quinta-feira, 29 de junho de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Censo impõe desafio urgente ao Brasil

O Globo

Esgotamento do bônus demográfico não dá alternativa além de investir em produtividade e eficiência

A divulgação pelo IBGE dos primeiros resultados do Censo 2022, depois de sucessivos atrasos, confirmou a expectativa de desaceleração no crescimento populacional e surpreendeu pelo ímpeto da queda. Os dados revelam uma população de 203.062.512, inferior aos 207.750.291 estimados numa prévia já com os dados do Censo em dezembro. Nunca, desde que a pesquisa começou a ser feita, em 1872, a população brasileira cresceu tão pouco — apenas 0,52% ao ano nos últimos 12 anos.

O baixo crescimento populacional impõe vários desafios. O maior decorre do fim da imagem de um país essencialmente jovem, substituída pela de um país envelhecido, sem que o Brasil tenha aproveitado os benefícios do contingente mais jovem na força de trabalho, conhecido como “bônus demográfico”. Dados recentes a ser confirmados pelo Censo mostram que o envelhecimento dos brasileiros segue em ritmo acelerado. Em 2012, metade dos brasileiros (49,9% ) tinha menos de 30 anos. No ano passado, 43,3%. A fatia correspondente aos idosos (60 anos ou mais) foi de 11,3% a 15,1%.

Estimativas anteriores sugeriam que o fim do bônus demográfico só ocorreria na segunda metade da década de 2030. Agora se prevê que chegará ainda nesta década. O país se preparou? Não. Uma nova reforma da Previdência se imporá num prazo mais curto do que se imaginava. Não será exequível manter as regras atuais no novo cenário em que o número de aposentados tende a ser maior, sem base consistente de contribuintes para sustentá-los.

Não é difícil imaginar as dificuldades trazidas pela queda na oferta de profissionais em condição de trabalhar. Na prática, isso significa que o Brasil terá de produzir mais com a mesma quantidade de mão de obra — numa palavra, terá de ser mais produtivo. A tarefa torna-se ainda mais desafiadora, pois parcela significativa da população ativa está fora do mercado de trabalho. Um estudo da OCDE divulgado no ano passado mostrou que 36% dos jovens brasileiros de 18 a 24 anos nem estão matriculados em estabelecimentos de ensino nem exercem atividade profissional, são conhecidos como “nem-nem”.

Para enfrentar a nova realidade, será necessário fazer muito mais do que o país tem feito — e melhor. É essencial aumentar a oferta e a qualidade da educação para formar profissionais mais qualificados e adaptados às exigências de um mercado que sofrerá um impacto brutal de novas tecnologias, como robótica ou inteligência artificial. De imediato, o Brasil precisará voltar a crescer de forma sustentada. Daí a necessidade de acelerar reformas como a tributária, para trazer mais dinamismo à economia. Lançar projetos requentados como o novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) ou achar que o Estado será o motor da economia não resolverá o problema.

Os primeiros resultados do Censo revelam mudanças dramáticas no perfil da sociedade brasileira. Diante dos novos dados, as políticas públicas dos três níveis de governo terão de ser revistas. O ritmo de crescimento populacional caiu à metade (de 1,17% para 0,52% entre uma pesquisa e outra). Com o encolhimento de cidades e o declínio da população jovem, a mão de obra tende a se tornar cada vez mais escassa. O país não terá alternativa, a não ser investir em maior produtividade e eficiência. O futuro esboçado nos números do Censo não é o que se previa. O Brasil terá de correr para se adaptar.

Participação política da população LGBTQIA+ precisa ser encorajada

O Globo

Brasil apresenta maior aceitação da diversidade de gêneros e de orientação sexual na América Latina

Os últimos anos foram pródigos em estudos, livros, palestras e diagnósticos apontando o avanço do conservadorismo religioso no Brasil, visto como uma das causas da eleição de Jair Bolsonaro em 2018. O Brasil é, porém, um país mais complexo, que desafia conclusões simplificadoras. Ao mesmo tempo que conservadores religiosos sem dúvida estão mais à vontade na cena política e cultural, há sinais evidentes — e não menos eloquentes — do avanço da tolerância com a diversidade de gêneros e de orientação sexual.

