quinta-feira, 29 de junho de 2023

Assis Moreira - O século dos asiáticos?

Valor Econômico

Estados Unidos, com 4% da população mundial, geram 25% da produção global, posição mantida desde 1980, observa “The Economist”

Acompanhei recentemente a Beyond Expo 2023, uma das maiores exposições asiáticas de tecnologias de consumo, saúde e sustentabilidade, na região administrativa especial de Macau, China. Durante o evento, alguns membros da elite intelectual da Ásia manifestaram uma análise comum sobre rumos que o mundo pode tomar.

Kishore Mahbubani, ex-diplomata de Cingapura que foi presidente do Conselho de Segurança das Nações Unidas (janeiro 2001-maio 2002) e é membro do Asia Research Institute, deu o tom, não hesitando em listar “quatro certezas” futuras, em meio às turbulências atuais.

Para ele, a primeira certeza é que o século XXI será o século asiático, assim como o século XIX foi o século europeu, e o século XX foi o século americano. O século asiático será “um retorno à norma”, porque na maior parte do tempo as duas maiores economias do mundo sempre foram as da China e da Índia. “Os 200 anos de domínio ocidental na história mundial foram anormais”, insistiu.

Mahbubani acha que o Ocidente está “se preparando psicologicamente” para um século asiático, que terá o crescimento impulsionado pelo que chama de nova CIA - não a Agência Central de Inteligência, mas China, Índia e Asean (Associação das Nações do Sudeste Asiático, com dez países incluindo Indonésia, Malásia, Tailândia, Filipinas e Cingapura). Os países da CIA representam 3,5 bilhões de pessoas, ou 44% da população mundial.

Andrew Sheng, ex-banqueiro central, assessor-chefe da Comissão de Regulamentação Bancária e de Seguros da China e professor da Universidade de Hong Kong, observou que China e Índia responderam por metade do crescimento global em 2022. E previu que ao longo desta década o Japão pode crescer 2% ao ano, e a China, por volta de 4% (após de 12% no passado), enquanto economias da Asean, com 700 milhões de pessoas, deverão expandir de 5% a 8%. O motivo é o fluxo de dinheiro para essa região.

No ano 2000, apenas 150 milhões de pessoas na CIA pertenciam à classe média. Em 2020, o número cresceu para 1,5 bilhão, ou seja, aumentou nove vezes em 20 anos. A projeção é de que deverá dobrar para 3 bilhões em 2030. Essa classe média vai impulsionar esse crescimento.

A segunda certeza para Mahbubani é má notícia: a disputa geopolítica entre EUA e China ganhará força nos próximos dez anos. É impulsionada por uma “lei de ferro” da geopolítica, pela qual sempre que a principal potência emergente do mundo, que hoje é a China, ameaça ultrapassar a principal potência, que hoje são os EUA, a reação é forte. Ou seja, a confrontação tende a acelerar entre Washington e Pequim, com riscos reais para o mundo.

A terceira certeza é que a mudança climática está se acelerando. Basta ver o número de pessoas que passará para a classe média no século asiático. Quanto mais elas consomem, mais a emissão de gases-estufa aumenta.

A quarta certeza é que a ciência e a tecnologia continuarão a se desenvolver e a se fortalecer. E isso leva o analista de Cingapura à grande incerteza: se a humanidade será sábia para usar todos os dados disponíveis, toda a compreensão acumulada da ciência e da tecnologia para salvar o planeta. Em teoria, todos estamos nos tornando mais inteligentes.

Para Andrew Sheng, o mundo “foi dominado” pelo Ocidente com um paradigma que se expandiu a partir de uma pequena parte do mundo para colonizar o resto. Mas a situação está mais do que nunca abalada com o aprofundamento de desequilíbrios sociais, climáticos, desigualdade social, pessoas envelhecendo rapidamente e diferenças regionais, economias de crescimento rápido, economias de crescimento lento e algumas economias em colapso.

