Valor Econômico
Cerco sobre Lira devolve a Lula a iniciativa
legislativa
Levou seis meses, mas o governo Luiz Inácio
Lula da Silva parece ter encontrado uma fórmula. Não é definitiva nem resolve
tudo, mas encara o enrosco legislativo, o maior que encontrou e sem o qual não
consegue destravar a economia.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-PL)
angariou plenos poderes à medida que sua gaveta se encheu de pedidos de
impeachment contra o ex-presidente Jair Bolsonaro. Tomou conta do Palácio e
passou a agir para consolidar, sob quaisquer governos, os poderes de seu grupo
político. Agora prova do próprio veneno.
A retomada legislativa do Executivo dá-se
pelos mesmos meios. O cerco da operação Hefesto sobre “Arthur” tem permitido a
Lula construir pontes com o Legislativo. O grande teste para a eficácia desta
fórmula será a aprovação do arcabouço fiscal mantendo de fora do teto de gastos
o Fundeb.
O orçamento permitirá que se respire acima
da linha d’água e que se pense em algo parecido com uma base na Câmara. E os
méritos nem podem ser atribuídos ao governo. São todos de Lira. Vazamentos?
Sempre haverá. Tanto de um lado quanto do outro. Além da Polícia Federal e do
Ministério Público, havia 14 advogados com acesso ao inquérito. O problema foi
outro.
Lira continuou a agir, ante um presidente que desafiou, como se estivesse perante aquele que era seu aliado/refém. Só isso pode explicar a existência, numa toca de gatunagens, de livros-caixa dos gastos mais comezinhos de “Arthur” datados de abril deste ano. Quatro meses depois da posse, “Arthur” continuava a entrar sem bater e deitar no sofá com os pés sujos sem se dar conta que o contrato de aluguel da casa passara para outro inquilino.
A virada começou a acontecer na votação da
medida provisória da reorganização ministerial, quando o presidente recebeu o
líder do União Brasil na Câmara, Elmar Nascimento, sem a presença de Lira. Além
de azeitar, no varejo, a liberação das emendas, o Executivo passou a explorar
as fissuras de uma Casa que atestara a vulnerabilidade de sua principal
liderança.
Sempre tem chance de apelo, mas este só
funcionará, dada a abundância de provas, com sua nulidade pelo Supremo Tribunal
Federal. Um dos deputados federais filmados pela tocaia da PF fez uma
reclamação. Estava sob um segredo de Justiça tão severo que até o autor
desconhecia seu teor. Como caiu com o ministro Luís Roberto Barroso, ele
resolveu desistir da reclamação.
Interpelada pela Mesa Diretora da Câmara, a
Procuradoria-Geral da República avocou o inquérito. Com os livros-caixa
descobertos pelos repórteres Breno Pires (“piauí”), Paulo Saldaña e Fabio
Serapião (“FSP”), no fim de semana, tornou-se inevitável que a PF remeta os
autos para a Corte.
Barroso alega que não deu decisão de mérito
e, assim, não seria ministro prevento do caso. Ou seja, não seria o destinatário
dos próximos capítulos deste caso. A presidente da Corte, Rosa Weber, pode ter
outra opinião. Neste caso, ele pode, ao assumir a presidência do STF, em
outubro, repassar o processo. Neste caso, quem o assumiria seria o segundo
indicado de Lula. Mais uma carta na mão do presidente.
E ainda tem outra. Augusto Aras, que tem
agido alinhado com Lira, expira seu mandato em setembro. Sua substituição é
crucial para a fórmula de governabilidade de Lula. As alternativas já estão na
praça.
A despeito de ter deixado Bolsonaro
delinquir ao longo de toda a pandemia, a renovação do mandato de Aras tem
defensores na ala baiana do governo, na linha do “pau que poupa Chico, poupa
Francisco”.
Os procuradores da República da lista
tríplice têm buscado canais com o Palácio e com o Supremo, mas pecam por terem
sido escolhidos numa conjuntura em que, apesar de todos terem um lavajatismo
para chamar de seu, sua independência ter passado a ser vista com desconfiança.
O vice-procurador-geral eleitoral, Paulo
Gonet, tem dois canhões a ancorá-lo, os ministros Gilmar Mendes e Alexandre de
Moraes. Nenhuma das 16 ações de investigação judicial eleitoral contra
Bolsonaro tem Gonet por autor.
O histórico converge com o de Aras, ainda
que o procurador tenha uma explicação pronta para isso. Que não é da praxe do
MPE ajuizar ações do gênero durante o período eleitoral. Quem ouviu o voto do
ministro Benedito Gonçalves ficou convencido de que foi por pouco que esta
praxe não permitiu que Bolsonaro incendiasse o país.
Ainda tem a alternativa “nenhuma das
respostas anteriores” a partir da percepção de que Lula vai se guiar pela mesma
lógica que o levou até Cristiano Zanin. Escolheria um nome que, mais do que
ministros do Supremo ou do Executivo, fortaleceria a sua própria equação de
poder.
Em seis meses de governo, Lula começou a
reconstruir pontes com o agronegócio a ponto de o setor hoje engrossar o coro
contra o Copom, recompôs o Farmácia Popular e tem chance de ver passar uma
simplificação do sistema tributário. Ainda tem a bomba do ensino médio para
resolver, pátios de montadoras a serem esvaziados e arbitragens a fazer da foz
do Amazonas à Patagônia, passando pelos motoboys de aplicativos.
Quando a sessão do TSE desta quinta acabar,
Bolsonaro deverá ficar afastado por oito anos, mas aqueles que se beneficiaram
do seu poder continuam aí. A governabilidade que Lula tenta colocar em pé é a
superação mais deste legado do que do bolsonarismo. Afinal, em seis meses, o
ex-presidente ainda não tinha ameaçado a democracia, mas já tinha acabado com a
tomada de três pinos e com o horário de verão.
Maria Cristina
Fernandes
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