Neste mês do orgulho LGBTQIA+, as ruas de cidades e capitais brasileiras foram mais uma vez tomadas por paradas que reuniram milhões em defesa da causa. Que não se trata de minoria barulhenta fica claro na pesquisa, encomendada pela Fundação Luminate ao Instituto Ipsos, mostrando que 59% dos brasileiros acreditam que essa população deveria ter maior representação política. É o índice mais alto da América Latina, seguido por Argentina (55%), Colômbia e México (ambos 51%).

Também há no Brasil a maior concordância da América Latina com a necessidade de ampliar a diversidade de gêneros e orientações sexuais na política para tomar decisões melhores, com base em maior pluralidade de vozes. Na última eleição, houve 356 candidaturas assumidamente LGBTQIA+. Desses candidatos, 21 foram eleitos — 13 deputados estaduais, um distrital e cinco federais. Chegaram ao Congresso as duas primeiras deputadas transgênero, além de o país contar com um senador — Fabiano Contarato (PT-ES) — e dois governadores homossexuais — Fátima Bezerra (PT-RN) e Eduardo Leite (PSDB-RS).

É certo que, no Brasil, a aceitação à diversidade de gênero e orientação sexual na política é maior entre quem se identifica como de esquerda (84%), na comparação com os que se dizem de centro (61%) ou direita (36%). Também é maior entre jovens até 24 anos (78%) do que entre quem tem 25 ou mais (55%).

Não deveria ser assim. Em países europeus como França ou Holanda, são célebres os casos de gays conservadores ou mesmo na extrema direita. Nos Estados Unidos, há republicanos homossexuais em várias esferas do poder. Mesmo nos demais países da América Latina pesquisados, há maior equilíbrio ideológico na aceitação da diversidade na política.

Nada há de intrinsecamente esquerdista ou direitista nesta ou naquela orientação sexual, neste ou naquele gênero. O que ainda existe é preconceito, que precisa ser combatido. Mas é um alento perceber que esse combate tem surtido um efeito positivo e vencido as resistências. É evidente que a política só tem a ganhar com maior diversidade e que todo o Brasil deve ter orgulho de sua população LGBTQIA+.

 População cresce mais no Norte e Centro-Oeste, mostra Censo

Valor Econômico

Números mostram que é urgente o desenvolvimento de planos para a região que incluam a preservação da floresta

O Censo Demográfico contou 203.062.512 brasileiros em 2022, em um dos processos mais longos e acidentados da história das estatísticas do IBGE - da falta de dinheiro à redução dos questionários até uma devastadora pandemia da covid-19. A população cresceu 6,5% em relação aos 190,75 milhões de 2010, embora razoavelmente menos do que previram as mais recentes estimativas do IBGE, como a de 2021 (213,3 milhões). Os resultados preliminares mostram para aonde se movem os brasileiros - Centro-Oeste e Norte do país e para as cidades médias. Há um êxodo de Salvador, que perdeu quase 10% de sua população (257,6 mil) desde 2010 e, com menos intensidade, no Rio de Janeiro (-109 mil pessoas). As maiores concentrações urbanas por densidade continuam localizadas no Estado de São Paulo.

A taxa média de crescimento populacional foi a menor de todas desde que o levantamento começou a ser feito em 1872 - 0,52%. Em doze anos, todas as regiões perderam participação relativa para o Norte e o Centro-Oeste, uma tendência que se verifica nos últimos 30 anos. Mas os brasileiros continuam se aglomerando em peso no Sudeste, no litoral e nas cidades com mais de 100 mil habitantes. A fatia do Sudeste no total da população caiu de 42,7% para 41,8%, a do Sul, de 15,1% para 14,7% e a do Nordeste de 28,9% para 26,9%.

