favoráveis ao Brasil, em especial pela alta das commodities
e a reabertura da China. Por outro, está claro que as pressões inflacionárias
seguirão em escala global, levando o Fed, o banco central (BC) americano, a
alertar para apertos na política monetária.
Didaticamente, J.J. Senna listou seis itens
que resumem as dificuldades do BC brasileiro: os juros reais estão altos; a
expectativa de inflação é alta; as projeções apontam uma inflação em “U”, ou
seja, cai, depois sobe; a inflação projetada está acima da meta; os juros nos
EUA estão subindo; e, mais importante, o ajuste fiscal, até agora, é só uma
promessa.
O governo oscila entre propagandear
perspectivas otimistas sobre o crescimento e conjurar de antemão bodes
expiatórios para justificar seu possível fracasso, como a política de juros do
BC, mas pouco tem feito para gerar expectativas de superávit fiscal sustentável
que facilitariam a queda dos juros.
Até agora, o que se tem de certeza é o aumento
dos gastos calcado no discurso da “herança maldita”. Mas a “licença” para
gastar R$ 200 bilhões via PEC da Transição foi muito além da mera recomposição
da verba para programas sociais e elevou a projeção do déficit primário para R$
231 bilhões. Depois, acenou-se a novas despesas, como o aumento do salário
mínimo, combinadas a isenções na tabela do Imposto de Renda. Não que essas
medidas não sejam defensáveis. O problema é que, em relação às medidas
consequentes para neutralizar seus impactos nas contas públicas, só há
projeções irrealistas sobre o aumento de receitas e um mar de incertezas sobre
a reforma tributária e, mais urgente, o arcabouço fiscal.
“Nada substitui um ajuste fiscal robusto e
no fundo isso significa levar ao extremo o raciocínio original do ministro da
Fazenda (Fernando Haddad), a coordenação da política fiscal e da monetária”,
disse J.J. Senna. “Evidentemente, o ajuste que precisa ser feito é do lado da
política fiscal.”
Esse ajuste logo de início permitiria virar
a página da inflação, possibilitando ao governo planejar suas políticas com
juros mais baixos. De imediato, esse remédio amargo imporia freios aos
estímulos estatais ao crescimento e é esse o ônus que o governo quer evitar.
Mas a hesitação só tem prolongado as incertezas, gerando comportamentos
erráticos e contraditórios. Por um lado, por exemplo, o governo aprovou a
reoneração dos combustíveis. Por outro, a título de compensação, tributou as
exportações do petróleo. Mas isso desestimula investidores e traz insegurança
jurídica para o setor. Ou seja, em termos de crescimento, os ganhos imediatos
hoje custarão o dobro amanhã. Como afirmou Castelar, “na ausência de alguma
coisa que segure o gasto, o governo está tentando aumentar a arrecadação
tributária”. Mas, com isso, as expectativas de inflação seguem subindo. Se a
pressão política sobre o BC levar a um afrouxamento precoce da política
monetária, essas expectativas subirão ainda mais. Depois de mais um voo de
galinha, isso poderia pôr o País na rota da estagflação em 2024.
O resumo do seminário Estadão/FGV é
simples: não há atalhos, não há mágica. O governo pode bater o quanto quiser no
BC, pode lançar mão dos eufemismos que quiser para evitar a temível palavra
“teto”. Mas sem uma fórmula transparente, clara e inequívoca para o controle
dos gastos públicos, as pressões inflacionárias não cederão no grito e os juros
seguirão altos.
Mais um banco em dificuldades
O Estado de S. Paulo.
Credit Suisse amplia incertezas sobre
regulação do setor e sobre continuidade de aperto monetário no mundo
A divulgação do balanço do Credit Suisse
caiu como bomba sobre os mercados globais. Após anunciar o quinto trimestre
consecutivo de prejuízos, o banco admitiu ter encontrado fragilidades
significativas nos relatórios financeiros dos últimos dois anos e viu suas
ações despencarem. A situação piorou depois que um de seus principais
acionistas, o Saudi National Bank, se negou a fazer uma injeção de capital para
garantir a liquidez da instituição.
Com quase 10% do capital do Credit Suisse,
o Saudi National Bank mencionou limites regulatórios e estatutários para
ampliar sua participação, mas seu presidente, Ammar Al Khudairy, deixou
implícito haver outras razões por trás da decisão. A crise somente foi
amenizada depois que os reguladores suíços asseguraram que a instituição
atendia aos requisitos mínimos de capital e liquidez. Em paralelo, o Banco
Nacional Suíço anunciou estar disposto a financiá-la se necessário – linha que
o Credit Suisse acessou no mesmo dia.
Os problemas do Credit Suisse não são novos
e ultrapassam seus resultados. Segunda maior instituição financeira da Suíça, o
banco expôs seus clientes a perdas ao investir seus recursos em empresas e fundos
que acabaram por falir. Foi envolvido, também, em escândalos de espionagem
implicando os executivos e esquemas de corrupção, lavagem de dinheiro e tráfico
de drogas que comprometeram sua confiança, um ativo indispensável para qualquer
banco.
Embora nada tenha a ver com a quebra dos
norteamericanos Silicon Valley e Signature Bank, a situação do Credit Suisse
ampliou o temor de uma crise sistêmica – não apenas pelo porte do banco, mas
também porque os problemas de lucratividade não são exclusividade da instituição.
Em conjunto, os eventos trouxeram incertezas sobre a efetividade da regulação
do setor bancário, rumores sobre um movimento de consolidação no segmento e
dúvidas sobre a continuidade do aperto monetário no mundo todo.
