BC pode dar já o sinal de que os juros começarão a cair
Valor Econômico
IPCA de maio deu amplos
sinais de desaceleração consistente da inflação
O declínio convincente da
inflação, confirmado pelo IPCA de maio, deve levar o Banco Central a sinalizar
que o período de aperto monetário encaminha-se para sua reversão. Afora a
reunião do Copom, outros fatores podem influir na política monetária até o fim
do mês. O Conselho Monetário Nacional deve estabelecer, em 29 de junho, a meta
de 2026 e confirmar a de 2025, assim como mudar o intervalo de tempo no qual a
meta deve ser atingida. No mesmo dia, mas com efeitos sobre a orientação futura
do BC sob a égide do governo Lula, será sabatinado pelo Senado Gabriel
Galípolo, atual braço direito do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, indicado
para a diretoria de política monetária.
A tempestade de críticas ao Banco Central feitas pelo presidente Lula e seus ministros produziu muito calor e pouca luz. A resposta sobre a eficácia ou não da política executada pelo BC é demonstrada agora pelos resultados, como o do IPCA de maio, inferior ao de todas as expectativas de mercado. Depois de 11 meses elevando a taxa Selic até atingir 13,75%, e mais 7 meses mantendo-a nesse nível, o aumento dos juros levou o tempo de livro texto para começar a dobrar a inflação, de 18 a 24 meses. O IPCA de 0,23% diminuiu a taxa acumulada em doze meses a 3,94%, dentro das margens do sistema de metas. O IGP-DI, com deflação de 2,23%, acumulou queda de 5,49% em um ano, a maior da série, iniciada em 1945.
Com a dose cavalar de
juros, BC e analistas se intrigaram sobre as razões pelas quais seus efeitos
consistentes não apareceram antes e com mais força. A autoridade monetária
ainda relativiza, com razão, os números. Ao contrário do que ocorreu no IPCA de
abril, a média dos cinco núcleos de inflação recuou de 7,31% para 6,72%,
segundo cálculos feitos pela MCM Consultores. Sua média trimestral,
dessasonalizada e anualizada, diminuiu de 6,4% para 5,7%. O núcleo de serviços subjacentes,
que mede os mais afetados pelo ciclo corrente, recuou de 7,52% para 7,13%.
Pode-se argumentar que ainda se está muito longe da meta de 3,25% ou de seu
teto, de 4,75%, mas, ainda que isso seja verdadeiro, em quase dois anos de
aperto nunca se esteve tão perto deles.
O IPCA deu amplos sinais
de desaceleração da inflação. Serviços foi o setor que emergiu por último do
inferno econômico causado pela pandemia e a recomposição de seus preços
mostrou-se vigorosa até recentemente, mas começa a estacionar. Não só o núcleo
de serviços subjacentes caiu, como também os preços de serviços tiveram
deflação em maio (-0,06%). Alimentos e bebidas, que puxaram a alta da inflação
por bons meses, recuaram de 0,71% para 0,16%. Com uma safra recorde a caminho,
é difícil que voltem a disparar, a menos que ocorram reviravoltas climáticas
abruptas. O índice de difusão, que mede a porcentagem dos produtos em alta em
relação ao total dos bens coletados, saiu de 66% para 56%, inferior à média
mais usual de 60% de um período em que a inflação é bem comportada.
As expectativas estão
agora menos desancoradas do que em período recente. Há quatro semanas a
previsão de inflação para o ano vem se reduzindo, de 6,02% para 5,69%, e o
mesmo movimento se observa em relação a 2024 (de 4,16% para 4,12% no Focus de 2
de junho). Essas estimativas consideram que o BC irá reduzir a Selic para 12,5%
até o fim do ano.
Há fatores influenciando
em direções opostas os preços no curto prazo. Um deles é a base do IPCA, que
teve deflações em julho, agosto e setembro, que não devem se repetir este ano,
ao contrário. Elas foram causadas pela redução dos impostos sobre combustíveis
e energia pelo governo Bolsonaro e sua reversão parcial ocorrerá nos próximos
meses. Haddad anunciou reoneração em setembro de R$ 0,11 de R$ 0,35 rebaixados,
para cobrir parte da conta do programa do “carro popular” anunciado pelo
governo.