A concentração populacional se dissocia da divisão política territorial e um dos motivos pode ser a proliferação irrestrita de municípios após 1988. Quase a metade das 5.568 cidades tem até 10 mil habitantes (44,7%). Até 20 mil habitantes, são 68% delas e até 50 mil, 87%. No entanto, apenas 319 municípios com mais de 100 mil habitantes abrigam 56,9% da população do país. Acrescentando-se os municípios acima de 50 mil pessoas à conta, são mais de dois terços (68,9%) aglomerando-se em 656 cidades.

Há várias consequências políticas dessa demografia. A dispersão em municípios que são pouco mais que vilarejos aumenta os custos das campanhas eleitorais, ou pelo menos servem de pretexto para que os políticos os aumentem. Por outro lado, a extrema concentração do eleitorado facilita a propagação de ideias e propostas, o que seria um forte motivo para baratear os gastos eleitorais.

A distribuição do Fundo de Participação dos Municípios leva em conta a população das cidades e algumas delas perderão receitas, pacificamente, ou poderão contestar judicialmente os números. Pela primeira vez, várias capitais viram cair o número de seus habitantes, entre elas, Salvador, Belém, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Recife, Porto Alegre e Fortaleza. As reduções mais acentuadas ocorreram em Salvador (-9,6%), Belém (-6,5% ou 90 mil habitantes) e Porto Alegre (-5,6% ou 76,7 mil habitantes). Proporcionalmente, os municípios que mais cresceram foram João Pessoa (15,3%), Manaus (14,5%) e Goiânia (10,4%).

A riqueza agrícola tem deslocado o mapa demográfico para o Centro-Oeste e o Norte. A parcela da população dessas regiões no total da população entre um censo e outro subiu de 6,4% para 8%, e de 6,8% para 8,5%, respectivamente. Entre os 200 municípios que registraram maior aumento do número de moradores, mais de um quarto, ou 55, estão localizados em Goiás e Mato Grosso. Nas duas regiões, há 78 cidades entre as que tiveram maior avanço populacional.

A progressiva expansão em direção ao Norte e Centro-Oeste não é isenta de problemas e o mais evidente é a pressão sobre o ambiente. Não há uma relação direta simples entre aumento da população e destruição ambiental, mas Mato Grosso tem se destacado na fronteira do desmatamento, assim como o campeão do corte ilegal da floresta, o Pará, que tem 10 municípios colocados no ranking dos 200 que mais cresceram.

A preservação da Amazônia ocupa lugar central na estratégia para deter o aquecimento global e descarbonizar a economia. Manaus, onde não há uma oferta abundante de empregos, foi a cidade que mais ganhou habitantes em termos absolutos (261,5 mil). A busca pela sobrevivência levará novos contingentes em direção ao sustento na floresta, seja como empregados formais, informais ou mesmo mão de obra para os garimpos e madeireiras ilegais. Há outras sete cidades na floresta que estão entre as de maior expansão. Os números do Censo mostram que é urgente o desenvolvimento de planos para a região que incluam a preservação da floresta, a bioeconomia e a construção de um ambiente de exploração racional ecologicamente orientado.

Os deslocamentos regionais já tiveram consequências políticas. Houve evolução maior da população, logo do eleitorado, no Centro-Oeste e Norte, onde a votação em Jair Bolsonaro foi mais que expressiva. A importância do Nordeste, com 26,9% da população total, e segundo maior colégio eleitoral depois do Sudeste, garantiu um sólido apoio a Lula e à centro-esquerda. Já o esvaziamento lento das capitais para grandes concentrações urbanas em seu entorno amplia o poder político desses municípios e as chances de surgimento de novas lideranças políticas.

203.062.512

Folha de S. Paulo

Com população abaixo da esperada no censo, país precisa planejar envelhecimento

Com o início da divulgação das descobertas do sofrido Censo Demográfico 2022, confirmou-se que o país tem cerca de 10 milhões de pessoas a menos do que indicavam as projeções do IBGE. Somos 203.062.512 habitantes —não algo entre 213 milhões e 214 milhões, como se via nas estimativas.