Entre os investidores, há quem acredite que
os episódios envolvendo as três instituições reforçam a necessidade de redução
das taxas de juros pelos bancos centrais. Mas há também quem defenda o oposto e
atribua os problemas a anos de políticas monetária e fiscal frouxas, como Larry
Fink, fundador da BlackRock, maior gestora de recursos do mundo. Para ele, a
liquidez garantida fez os bancos se acomodarem e negligenciarem riscos que se
concretizaram nos últimos anos – como a pandemia de covid-19, a guerra na
Ucrânia e a fragmentação das cadeias produtivas – e suas consequências na
inflação, nos ativos e nos juros.
Nesse contexto, o sistema bancário brasileiro, mais fechado que o de outros países, está menos exposto a abalos. As instituições, no entanto, precisam lidar com questões internas, como a inadimplência recorde das pessoas físicas e os indícios de problemas de crédito das empresas. O Banco Central, por sua vez, segue pressionado a lidar com uma inflação resiliente, muito elevada e longe de estar domada, e que se soma a um cenário internacional cada vez mais turbulento.
BCE eleva juros, mas deixa em aberto
próximos passos
Valor Econômico
Elemento decisivo será o efeito da
instabilidade financeira sobre o desempenho da economia e da inflação
O Banco Central Europeu, em meio às enormes
incertezas decorrentes das fragilidades de bancos nos Estados Unidos e na
Europa, elevou os juros em 0,5 ponto percentual, para 3%. O banco seguiu o
script escrito na reunião anterior até certo ponto, retirando porém qualquer
indicação de para onde as taxas irão a partir de agora. Antes, acenara com
aumentos sucessivos até que a inflação se aproximasse da meta, o que não deve
ocorrer tão cedo. Mais atrasado no ciclo de aperto monetário do que o Fed
americano, o BCE deu pistas sobre as decisões que serão tomadas na próxima
semana pelo Fed e pelo Banco da Inglaterra.
O presidente do Fed, Jerome Powell, deve
seguir o roteiro da reunião anterior do Fomc e não o de sua prestação de contas
ao Senado no início do mês, depois que dados surpreendentemente fortes da
economia americana o levaram a considerar um novo aumento do ritmo da alta de
juros, sinalizando com 0,5 ponto. As quebras do Silicon Valley Bank e do
Signature levaram o Fed a abrir linhas de liquidez para os demais bancos se
protegerem de eventuais corridas por saques. Manter a promessa e elevar o fed
funds em 0,25 ponto percentual, sem se comprometer com o destino futuro das
taxas, como fez o BCE, é a principal aposta dos investidores, refletida nos
juros futuros.
Os riscos sobre a estabilidade financeira
comandarão os próximos passos. O Credit Suisse foi socorrido ontem por
empréstimos de US$ 54 bilhões do Banco Central Suíço, o que acalmou por algum
tempo os mercados, pois a situação do banco segue delicada até que sua
reestruturação dê frutos - se der. A presidente do BCE, Christine Lagarde, em
comunicado, afiançou que os bancos da região têm “forte posição de capital e
liquidez” e que a autoridade monetária está preparada para ampará-los em
quaisquer circunstâncias. A estabilidade financeira voltou a ser lembrada como
tão importante quanto a estabilidade de preços, algo que esteve subentendido
nos comunicados anteriores da instituição.
Nos Estados Unidos, onde o Fed está mais
próximo do fim do ciclo de aperto, a instabilidade financeira parece mais
pronunciada. Ontem, as ações do First Republic Bank, com US$ 210 bilhões em
ativos, voltaram a ter quedas expressivas (30%), por efeito contágio. As
principais instituições do setor, como JP Morgan, Bank of America, Wells Fargo
se juntaram para oferecer amparo de US$ 30 bilhões para a instituição sediada
em São Francisco.
Em sinalização importante, Lagarde disse que
“se o cenário básico do banco prevalecer quando as incertezas se reduzirem,
sabemos que temos ainda muito chão a percorrer” para domar a inflação, que deve
persistir “muito alta por muito tempo”. Ou seja, continuar combatendo
frontalmente a inflação dependerá também de que as ameaças que pairam sobre o
setor financeiro amenizem - o grau de aperto monetário subsistente e necessário
deve agora estar subordinado a outro objetivo, o fim das ameaças à segurança
financeira.
No caso do Fed, a situação é mais complicada,
não só porque saiu rapidamente da posição de “atrás da curva” para outra, de
aperto significativo. O banco havia reduzido seu balanço em US$ 500 bilhões com
o “quantitative tightening”, mas essa ação, junto com a de juros bem mais
restritivos, se mostram contraditórias com a abertura de linhas para ampliar a
liquidez de proteção contra a corrida aos bancos menores e regionais. Com os
empréstimos de emergência, em troca de títulos, o balanço do Fed subiu US$ 440
bilhões, voltando a inchar. No caso do BCE, sua posição é preventiva. O socorro
veio do BC suíço, fora do bloco monetário, e os apuros graves do Credit não
contaminaram até agora instituições de peso na zona do euro.
Outro elemento decisivo será o efeito da
instabilidade financeira sobre o desempenho da economia e da inflação. As
“severas tensões” no mercado financeiro, para o BCE, reduziram e encareceram o
crédito na zona do euro a empresas e consumidores, afetando as projeções de
crescimento, piores do que em dezembro (1% em 2023), e a variação dos preços,
que caiu de 6,3% para 5,3%. O passo da economia americana é mais forte, mas os
dados de fevereiro indicam desaceleração. Na Europa e EUA a inflação segue
distante das metas, que os dois BCs não atingem há 15 anos. Uma recessão
provocada pelo imbróglio financeiro pode derrubá-la mais rapidamente.
O sinal do BCE de que espera com calma mais clareza sobre como a “situação se desenrola” deve ser o mesmo do Fed. Os “guidances” dos BCs perderão nitidez.
Nenhum comentário:
Postar um comentário