Por outro lado, os preços
das commodities estão em queda moderada e seu impacto na inflação é reforçado
pela valorização do real. No ano, o dólar comercial perdeu quase 10% do valor
até sexta-feira (começou o ano em R$ 5,45, encerrou o fim de semana a R$ 4,87).
O risco de calote do país voltou a ficar abaixo dos 200 pontos, o que tem
colaborado para o ingresso de dólares no país, ao lado do expressivo superávit
comercial de maio (US$ 11,3 bilhões).
A pergunta corrente é
sobre quando o BC iniciará a redução dos juros, não mais se fará isso ou não a
curto prazo. Como a derrota da inflação não está consolidada para 2024, o BC
poderá indicar que iniciará o movimento de redução de taxas em breve, sempre,
claro, se for autorizado pelo balanço de riscos. Um dos sinais seria, por
exemplo, retirar a agora dispensável frase das últimas atas de que “não
hesitará em retomar o ciclo de ajuste caso o processo de desinflação não
transcorra como esperado”, que serviu, fora o relevo técnico, para mostrar a um
governo que investira contra a autoridade monetária, exigindo baixa dos juros,
que ela era independente.
A discussão de mudança
das metas parece ter sido soterrada, embora possa reaparecer no CMN. A ideia de
ampliar o prazo para consecução da meta é boa e se adequaria melhor ao
instrumento, a taxa de juros que, como se mostra mais uma vez agora, seu pleno
efeito só se consuma em bem mais de 12 meses.
Despoluição é negócio promissor para petrolíferas
O Globo
Em vez de só explorar óleo e gás nas últimas áreas
disponíveis, Petrobras deveria investir em capturar carbono
Não só a Petrobras é alvo de
críticas por querer extrair petróleo numa região ambientalmente sensível como a
foz do Amazonas. Há reclamações idênticas em várias partes do mundo, onde a
atuação de petrolíferas cria risco de vazamentos e desastres ambientais. Como
revelou reportagem do GLOBO, existem 2.095 atividades de produção de petróleo e
gás em 835 áreas de proteção, espalhadas por 91 países.
Ambientalistas argumentam que áreas protegidas têm sido rebaixadas ou retiradas da relação de regiões de risco ambiental na atual fase de transição energética, em que as empresas de petróleo buscam repor suas reservas. “À medida que a indústria fica sem óleo fácil, as petroleiras ampliam para ambientes vulneráveis, incluindo patrimônios mundiais declarados pela Unesco, hábitat de tigres ou territórios com povos indígenas sem contato”, diz Kjell Kuehne, diretor da ONG alemã Lingo.
Na Namíbia, a canadense Reconnaissance Energy atua na bacia hidrográfica do
delta do Okavango desde 2021, sob críticas da população e de ambientalistas.
Como no Brasil, há conflitos dentro do próprio governo. Os ministérios da
Energia e do Meio Ambiente estão em choque, e o caso está na Justiça, por causa
da denúncia de contaminação de rios.
Nos Estados Unidos, o
presidente Joe Biden é criticado por ter aprovado a exploração de petróleo no
Alasca, apesar de ter prometido na campanha que reduziria o consumo de
combustíveis fósseis. Mas, com o mundo no início da transição para energia
limpa, o petróleo ainda mantém papel preponderante nas matrizes energéticas.
Em tal cenário, petrolíferas têm investido na captura de carbono da atmosfera para estocá-lo no subsolo. Na Europa, um consórcio formado por Shell, Equinor e Total planeja armazenar carbono abaixo do Mar do Norte, em antigas áreas de exploração. A americana Occidental Petroleum, por meio da subsidiária 1PointFive e da startup Carbon Engineering, desenvolve a primeira unidade em escala comercial para capturar carbono no ar.
Ela simula o funcionamento das árvores, concentrando o gás. O objetivo inicial
é injetá-lo em poços para aumentar a produção de petróleo. O gás pode ainda ser
usado em bebidas ou para ajudar no crescimento de plantas em estufas. Quando a
unidade industrial conseguir retirar 500 mil toneladas de carbono da atmosfera
por ano, em 2025, o gás será retido para ajudar no combate ao aquecimento
global. A Occidental Petroleum planeja construir cem usinas de larga escala até
2035.