A queda na fecundidade foi mais rápida do que se antecipava. A população ainda cresce, mas em ritmo menor. Entre 2010 e 2022, o aumento se deu a uma taxa de 0,52% ao ano; no auge da expansão populacional, entre os anos 50 e 60, esse índice atingiu 2,99% anuais.

Isso significa que o Brasil está completando sua transição demográfica, fenômeno que tem diversas implicações econômicas e sociais.

Há controvérsia quanto ao bônus demográfico —a etapa em que o crescimento populacional favorece o econômico. A depender da definição utilizada, ou ele já se fechou ou está a alguns anos, não muitos, de fazê-lo.

Economistas, que levam em conta o período em que a população em idade ativa se expande mais do que a população total, acreditam que os bons tempos já se foram, provavelmente desde 2018.

Já os demógrafos preferem considerar a fase em que a população dependente (crianças e idosos) representa menos de 50% da população ativa. Por essa conta, o bônus pode perdurar até a primeira metade dos anos 2030.

Qualquer que seja a definição adotada, o fato é que o país envelhece e precisa se preparar para isso. Sem a ajuda do perfil populacional, o avanço econômico passa a depender de ganhos de produtividade, tarefa em que o Brasil vai historicamente mal. O caminho lógico seria apostar na educação —e educação de qualidade.

A transição demográfica traz uma boa notícia nesse campo. Como há menos crianças nascendo e indo para a escola, apenas manter preservada a fatia orçamentária reservada à educação já significa uma elevação do gasto por aluno.

Outro aspecto positivo de um país com menos habitantes é a redução das pressões sobre o meio ambiente e os recursos naturais.

Do lado negativo, além da maior dificuldade para o crescimento da economia, destacam-se os problemas previdenciário e dos gastos com saúde. O sistema de repartição simples do INSS funciona bem quando há muitos trabalhadores na ativa para financiar os aposentados. Quando esse cenário muda, há que esperar novas reformas.

Quanto à saúde, é ótimo que os brasileiros estejam vivendo mais. Entretanto, com maior fatia de idosos na população, haverá mais gastos com doenças típicas da terceira idade. Dadas as restrições orçamentárias, será essencial melhorar a gestão do SUS.

Barganha opaca

Folha de S. Paulo

Governo Lula precisa dar transparência aos gastos negociados com parlamentares

Na campanha eleitoral, o esquema das chamadas emendas de relator, base do entendimento entre Jair Bolsonaro (PL) e o centrão, era um alvo fácil para a oposição. Tratava-se, afinal, de uma desmoralização flagrante para quem chegara à Presidência com a promessa bravateira de varrer os vícios da tradicional política brasileira.

Em termos simples, as tais emendas consistiam em um meio para permitir que parlamentares dispostos a apoiar o governo tivessem maior possibilidade de direcionar verbas do Orçamento para seus redutos eleitorais —com escassas transparência e avaliação do mérito dos gastos.

Tardiamente, Bolsonaro se rendeu ao fato de que, sem a barganha de recursos públicos, não conseguiria formar maiorias no Congresso para a aprovação de projetos e, sobretudo, para governar a salvo de um processo de impeachment.

A escalada de despesas sob o comando do centrão não tardou em descambar para escândalos de malversação e investigações como a que hoje mira aliados do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). Por fim, o Supremo Tribunal Federal acabou por derrubar as emendas de relator.

Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que tripudiou sobre os desmandos orçamentários do oponente, correu a refazer as pontes com o Congresso depois de eleito. Manteve sob comando dos parlamentares R$ 9,9 bilhões em gastos antes reservados às emendas extintas.

Anunciou-se que a destinação dos recursos seria definida por deputados e senadores, mas com total transparência em relação aos beneficiados. Conforme a Folha noticiou, não é o que vem ocorrendo.

Para além das demonstrações costumeiras de hipocrisia e cinismo político, está em jogo a qualidade já precária da despesa pública brasileira. Nada há de errado em que o Congresso tenha maior poder sobre o Orçamento —desde que responda pelos motivos que justificam suas intervenções e pelos resultados depois obtidos.

