Valor Econômico
Mudança irá provocar mudanças na
distribuição da renda real ao longo do tempo
O Congresso deverá analisar em breve a
proposta de reforma tributária que está no plenário. A proposta deverá
enfrentar dificuldades na tramitação, pois alguns setores perderão arrecadação.
Quais são os principais pontos positivos e negativos da proposta? Como
funcionará a desoneração da cesta básica e o “cash-back” para os consumidores
pobres?
Em primeiro lugar, é importante entender como funciona a estrutura tributária brasileira. Segundo dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil arrecada 32% do PIB com impostos, sendo 14% do PIB com impostos sobre bens e serviços, 7% com impostos sobre a renda, 8% com contribuições previdenciárias e o restante com demais impostos. A arrecadação total brasileira está em linha com a média dos países da OCDE e acima dos demais países latino-americanos.
Mas, isto acontece porque os impostos sobre
bens e serviços (que são regressivos) são bem maiores do que a média, ao passo
que os impostos sobre a renda são menores. Ou seja, os pobres pagam
proporcionalmente mais impostos no Brasil do que nos outros países do mundo.
Assim, como o país ainda é extremamente desigual, será necessário, num segundo
momento, aumentar os impostos sobre os rendimentos dos mais ricos para
financiar as políticas sociais e diminuir os impostos pagos pelos mais pobres.
A proposta de reforma tributária não tem
pretensões redistributivas, visando unicamente aumentar a eficiência do
processo de arrecadação de impostos, o que não é pouca coisa. O sistema
tributário brasileiro é muito confuso, o que faz com que as empresas gastem
muito tempo para cumprir as regras. Além disto, há vários regimes distintos e
distorções. Assim, a proposta é necessária e se for aprovada trará ganhos de
produtividade e crescimento econômico.
Mas é preciso que a sociedade esteja ciente
de que a reforma irá alterar preços relativos em toda a economia e poderá ter
efeitos distributivos indiretos ao longo do período de transição. Se o tributo
unificado for de 25%, por exemplo, setores que pagam atualmente uma alíquota
menor, como muitos serviços, irão repassar o aumento de impostos para seus
preços e vice-versa. Os repasses das alterações de impostos para os preços irão
depender do poder de mercado de cada empresa e da sensibilidade dos
consumidores a mudanças de preços. E como a cesta de consumo varia muito com a
renda, a reforma irá provocar mudanças na distribuição da renda real ao longo
do tempo.
Vamos exemplificar com a reoneração dos
produtos da cesta básica. Atualmente, os produtos da cesta básica não pagam
impostos federais. Isto foi feito para diminuir os preços destes produtos e
beneficiar os mais pobres. A proposta de reforma tributária pretende reonerar
estes produtos e devolver o dinheiro dos impostos pagos pelos mais pobres, o
“cash-back”.
A desoneração dos produtos da cesta básica
é ineficiente como política social, uma vez que os ricos também compram
produtos da cesta e, portanto, também são beneficiados. Além disto, ela
distorce os preços relativos, que deveriam refletir a demanda e a oferta dos
produtos. Assim, a proposta de reoneração faz sentido. Mas, ela poderá gerar
efeitos não esperados.
O aumento de impostos irá elevar os preços
dos produtos da cesta básica, o que iria prejudicar os consumidores mais
pobres, que gastam uma parcela muito grande da sua renda com estes produtos.
Este efeito será anulado pelo “cash-back”. Mas, como será feita a devolução do
imposto pago? A primeira opção seria transferir eletronicamente o valor do
imposto diretamente para a conta corrente dos compradores mais pobres.
Poder-se-ia transferir o dinheiro para a mesma conta em que o consumidor recebe
as transferências do programa Bolsa Família, por exemplo.
Ocorre que as empresas no setor informal
não pagam impostos. Assim, seu preço não irá subir com a reoneração, o que irá
alterar os preços relativos. O consumidor só irá receber o dinheiro dos
impostos de volta se ele comprar em uma empresa formal. Assim, o consumidor
pobre terá duas opções: comprar com preço mais barato no setor informal ou
comprar o produto mais caro no setor formal e receber o dinheiro de volta. Se
ele for indiferente entre as duas situações, nada mudará para ele. O preço
efetivo irá aumentar somente para os consumidores mais ricos.
Mas se consumidor pobre ficar feliz ao
receber dinheiro de volta na hora de comprar um produto, poderá haver um
incentivo à formalização das firmas. Isto ocorreu com a nota fiscal paulista,
por exemplo, que tinha sorteios para os consumidores que pedissem a nota
fiscal. Um artigo importante publicado recentemente (Joana Naritomi, 2019)
mostrou que este sistema fez com que as empresas paulistas aumentassem as
receitas declaradas para o fisco em 27%.
Uma outra possibilidade seria devolver uma
estimativa do imposto pago para todas as pessoas pobres da região, ou seja,
aumentar o valor da transferência do Bolsa Família com o valor do imposto
médio. Neste caso, porém, como as firmas formais terão preços mais altos, as
informais ganharão muitos consumidores, gerando forte incentivo à informalização.
Assim, mecanismos específicos de operacionalização do sistema podem gerar
grandes diferenças nos preços relativos e nos incentivos.
Em suma, a reforma tributária não irá
resolver os grandes problemas distributivos do país, e não há problema nenhum
com isto, uma vez que as distorções são grandes e a mera resolução destes
problemas já deverá reduzir custos e gerar aumentos de renda para todos.
No entanto, é necessário estarmos cientes
de que a reforma irá alterar preços relativos, beneficiando consumidores
diferentes e gerando efeitos distributivos indiretos ao longo do período de
transição. E que aspectos específicos da operacionalização da reforma poderão
gerar incentivos positivos ou negativos à formalização.
*Naercio Menezes Filho é
professor Titular da Cátedra Ruth Cardoso no Insper, professor associado da
FEA-USP, membro da Academia Brasileira de Ciências e Diretor do CPAPI
Um comentário:
Os impostos assim que criados se tornam invariáveis por média aritmética quando em algumas alíquotas cabe a média ponderada em relação ao PIB.
Nos Estados há taxas que ponderadas como a de esgoto a 80% sobre o consumo d'água que facilmente e por consenso de confisco podem ser federalizadas pelo seu caráter inisonegável...
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