A maior de todas as
petroleiras, a ExxonMobil, já tem uma “divisão de baixo carbono” e também
pretende prestar serviços de descarbonização a grandes poluentes, como
siderúrgicas ou fábricas de cimento. A empresa prevê que a atividade alcançará
receita global de US$ 6 trilhões em 2050.
No Brasil, a Petrobras anunciou que destinará 15% de seus investimentos entre 2024 e 2028 — ou quase R$ 12 bilhões — a “negócios de baixo carbono” e fontes renováveis. É uma boa notícia. Em vez de insistir em explorar petróleo nas poucas áreas que restam, a Petrobras também precisa seguir esse caminho. Para mitigar os danos ambientais dos combustíveis fósseis, não basta produzir energia limpa. Despoluir a atmosfera também promete ser um bom negócio para as empresas que até hoje vivem de petróleo, mas precisam buscar um novo futuro.
Descaso com passageiros de
ônibus exige mais treinamento e punição
O Globo
Idosa cadeirante que morreu
depois de lançada para fora do veículo não é caso isolado — sobretudo no Rio
É compreensível o
inconformismo da família com a morte estúpida de sua matriarca, Bernadete
Augusto dos Anjos, de 82 anos, no dia 14 de maio. Cadeirante, Bernadete tinha
ido com a filha, Solange Pedro dos Santos, 48 anos, festejar o Dia das Mães na
popular Feira de São Cristóvão, na Zona Norte do Rio. Quando voltavam para casa
de ônibus, se tornaram vítimas da incúria e do descaso que permeiam esse tipo
de transporte no Rio e noutras cidades brasileiras. Mãe e filha foram
arremessadas para fora do veículo quando uma porta se abriu numa curva na
Avenida Brasil. Bernadete morreu. Solange sofreu escoriações.
Como uma porta pode se
abrir com o ônibus em movimento? Claramente o veículo não estava em condição de
transportar passageiros com segurança. A falha na porta não era o único indício
da precariedade criminosa. Parentes de Bernadete contaram que o cinto de
segurança para a cadeira de rodas — que poderia ter salvado a vida dela —
estava com defeito. Solange teve de segurar a mãe durante a viagem.
A história trágica de
Bernadete está longe de ser um caso isolado. Acidentes ligados às más condições
dos veículos ou à falta de treinamento dos motoristas têm sido comuns,
sobretudo no Rio. Em 28 de fevereiro, Juliane Campelo da Silva Layana, 31 anos,
morreu em condições parecidas. Caiu de um ônibus de integração do metrô quando
a porta usada por deficientes abriu numa curva. No dia 10 de maio, uma idosa
morreu atropelada por um ônibus em Belford Roxo, na Baixada Fluminense — segundo
a polícia, ela subia pela porta de trás quando o condutor arrancou. Uma semana
antes, também em Belford Roxo, um idoso morrera em situação semelhante.
Casos assim expõem a
debilidade dos sistemas de ônibus. Por uma inversão histórica, esse tipo de
transporte domina o mercado nas grandes cidades brasileiras, superando os de
alta capacidade, como trens ou metrô. Em geral, prestam um péssimo serviço.
Veículos degradados, barulhentos e desconfortáveis, motoristas despreparados e
mal-educados, frotas insuficientes e empresas que não cumprem as grades de
horário — tudo isso impõe sacrifício diário a milhões de passageiros, muitos
sem alternativa para deslocar-se. Seria fundamental, pelo menos no Rio, treinar
os motoristas para que aprendam a respeitar o passageiro e a valorizar mais a
segurança que a velocidade. É essencial punir os relapsos e incompetentes.
Claro que a culpa não é só
das empresas de ônibus. O poder público também tem responsabilidade pelo mau
funcionamento do setor. Em muitos casos, os serviços não se pagam, porque as
tarifas são fixadas mais com base no calendário eleitoral que nas planilhas de
custo (e as despesas não cessam). Reajustes previstos em contrato são
cancelados ou adiados em nome do populismo e da demagogia em busca de voto
fácil. Os governos fingem que cobram das transportadoras, e elas fingem que
cumprem suas obrigações. Lamentavelmente, a grande vítima desse faz de conta
irresponsável é o passageiro, que diariamente paga tarifa para pôr sua vida em
risco.