É positivo que se investiguem os kits de robótica distribuídos sem critério em Alagoas, mas a polícia e o Ministério Público não darão conta de todo o mau uso em potencial de verbas nos ministérios.

Cabe ao governo e ao Legislativo divulgar com clareza o objetivo e a origem das emendas parlamentares, sejam formais ou informais. É o mínimo necessário para viabilizar o escrutínio da sociedade e desencorajar os desvios.

Anomia na Amazônia

O Estado de S. Paulo

Como mostra relatório da ONU, o narcotráfico na Amazônia está exacerbando o círculo vicioso em que a miséria, a devastação e a violência se reforçam umas às outras

Narcotráfico exacerba o círculo vicioso em que a miséria e a devastação se reforçam.

Segundo o Relatório Mundial de Drogas da ONU, na década passada o número de usuários de drogas no mundo aumentou 23%; e o de pessoas com transtornos por uso de substâncias, 45%. É uma trágica ironia que essa escalada de intoxicação esteja sendo, em larga medida, bombeada pelo “Pulmão do Mundo”, como a Amazônia é popularmente conhecida. Nos últimos anos, o círculo vicioso em que a miséria, a devastação e a violência se retroalimentam foi dinamizado com esteroides pelo narcotráfico. A Amazônia é central para a trevosa saga do tráfico, que está transformando o Brasil de um tradicional consumidor da cocaína de vizinhos em um dos maiores exportadores do mundo.

Segundo a Polícia Federal, entre 2015 e 2019 as apreensões de cocaína em portos brasileiros explodiram: de 1,5 tonelada para quase 67 toneladas ao ano. A ONU estima que o País responda por 7% das apreensões globais, só atrás de Colômbia (34%) e EUA (18%). O Brasil é a quarta maior origem para a Oceania e a primeira para a Ásia e a África, e está se tornando para a Europa o que o México é para os EUA.

A Amazônia é não só uma rota disputada para escoar a cocaína de países vizinhos nos portos do Norte e Nordeste, mas tem se mostrado um ambiente propício à ramificação e entrelaçamento de uma gama de crimes.

Em primeiro lugar, ela é vasta e difícil de monitorar. A Amazônia legal compreende quase dois terços do território nacional. Fosse um país, seria o sexto do mundo. No Brasil, abarca fronteiras com os maiores produtores de coca do mundo: Colômbia e Peru, além da Bolívia.

Entre 2012 e 2022 as apreensões de cocaína na Amazônia saltaram de 6 toneladas por ano para mais de 30. O narcotráfico está “exacerbando e amplificando um leque de outras economias criminais”, alerta a ONU, “incluindo ocupação ilegal de terras, mineração ilegal, tráfico de madeira e espécies selvagens, e outros crimes que afetam o meio ambiente”.

Segundo o Relatório, o cultivo da coca tem impacto mínimo sobre o desmatamento. O verdadeiro catalisador é a lavagem dos lucros do tráfico. Em parte, isso se deve “à abundância de recursos naturais junto a uma presença limitada do Estado, corrupção persistente e fatores estruturais relacionados à informalidade, desigualdade e desemprego”. Organizações como o PCC e o Comando Vermelho estão se diversificando em atividades altamente lucrativas. As redes tecidas por elas aceleram o desmatamento, mas também “crimes convergentes que variam de corrupção, crimes financeiros e tributários, homicídio, assaltos, violência sexual, exploração de trabalhadores e menores, até a violência àqueles que defendem o meio ambiente, incluindo indígenas”. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, entre 1980 e 2019 os homicídios caíram 19% no Sudeste, enquanto no Norte aumentaram 260%.

