Valor Econômico
Melhora dos níveis do câmbio, dos juros e
da bolsa é bem-vinda, mas caminho para taxa real mais baixa de modo sustentado
ainda será longo
A evolução dos preços dos ativos
brasileiros nos últimos dois meses e meio impressiona. O Ibovespa subiu quase
20% desde 23 de março, enquanto o dólar recuou 41 centavos, para R$ 4,876, uma
queda de 7,8%. A taxa dos contratos de juros futuros com vencimento em 2029,
por sua vez, caiu de quase 13% para menos de 11% ao ano. Esse desempenho
reflete fatores internos e externos que levaram a uma melhora da percepção de
risco do país, abrindo espaço para que os juros possam cair talvez a partir de
agosto, embora o problema da sustentabilidade das contas públicas no longo
prazo esteja longe de ser resolvido.
No campo doméstico, do fim de março para cá, houve a apresentação do projeto do novo arcabouço fiscal, já aprovado pela Câmara dos Deputados, a divulgação de números mais favoráveis de inflação e o anúncio do PIB do primeiro trimestre, trazendo um resultado visto como não inflacionário - a agropecuária teve um crescimento muito forte, o que ajuda a segurar os preços de alimentos, e uma demanda interna contida. No front externo, o cenário melhorou para países emergentes como o Brasil. A expectativa passou a ser de um ciclo de alta de juros menos intenso por parte do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), que deve interromper o aperto monetário na reunião desta semana, ainda que possa retomá-lo ainda neste ano.
Nesse quadro, o real se valorizou, os juros
futuros caíram e as ações brasileiras tiveram altas significativas. Uma das
medidas de risco-país, o CDS (credit default swaps, uma espécie de seguro
contra calotes) de cinco anos teve uma queda considerável - desde 23 de março, recuou
de 251 para 197 pontos. Esse movimento, vale dizer, foi observado no CDS de
vários outros emergentes, como Chile, Colômbia, México e Peru, indicando que o
alívio externo teve influência importante na melhora da percepção de risco do
Brasil.
De qualquer modo, o ambiente interno também
colabora para o comportamento favorável da moeda, dos juros e das ações
brasileiras. Na semana passada, a Tendências Consultoria Integrada revisou para
baixo as suas projeções para o dólar. A estimativa para a cotação do fim deste
ano passou de R$ 5,25 para R$ 5,05; para o fim de 2024, recuou de R$ 5,44 para
R$ 5,20.
Ao explicar a mudança nas previsões, o
economista Silvio Campos Neto, da Tendências, diz que a alteração ocorreu “diante
da incorporação do texto final do arcabouço fiscal aprovado pela Câmara, que
reduziu a percepção de risco e consolidou o patamar mais baixo da variável nas
últimas semanas”. No relatório, ele acrescenta que “a perspectiva de um dólar
menos fortalecido no exterior, devido ao esperado fim do ciclo de aperto pelo
Federal Reserve, deve contribuir com tal dinâmica”.
Campos Neto observa “que os modelos ainda
indicam níveis mais valorizados para o real, quando são considerados os
principais condicionantes” para o valor da moeda. Segundo ele, “a média dos
principais modelos aponta para um ‘câmbio justo’ entre R$ 4,70 e R$ 4,80 neste
momento”. Com isso, novas quedas de curto prazo não podem ser descartadas,
afirma Campos Neto. Analistas costumam ressaltar que fundamentos como a
diferença entre os juros internos e externos, os termos de troca (a relação
entre os preços de exportação e de importação) e as contas externas indicam que
o real poderia estar mais valorizado.
No entanto, o economista explica por que
não passou a projetar uma moeda brasileira ainda mais apreciada em relação ao
dólar. “Há razões para a adoção de postura mais conservadora, como o componente
de risco ligado às tendências voluntaristas do governo em temas econômicos,
sobretudo tentativas de interferência nos rumos da política monetária”, escreve
ele. “Além disso, a queda da Selic esperada para os próximos meses tende a
reduzir a atratividade de posições em real, em momento já marcado por fluxos
cambiais financeiros negativos.”
O nó fiscal brasileiro também não está
equacionado, embora a nova regra para as contas públicas tenha reduzido o risco
de eventos mais extremos, na avaliação de vários analistas. “Se a proposta
inicial do arcabouço já contribuiu para minimizar os temores com um quadro de descontrole
fiscal, o texto efetivamente aprovado pela Câmara trouxe ajustes importantes,
com a volta da obrigatoriedade dos contingenciamentos de despesas e a
incorporação de algumas categorias de gastos aos limites, entre outras
mudanças”, afirma Campos Neto.
“De forma geral, ao contemplar as novas
regras, houve melhora sensível nas projeções de mercado (inclusive da
Tendências) para a trajetória da relação dívida/PIB nos próximos anos, ainda
que seja importante ressaltar que a dívida continuará em dinâmica ascendente
até o fim da década e que as regras do arcabouço serão desafiadas por pressões
de gastos já contratadas.” Para ele, esses “são fatores que recomendam visão
ainda cautelosa do quadro fiscal e suas implicações sobre ativos de mercado em
geral”.
Os juros reais (descontada a inflação) de
longo prazo recuaram desde março, mas continuam em níveis incompatíveis com a
estabilização e a queda da dívida pública. Desde março, a taxa dos títulos do
Tesouro corrigidos pela inflação com vencimento em 2045 caiu da casa de 6,35% a
6,6% ao ano para 5,69% na sexta-feira. Houve algum alívio, mas é um juro que
segue muito alto, uma advertência de que permanecem incertezas sobre a
trajetória futura das contas públicas. O arcabouço dá algum norte para o quadro
fiscal, mas ainda há dúvidas sobre a sustentabilidade da dívida pública no
longo prazo. A nova regra depende de aumentos expressivos de receitas para
bancar despesas previstas para crescerem sempre acima da inflação. A melhora
dos níveis do câmbio, dos juros e da bolsa é obviamente bem-vinda, mas o
caminho até uma taxa real mais baixa de modo sustentado será longo.
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