Rever subsídios
Folha de S. Paulo
Benefícios crescem em
2022 e comprometem eficiência e equilíbrio do Orçamento
Diante do desafio de
equilibrar o Orçamento e, ao mesmo tempo, tornar mais justas e eficientes a
cobrança de impostos e a despesa pública, é preocupante constatar o crescimento
dos gastos da União com subsídios.
No ano passado, segundo
relatório divulgado pelo Ministério do Planejamento, os subsídios consumiram R$ 581,5 bilhões, equivalentes a
5,86% do Produto Interno Bruto —e R$ 156,25 bilhões a mais que
o registrado em 2021.
Trata-se do terceiro
maior nível desde 2003. Apenas no biênio 2015-16 os valores foram maiores, de
6,4% do PIB em média, em razão do forte impacto das linhas de juros reduzidos
pelo BNDES.
O relatório considera
três tipos de subsídios —tributários, creditícios e financeiros. Os primeiros
se referem a reduções ou isenções de impostos a setores ou
produtos específicos. Os outros dois são programas que
disponibilizam dinheiro a juros subsidiados.
O crescimento da conta no
ano passado decorre de inúmeros fatores. Apenas a desoneração eleitoreira dos
combustíveis custou quase R$ 30 bilhões à União. A alta dos juros para combater
a inflação, além disso, aumentou o custo de captação do Tesouro e, com ele, o
valor dos subsídios.
Daí ser essencial avaliar
as políticas públicas que determinam essas despesas, um esforço que vem tomando
forma e poderá levar a maior eficiência na alocação de recursos ao longo do
tempo.
A cargo do Ministério do
Planejamento, está em andamento a avaliação de ao menos oito programas que
contam com recursos da União em algum dos três formatos.
Estão na lista, entre
outros, as deduções de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) para gastos
em ciência e tecnologia, Fundo da Marinha Mercante, Programa de Financiamento
às Exportações e o Programa Universidade para Todos (Prouni).
Espera-se que a pasta
divulgue o resultado do trabalho em julho para nortear um debate sobre a
eficácia e destino desses programas, segundo noticiou o jornal Valor Econômico.
Mais do que apenas cortar ou ampliar, é preciso avaliar se qualquer despesa
pública cumpre os objetivos para os quais foi criada.
É preciso que se
estabeleça uma cultura de avaliação no serviço público. Políticas mal
desenhadas ou anacrônicas devem ser modificadas ou descontinuadas sem maiores
controvérsias, a partir de medições objetivas e transparentes.
Programas apenas deveriam
ser criados após criteriosa avaliação de impacto esperado e custo orçamentário.
A garantia de visibilidade diminui o espaço para que grupos de pressão obtenham
benefícios —e a longo prazo torna os serviços do Estado mais eficientes.
Centro sem lei
Folha de S. Paulo
Falta de ações integradas
na cracolândia amplia oportunidades para o crime
A falta de políticas
públicas duradouras e eficazes para a cracolândia do centro paulistano,
combinada à leniência do poder público com o crime, cria ambiente propício para
práticas de extorsão.
Como noticiou a Folha,
comerciantes relatam que um grupo que diz ter o controle do tráfico de drogas
na região tem cobrado parcelas mensais de R$ 30 mil para retirar dependentes
químicos das portas de estabelecimentos e residências —o valor
seria dividido entre os empresários, variando entre R$ 1.000 e R$ 5.000 de
acordo com o tamanho do negócio.
O impacto da crise de
saúde e de segurança na cracolândia sobre lojistas é mais um desdobramento de
um drama humanitário
Nos primeiro trimestre
deste ano, ao menos 23 comerciantes fecharam as portas nos bairros Santa
Ifigênia e Campos Elíseos. Usuários de droga, que antes se concentravam na
praça Júlio Prestes, agora perambulam pelo centro da cidade após sucessivas
operações policiais, muitas delas truculentas, que dispersaram o problema.
Ademais, e ainda pior, há
indícios de participação de agentes públicos na extorsão. Na quarta (7), o
prefeito Ricardo Nunes (MDB) encaminhou, por meio da Controladoria-Geral do
Município, um pedido de prisão de guardas municipais suspeitos de
envolvimento no esquema criminoso.