A repressão a esse “ecossistema do crime” é mais complexa do que o combate à criminalidade urbana tipicamente conduzido pelos Estados. Primeiro, porque essas organizações são transnacionais, exigindo cooperação internacional entre as nações envolvidas na cadeia do tráfico, da produção ao consumo. O Exército é crucial, especialmente na guarda de fronteiras e terras públicas. Mas o mero envio indiscriminado de forças militares tem se mostrado caro e pouco efetivo. Como aponta o Fórum, “é preciso investir no fortalecimento de mecanismos integrados de comando e controle, que conectam esferas federal e estadual, e, em especial, diferentes órgãos e Poderes (Polícias, MP, Defensorias, Ibama, ICMBio, Judiciário, entre outros)”. De resto, regulações excessivas de proteção ambiental, por mais que sejam bem-intencionadas, podem sufocar oportunidades econômicas, aprofundando a pobreza, que, por sua vez, forma um amplo estoque de recrutamento para os orquestradores de crimes socioambientais.

O fato é que, se o País continuar a permitir que a Amazônia seja sequestrada por um narcoestado paralelo, essa fonte de riquezas naturais e saúde climática produzirá efeitos cada vez mais tóxicos para a humanidade e sua “casa comum” – e eles serão particularmente agudos para o Brasil.

Com inflação não se brinca

O Estado de S. Paulo

Mudança no discurso sugere que governo desistiu de afrouxar metas de inflação. É muito bom que seja assim. O País não está disposto a abrir mão dessa conquista civilizatória

O Conselho Monetário Nacional (CMN) se reúne hoje para bater o martelo sobre as metas de inflação dos próximos anos. Os objetivos para 2024 e 2025 já foram estabelecidos em 3%, com margem de tolerância de 1,5 ponto porcentual para mais ou para menos, mas podem ser alterados. Falta definir a meta de 2026. Os primeiros meses do governo de Lula da Silva geraram muita apreensão sobre a possibilidade de adoção de metas mais frouxas, mas a aparente mudança do discurso do presidente mostra que ele, felizmente, pode ter abandonado o plano inicial.

Em janeiro, aos desferir os primeiros ataques ao Banco Central (BC), Lula considerava que a meta de inflação deste ano, de 3,25%, era um exagero, e sugeria que a retomada dos 4,5%, que vigoraram entre 2005 e 2010, levaria não só ao afrouxamento monetário, como também a um maior crescimento econômico. Em abril, o presidente foi além e insinuou que a meta atual seria inatingível. “Se a meta está errada, muda-se a meta”, afirmou, à época.

Mais recentemente, no entanto, Lula ajustou o tom de suas declarações. Essa mudança, segundo reportagens publicadas pelo Broadcast, seria mérito do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. A partir de dados e com base em experiências internacionais compiladas por sua equipe, ele teria convencido Lula de que aumentar a meta de inflação com o objetivo de reduzir os juros seria ineficaz.

Entre os gráficos apresentados naquele estudo, destacou-se o desempenho da Turquia, que tinha a menor taxa de juros real, mas também a maior inflação e o maior desvio em relação à meta. O Brasil, por sua vez, liderava o ranking dos com juros, mas figurava entre as nações com menor inflação e menor desvio em relação à meta. Desde então, Lula tem preferido o enfrentamento político e centrado os ataques na pessoa de Campos Neto, deixando de lado questões eminentemente técnicas.

A desaceleração da inflação nos últimos meses corrobora os dados do levantamento do Ministério da Fazenda. É verdade que parte desse resultado está relacionada a fatores externos, como a queda nas cotações das commodities e a valorização do real perante e dólar, mas, para ficar em uma única questão, o arrefecimento da inflação dos serviços é resultado da austeridade da política monetária conduzida pelo Banco Central.

Fato é que o receio quanto a alterações nas metas de inflação se dissipou. A despeito de o governo federal ter maioria confortável no CMN – dois dos votos pertencem a Haddad e à ministra do Planejamento, Simone Tebet, enquanto o terceiro voto é de Campos Neto –, ninguém mais acredita em mudanças nesse sentido.

