O Estado de S. Paulo
A impositividade de emendas é restrição, mas não impeditivo para a formação de coalizões majoritárias
Tem ganhado força a interpretação de que o
equilíbrio das relações Executivo-Legislativo da Constituição de 1988,
caracterizado por um Executivo forte e um suposto Legislativo fraco, se
quebrou. Entretanto, como lembram Cox e Morgenstern, os Legislativos na América
Latina, embora nunca tenham exercido um papel proativo, como nos EUA, estão
longe de serem fracos. Para esses autores, o Legislativo no Brasil tem exercido
um papel reativo, cooperando com o presidente em troca de compromissos e/ou
retornos políticos/financeiros.
Supostamente, algumas mudanças
institucionais teriam ferido de morte o domínio do Executivo. Notadamente, a
execução impositiva e igualitária das emendas individuais e coletivas teria
fortalecido sobremaneira o Legislativo, dificultado a formação de coalizões
majoritárias e aumentado os custos de governabilidade.
Será que a impositividade dessas emendas e sua distribuição igualitária tornaram o Legislativo brasileiro autônomo a ponto de não haver vantagens para que partidos participem da coalizão do presidente? É verdade que o sucesso legislativo de presidentes caiu a patamares inferiores a partir do governo Dilma. Mas o mau desempenho teve início antes da impositividade das emendas individuais. Além do mais, Temer teve performance no Legislativo bem superior à da sua antecessora, inclusive derrotando dois pedidos de impeachment da PGR, mesmo com emendas impositivas.
A discricionariedade na execução de emendas
é apenas uma das várias ferramentas à disposição do presidente. Sua perda,
embora configure uma restrição, não é um impeditivo para que presidentes montem
e gerenciem coalizões majoritárias sustentáveis e baratas.
Por outro lado, ao decidir pela
inconstitucionalidade do orçamento secreto, o STF devolveu ao Executivo o poder
discricionário na execução de 50% (R$ 9,8 bilhões) das emendas de relator, que,
somadas às emendas de comissão (R$ 7,6 bilhões), totalizam cerca de R$ 18
bilhões.
Mesmo assumindo que parlamentares tenham
ficado mais autônomos em relação ao Executivo com a impositividade igualitária
das emendas individuais (R$ 21 bilhões) e coletivas (R$ 7,7 bilhões), não é
crível supor, como demonstrado no modelo de barganha de Baron e Ferejohn, que o
parlamentar individual e seus partidos não percebam oportunidades de acesso a
recursos extras em troca de participar da coalizão do presidente. Em outras
palavras, a impositividade igualitária das emendas representa um piso mínimo
garantido, mas o bônus recebido do presidente por participar da coalizão é um
diferencial capaz de gerar equilíbrio no presidencialismo multipartidário.
*Cientista político e professor titular da
Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (FGV Ebape)
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