Apesar da iniciativa, é
melhor que a prefeitura não trate o episódio como apenas um caso isolado no
órgão de segurança pública, mas coopere com a investigação para averiguar
eventual conivência do poder público.
O descontrole na
cracolândia, além de favorecer atividades ilícitas, gera casos de violência. No
episódio mais recente, na tarde da última sexta-feira (9), um motorista de aplicativo foi agredido e teve seu
veículo depredado na região.
Evidente que a questão
principal é lidar com a escassez de políticas de saúde pública e de habitação.
Não há soluções mágicas. A aposta da administração municipal de Nunes em
internação —por vezes, contra a vontade do usuário— e em medidas penais não dá
conta da crise, que requer medidas interdisciplinares de longo prazo.
A ausência de ações contínuas resulta em caos social, que estimula a corrupção de agentes públicos, dado que moradores e comerciantes desesperados recorrerão a meios privados para se protegerem e fazerem valer direitos que deveriam ser garantidos pelo Estado.
Os acenos de Lula para o agronegócio
O Estado de S. Paulo
Lula tem razão: sem o Estado, o agro não
teria o tamanho que tem. Mas sem o agro o Estado não teria a força que tem. É
preciso valorizar tal parceria, sem distorcer os papéis de cada um
Após um semestre marcado por atritos entre
o governo e o agronegócio, o presidente Lula da Silva fez um bem-vindo gesto de
conciliação. Em discurso na Bahia Farm Show, Lula buscou aparar arestas e
manifestou a intenção de construir pontes. A questão é até que ponto passará do
discurso à prática.
Recentemente, o ministro da Agricultura,
Carlos Fávaro, evocou um Lula magoado e incompreendido. “Ele me pergunta por
que (os empresários do agronegócio) não gostam dele”. O enquadramento no plano
afetivo já sugere uma estratégia recorrente de Lula e seu partido: tratar
divergências políticas como preconceito de classe. A questão é por que os
grandes produtores rurais não concordam com Lula. E aí não faltam razões.
Muito além do incômodo com invectivas
palanqueiras, como alusões a ruralistas como vilões ambientais ou “fascistas”,
há conflitos reais no campo político, a começar pelo desmembramento quase
esquizofrênico da pasta da Agricultura em um Ministério da Agricultura e outro
do Desenvolvimento Agrário. Em abril, enquanto o MST promovia uma série de
invasões, incluindo de uma fazenda da Embrapa, o governo o prestigiava com
cargos no Incra e reuniões em ministérios. Na China, Lula fez questão de levar
a tiracolo o chefão do MST, João Pedro Stédile.
Lula classificou como “polêmica maluca” a
suposta rivalidade entre o pequeno produtor e o agronegócio. Assim é. Seria
bom, portanto, que o próprio Lula parasse de instigá-la. “É preciso parar de
construir rivalidade onde ela não existe”, disse Lula. Uma das mais presentes
no imaginário petista é a rivalidade entre o Estado e o livre mercado. Na
Bahia, Lula lembrou que, “se não é o Estado colocar dinheiro, muitas vezes o
agronegócio não estaria do tamanho que está”.
De fato, a participação do Estado na revolução
agropecuária nacional desmoraliza dogmas ultraliberais. Pesquisas científicas e
inovações tecnológicas da Embrapa, uma estatal, foram cruciais nessa epopeia.
Assim também os diversos programas de créditos, subsídios, seguros e outros
apoios do Estado.
Contudo, isso não corrobora as teses
desenvolvimentistas e estatizantes do PT. O apoio público brasileiro não é
exceção no mercado global. Em qualquer país, o agro é um setor estratégico e
literalmente vital, que, por natureza, precisa do Estado para salvaguardá-lo
ante intempéries naturais. No caso de grandes exportadores, como o Brasil, a
diplomacia, como bem lembrou Lula, é essencial para abrir frentes e desobstruir
canais. Mais do que isso, a agropecuária global é marcada por subsídios e
restrições alfandegárias que inclusive têm crescido nos últimos anos,
frequentemente distorcendo os preços – com prejuízo para os mais pobres. Nestas
circunstâncias, o agro de qualquer país depende de apoio do governo para ser
competitivo.