O que efetivamente se espera da reunião do CMN é que, a exemplo do que acontece em outros países, a apuração do cumprimento da meta não se oriente mais pelo ano-calendário e passe a ser feita de forma contínua, como recomenda o Fundo Monetário Internacional (FMI). Seria uma forma de referendar o trabalho do BC, que já tem colocado o prazo de seis trimestres à frente como horizonte relevante em suas comunicações oficiais.

É bom que seja assim. Definir as metas de inflação é uma prerrogativa do governo, enquanto estabelecer os juros é atribuição do Banco Central, mas a efetividade da política monetária é maior quando há um alinhamento com a política fiscal conduzida pelo Executivo. Nesse sentido, o novo arcabouço é um primeiro passo, mas sua eficácia ainda terá de ser testada na prática. O passado, no entanto, prova que metas de inflação ambiciosas não apenas contêm o avanço dos preços, como também ancoram as expectativas que acabam por guiar as decisões do BC.

Nossa experiência ao longo da década de 1980 mostra que o crescimento econômico gerado pela tolerância à inflação é ilusório e insustentável, enquanto o descontrole de preços é real e perene. O controle da inflação foi fruto do esforço coletivo da sociedade e exigiu muitos sacrifícios. Maior legado do Plano Real, ele representou uma verdadeira conquista civilizatória da qual o País não aceita mais abrir mão. Ao governo, por meio do CMN, cabe apenas reconhecer essa realidade.

Vista grossa para uma indecência

O Estado de S. Paulo

Lixões deveriam ter acabado em 2022, mas incêndio em lixão de Teresópolis mostra que a lei não vale nada

Do fogo que consumiu parte do aterro sanitário do Fischer, em Teresópolis (RJ), veio uma densa nuvem tóxica que transformou em noite a manhã do dia 26 passado na aprazível cidade da serra fluminense. Mas das chamas também veio a luz sobre uma indecência que se perpetua furtiva Brasil afora pelo descaso de muitos prefeitos com a lei, com o meio ambiente e com a qualidade de vida dos cidadãos sob seu governo: a vergonha dos lixões.

Por determinação inicial do Plano Nacional de Resíduos Sólidos (Planares), desde agosto de 2022 não deveria haver um só lixão ou aterro a céu aberto no País. O prazo, é evidente, foi descumprido. E pela enésima vez. A meta original para o fim dos lixões no Brasil era 2014. Mas, de tempos em tempos, prefeitos acorrem a Brasília para solicitar a extensão do prazo alegando “falta de condições” para acabar com os lixões em seus municípios, como manda a lei. E são atendidos.

É de estarrecer o descaso de muitos prefeitos pelo Planares e pelo Marco Legal do Saneamento, como se fosse letra morta uma lei aprovada pelo Congresso e sancionada pela Presidência da República. É igualmente de estarrecer a tolerância do próprio Legislativo com esse reiterado descumprimento. Mas não chega a surpreender; primeiro, pela ligação dos parlamentares com os prefeitos de seus redutos políticos; segundo, porque está se falando de obras que não têm potencial eleitoral imediato. Vale dizer, acabar com os lixões no Brasil nunca foi uma prioridade.

Nesse sentido, o convívio com a indignidade dos lixões é semelhante ao que ocorre, por exemplo, com a vista grossa que muitas autoridades – além de parcela da sociedade – fazem para os problemas do subumano sistema carcerário brasileiro. Malgrado os benefícios da solução de uma e outra mazela, é certo que resolvê-las não rende votos na próxima eleição.

O incêndio no lixão de Teresópolis, cujas causas ainda estão sendo investigadas, decerto não teria provocado tantos danos físicos e ambientais, por óbvio, caso o Planares tivesse sido cumprido a tempo. O risco de novos infortúnios, além da continuidade dos problemas inerentes à própria existência dos lixões, permanece altíssimo. Na mais recente romaria até a capital federal, os prefeitos foram contemplados com mais dois anos de prazo para pôr fim ao descarte a céu aberto de resíduos sólidos em seus municípios, numa relação deliberadamente enganosa entre Executivo e Legislativo que beira o escárnio com o interesse público.