A excepcionalidade do Brasil é que os
subsídios e as proteções são comparativamente baixos. O agro nacional é um
ponto fora da curva, mas no sentido oposto ao ideário desenvolvimentista.
Segundo a OCDE, em 20 anos os subsídios no Brasil caíram de 7,6% para 1,5% das
receitas agrícolas brutas. Em sua maioria, eles são concedidos na forma de
crédito para compra de insumos ou contratação de seguros, e estão condicionados
a indicadores ambientais. Do total de subsídios nacionais, a parcela daqueles
considerados distorcivos pela OCDE caiu, em 20 anos, de 66% para 21%.
De resto, é preciso reconhecer os dois
lados da moeda. Se Lula tem razão em afirmar que sem o apoio do Estado o agro
não estaria onde está, o inverso também é verdadeiro: sem as receitas do agro,
o Estado não teria os recursos que tem. A parceria entre Estado e agronegócio é
essencial para o País, mas desde que a divisão de trabalho esteja bem definida:
o empresariado emprega, produz e vende; o Estado incentiva, regula, garante
infraestrutura e mantém os canais comerciais livres. Tudo o que o presidente da
República puder fazer para promover a parceria nestes termos é bem-vindo. Mas,
para isso, precisará contrariar seu próprio histórico de confusão entre a parte
que cabe ao Estado e a que cabe à iniciativa privada.
Rodoanel é o estado da arte da
incompetência
O Estado de S. Paulo
Elevação de custos, casos de corrupção,
estruturas malfeitas e atrasos intoleráveis no Trecho Norte mostram tudo o que
não se deve fazer quando se executa uma obra pública
Com atraso de dez anos e aumento de 79% de
seu custo original, a obra do Rodoanel Norte, em São Paulo, é o estado da arte
da incapacidade estatal de realizar obras no prazo acertado e pelo preço
combinado. Certamente, as autoridades envolvidas nessa epopeia de desídia têm muitas
e criativas explicações, todas muito plausíveis, mas o fato incontornável, seja
qual for a justificativa, é que não há desculpa moralmente aceitável para tanta
incompetência.
Reportagem publicada pelo Estadão, com base
em estudo da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), informa
que a estimativa de custo total do Rodoanel Norte já supera R$ 12,9 bilhões. Em
2013, quando o trecho foi licitado pela primeira vez, a previsão era de R$ 7,2
bilhões. Apesar desse passivo, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas
(Republicanos), cumpriu promessa de campanha e realizou em março passado
licitação para a retomada das obras.
O projeto vai requerer pelo menos mais R$
3,3 bilhões para sua conclusão. Desse volume de recursos, R$ 1 bilhão sairá do
Orçamento paulista e o restante, da construtora Via Appia, vencedora da
concorrência pública, com direito de 31 anos de concessão da rodovia. Até o
momento, porém, nada assegura que os erros do passado não venham a se repetir.
A obra permaneceu paralisada desde 2018,
quando as empreiteiras responsáveis pelo seu andamento a abandonaram sob o
pretexto de problemas financeiros. Mas outra razão, bem mais grave, levou o
governo estadual a decretar oficialmente a suspensão dos trabalhos. Três
construtoras tornaram-se alvo de investigações do Ministério Público por
indícios de corrupção, fraude à licitação, desvio de verbas, organização
criminosa e crime contra a ordem econômica relacionados à execução do Rodoanel
Norte.
Outro descalabro foi evidenciado pelo Instituto
de Pesquisas Tecnológicas (IPT) em auditoria nas obras realizadas até 2018:
detectaram-se nada menos que 59 falhas. Nem todas poderiam ser atribuídas ao
desgaste do tempo. Pilastras desalinhadas e infiltrações em túneis devem-se
exclusivamente à má execução pelas empreiteiras. Demolir e construir novamente
parte dessas estruturas certamente será uma obrigação.
Não há dúvidas de que os objetivos iniciais
do Rodoanel Norte ainda se mostram relevantes. Seu traçado permitirá a ligação
total entre os principais eixos rodoviários que cortam o Estado de São Paulo e
conectará os Trechos Oeste e Leste. Entre seus benefícios estão o de facilitar
o acesso ao Aeroporto Internacional de Guarulhos e o fluxo de cargas para o
Porto de Santos e o Mercosul. Ao contornar a capital paulista, espera-se alívio
no trânsito da carregada Marginal do Tietê, ao remover a circulação de 18 mil
caminhões.
Ao lançar o projeto do Rodoanel que leva
seu nome, em 1998, o então governador, Mário Covas, estimava a conclusão dos
177 quilômetros de estrada em 2006. Os Trechos Leste e Oeste foram entregues –
com atrasos. O Rodoanel Norte sempre foi tido como o mais complicado por passar
por áreas de preservação ambiental da Serra da Cantareira, ao norte da cidade
de São Paulo, e por impactar uma comunidade guarani em Guarulhos. Essas
questões estão resolvidas há tempos.
Ao perder-se no tempo, no entanto, o
empreendimento tornou-se alvo de sua natural defasagem e de questionamentos de
outras ordens. Especialistas mencionam que, com o atraso, o Rodoanel Norte terá
vida útil mais curta e se verá saturado rapidamente. Também consideram
alternativas de mobilidade mais sustentáveis, como a ferrovia, sobretudo para o
transporte de cargas.
Apesar de seu passivo de erros e malfeitos,
o Rodoanel Norte é obra contratada e está entre as que serão cobradas do atual
governo paulista. As lições que deixou ao longo de dez anos aos órgãos de
controle e gestores estaduais não podem nem devem ser esquecidas nem
desprezadas, sob pena de erosão ainda maior de recursos públicos, naturalmente
escassos, e da confiança dos cidadãos na capacidade do Estado de entregar
infraestrutura condizente com a quantidade de impostos que cobra. •
O alívio do ‘Desenrola’
O Estado de S. Paulo
Programa de renegociação visa à baixa
renda, mas juro alto castiga endividados da classe média
Com os detalhes da Medida Provisória que
institui o programa Desenrola Brasil finalmente divulgados, o governo promete
para o mês que vem pôr em prática a renegociação dos débitos de pessoas
físicas. A intenção é reduzir drasticamente o endividamento que, segundo dados
da Confederação Nacional do Comércio (CNC), ultrapassa 78% das famílias
brasileiras, sem sinais de arrefecimento.
Ainda que com atraso – anunciado em
janeiro, a ideia era que estivesse rodando já no mês seguinte –, enxugar a
lista da inadimplência formada por mais de 70 milhões de brasileiros acima de
18 anos, de acordo com dados da Serasa, será, sem sombra de dúvidas, um grande
alívio para a população consumidora.
Mas a limpeza de CPFs “sujos” é apenas um
primeiro passo, não um caminho aberto para a retomada do consumo, espremido
pela inflação e pelos juros nas alturas. O Produto Interno Bruto (PIB) do
primeiro trimestre do ano confirmou o consumo das famílias ainda em ritmo
lento, quase parando.
A desaceleração ocorre desde o segundo
trimestre do ano passado, quando o consumo avançou 1,9%; no período seguinte,
reduziu o ritmo para 0,8%; depois, 0,4%; e, no início deste ano, 0,2%. A
melhora das projeções para os principais indicadores econômicos, de acordo com acompanhamento
do Banco Central, ainda é insuficiente para garantir a virada de chave e fazer
a economia girar.
Apesar de cair pela terceira vez
consecutiva, a previsão de inflação para 2023 é de 5,69%, enquanto o
crescimento do PIB passou para 1,68% – uma melhora, como se sabe, puxada pelo
trator da agropecuária. Some-se a isso a taxa de juros cristalizada no patamar
de 13,75% desde agosto do ano passado e o rendimento médio do trabalho também
no “modo pausa” e temos a explicação para a timidez do consumo.
O esforço do governo para reduzir o recorde
de 43,43% da taxa de inadimplência será maior para a população de renda mais
baixa, que ganha até dois salários mínimos e será amparada, na negociação de
suas dívidas, por garantias oferecidas pelo Tesouro. É compreensível, já que o
combalido erário público não tem lastro para assegurar o socorro a todos. Mas
significa que a classe média, tão endividada quanto os ocupantes dos degraus
mais abaixo na escada da economia, dependerá mais da boa vontade dos bancos para
sanear sua contabilidade.