Nada garante que o novo prazo será cumprido pelos prefeitos e que o País chegará a agosto de 2024 livre dos lixões que emanam doenças, mau cheiro e, principalmente, vergonha. Afinal, como um país que não consegue acabar com um problema típico de tempos idos será capaz de solucionar questões mais complexas em pleno século 21?

Registre-se, por fim, que a insensibilidade da chamada classe política para a miséria dos lixões decorre fundamentalmente da falta de mobilização da sociedade por soluções mais modernas para o descarte de seus resíduos sólidos. E assim, sem a devida atenção, porções do Brasil seguem aferradas ao atraso.

Educação para as mudanças do clima

Correio Braziliense

Em novembro de 2025, Belém, capital do Pará, sediará a 30ª Conferência do Clima das Nações Unidas (COP30). Os eventos climáticos extremos deixaram de ser previsões. Eles são realidade em todo o planeta

Em novembro de 2025, Belém, capital do Pará, sediará a 30ª Conferência do Clima das Nações Unidas (COP30). Os eventos climáticos extremos deixaram de ser previsões. Eles são realidade em todo o planeta. Causam secas intensas, temporais, tornados e tantos outros episódios dramáticos, com perdas de vidas e destruições de cidades. Atrasam o desenvolvimento socioeconômico do país e impõem gastos com a recuperação de áreas seriamente danificadas. Os esforços para evitar o aumento da temperatura terrestre têm sido insuficientes.

O agravamento do cenário deixa os jovens apreensivos em relação ao futuro, segundo pesquisa da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). O estudo ouviu mais de 15 mil pessoas, por meio virtual, em 2020. A maioria (67%) se disse preocupada com as perdas da biodiversidade, "devido a questões como o aumento de desastres naturais e condições climáticas extremas".

Nesta semana, a Comissão de Legislação Participativa, da Frente Ambientalista da Câmara dos Deputados, debateu a construção de projeto de lei que institua o Programa Nacional de Educação Climática nas Escolas. A ideia é aprovar a nova lei antes da realização da COP30, no Brasil. Ante o aquecimento global, a comissão pretende reunir todos os projetos em tramitação no Congresso e elaborar uma proposta que contemple as diferentes sugestões, mantendo a orientação da Lei nº 9.795/1999, que dispõe sobre a educação ambiental nas escolas. Ou seja, a educação climática não será mais uma disciplina na grade curricular, mas deverá ser abordada em todas as matérias, preservando a ideia de transversalidade e interdisciplinaridade, como prevista na Lei nº 9.9795/99. Ou seja, "espalhar a questão ambiental em toda a formação dos alunos nos diferentes níveis de ensino", como defendeu Suely Araújo, que participou da elaboração da lei e, hoje, é conselheira do Observatório do Clima.

Para a presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Mercedes Bustamante, a educação climática deve não só abranger todas as disciplinas, mas, principalmente, envolver uma mudança de comportamento. Ela lembrou que a mudança é urgente. "O planeta está mais de 1ºC mais quente do que no período pré-industrial. Até o final do século, a previsão é atingir 2,7ºC a mais", alertou a presidente da Capes.

A maioria dos compromissos assumidos pelas nações para conter o aquecimento global, no Acordo de Paris, não foi cumprida. Poucos países deram passos rumo à transição para um modelo de economia verde. No Brasil, nos últimos seis anos, as políticas públicas foram alvo de retrocesso devido ao negacionismo em relação aos prejuízos causados pela mudança climática. O desmatamento avançou exponencialmente. Houve expansão das fronteiras agrícolas sobre áreas de proteção ambiental e terras dos povos originários e tradicionais. A mineração e a extração de madeiras ilegais também avançaram na Amazônia e no cerrado.

O ensino sobre as mudanças climáticas não deve ser restrito às crianças e aos jovens estudantes. Impõe-se que alcance os adultos, pois os fenômenos climáticos extremos não diferenciam jovens e velhos. Seus efeitos são dramáticos para toda a sociedade, o que exige do poder público celeridade na execução de políticas para recuperação do tempo perdido.

 

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