Recente pesquisa da CNC revelou que
famílias de classe média sentem com mais intensidade a pressão dos juros altos.
Não fazem parte do grupo beneficiado por programas de transferência de renda,
tampouco têm capacidade financeira para amortizar as dívidas, como os de classe
mais alta. Com rendimentos mensais entre três e cinco salários mínimos, foi a
classe média a mais endividada e inadimplente na passagem de abril para maio,
mostrou o estudo.
Resta a esta imensa legião aguardar uma ampla adesão de instituições financeiras e empresas aos leilões promovidos com descontos para a renegociação das dívidas. Aliás, espera-se que as “razões burocráticas” citadas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para o atraso na abertura do sistema estejam, de fato, solucionadas até o mês que vem.
Roger Waters e a censura prévia
Correio Braziliense
Com uma série de apresentações para outubro
e novembro em seis capitais brasileiras, o roqueiro Roger Waters, ex-integrante
do Pink Floyd, está envolto em uma polêmica que diz muito sobre o estado de
polarização política em que o mundo em geral - e o Brasil, em particular - vive
atualmente.
É que na turnê This is Not a Drill (Isto
não é um exercício, em tradução livre), Waters se veste, em determinado
momento, com um traje similar ao uniformes da Waffen-SS, braço armado da
Schutzstaffel, a famigerada SS, organização paramilitar de apoio ao regime
nazista de Adolf Hitler.
Este tipo de artifício cênico é parte das
performances de Waters desde a época do disco "The Wall", uma
intrincada ópera-rock de 1979 - ou seja, poderia causar todo tipo de reação,
menos espanto, de tão batida. Mas a indumentária acabou virando objeto de
investigação, após um show do músico de 79 anos em Berlim, no fim de maio. Na
Alemanha, é crime usar, divulgar ou fazer apologia a todo tipo de simbologia
nazista, exceto com propósitos educacionais ou alguns contextos artísticos.
Mesmo com essa ressalva, as autoridades decidiram avançar com o caso, que ainda
está sendo analisado e será encaminhado para a promotoria de Berlim.
Mas Waters é um notório crítico do
autoritarismo. Em 1944, quando tinha apenas cinco meses de vida, ele perdeu o
pai, Eric Fletcher Waters, morto em batalha no ápice da Segunda Guerra. A
performance como um ditador lunático é, nas palavras do próprio, "obviamente
uma manifestação contrária ao fascismo, à injustiça e ao fanatismo". Ele
também afirmou que essas "tentativas de retratar esses elementos como
outra coisa são falsas e têm motivação política".
Explica-se: Waters é um apoiador da causa
palestina, e vive às turras com o Estado de Israel desde 2006, quando visitou a
barreira que separa os dois países e cancelou um show que faria em Tel Aviv,
transferindo a apresentação para Neve Shalom, uma vila cooperativista fundada
por judeus e palestinos. O posicionamento do músico explica por que alguns o
acusam de antissemitismo e, por associação, ao nazismo.
Foi justamente esta a justificativa de um
advogado de entidades ligadas a Israel, que teria pedido ao governo federal,
com base na apresentação de Berlim, que a entrada de Waters no Brasil fosse
barrada. Ele também teria pedido que os shows, caso ocorressem, fossem
censurados pela Polícia Federal. Amplamente divulgada pela imprensa, a notícia
causou reações contra e a favor do artista nas redes sociais, deixando bem
claro que a divisão política do país segue longe de ser pacificada.
No último sábado (10/6), o ministro da
Justiça, Flávio Dino, tratou de baixar a fervura: negou que tivesse recebido a
petição e lembrou que não existe mais a censura prévia no Brasil. Dino ainda
fez a ressalva de que no Brasil, assim como na Alemanha, a apologia ao nazismo
é crime, e disse que se receber o pedido, vai analisar com "calma e
prudência".
É mesmo o mais recomendado, principalmente
para evitar que, na ânsia de se combater um inimigo fictício - o nazismo
inexistente de Roger Waters -, o Brasil acabe acordando o inimigo muito real da
censura prévia.
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