Para ele, a tecnologia é a solução para muitos dos desafios atuais. “Tecnologia é o conhecimento humano acumulado. Aqueles que não entendem de tecnologia correm o risco de serem deixados para trás”, repetiu ele. A solução, para Sheng, passa pela mudança no paradigma do poder mundial, explorando a interação entre filosofia, tecnologia e cooperação em um mundo em transformação. E nisso, acha que os asiáticos têm grande chance, por serem práticos e menos individualistas. Mahbubani completou dizendo-se “muito feliz” que o presidente chinês, Xi Jinping, tenha lançado o conceito de uma “comunidade com um futuro compartilhado”.

Jian-Wei Pan, diretor da Academia de Ciências da China, focou no progresso da China na computação quântica. Nela, as informações são codificadas usando bits quânticos (qubits), e o princípio da superposição pode ser usado para obter uma computação paralela ultrarrápida, resultando em aceleração exponencial. Cálculos que hoje demoram anos poderão ser resolvidos em alguns segundos, no futuro. Os computadores quânticos podem ser usados para resolver uma variedade de problemas em campos como criptografia clássica, previsão do tempo, análise financeira, design de medicamentos, sem falar do campo militar.

A Ásia se desenvolve, mas o poder da economia dos EUA está realmente em declínio? A revista “The Economist” observou que os EUA, com 4% da população mundial, geram 25% da produção global, posição mantida desde 1980, e nenhum outro grande país é tão próspero ou inovador.

Em artigo sobre as potências econômicas do futuro, também o professor Charles Wyplosz, do Geneva Graduate Institute, uma das melhores escolas de relações internacionais do mundo, considerou o declínio ocidental um mito. Exemplificou com os debates atuais sobre inteligência artificial, essencialmente impulsionada pelos EUA. As transformações em curso serão fonte de crescimento e de maior vantagem competitiva. A Europa segue de perto os americanos na tentativa de continuar na ponta da inovação em diferentes áreas científicas.

Para Wyplosz, salvo mudança radical, a economia chinesa vai simplesmente cessar seu “catch-up” (perseguição) em relação ao mundo rico, até em razão de ações de Xi Jinping para restaurar a supremacia do Partido Comunista chinês que resultam em desaceleração na abertura da economia.

Em Macau, um provérbio árabe em todo o caso foi repetido mais de uma vez: “Aquele que fala sobre o futuro mente mesmo quando diz a verdade”.

3 comentários:

Mais um amador disse...

Enquanto isso, na América " Latina " ...

🙄

EdsonLuiz disse...

Cada Modo de Produção tem uma Órdem Juridico-Politica e Ideológica de estabilização e uma Forma Social própria de estabelecer relações. No modo de produzir a realidade social e material anterior, o Sistema Medieval, a estabilização política e econômica era feita por um regime monárquico liderado por um Rei/Príncipe e pela hierarquia de poder que o monarca estabelecia. No Sistema Medieval a Forma Social se dava pela relação do indivíduo com a terra, à qual pertencia (mesmo quando a terra era vendida, os que a habitavam ficavam presos à terra).

O Sistema Medieval foi substituido pelo Sistema Capitalista. No Sistema Capitalista, a Órdem estabilizadora é a Democracia Liberal e seu Regime Representativo por escolha democrática. Na democracia liberal a Forma Social de estabelecimento de relações é o trabalho assalariado. Isso faz com que o Dinheiro, a Mercadoria (a força de trabalho sendo uma mercadoria especial), e o Capital sejam relações sociais. Como Capital pode ser expressado como um acúmulo de mercadorias, é a mercadoria a Forma Social no Capitalismo.

O estabelecimento do Modo de Produção Capitalista se estruturou sob a Filosofia Liberal e a Democracia, que ao liberalismo é inerente.

Não é o fracasso de um Sistema Social e Econômico que leva ao surgimento da nova forma de produzir e reproduzir a realidade ; pelo contrário, é o sucesso econômico do Sistema, quando o desenvolvimento das Forças Produtivas alcança um estágio de desenvolvimento e produtividade cujo funcionamento a velha Órdem estabilizadora não mais contribui para sua dinâmica e passa a ser um impecilho à sua expansão, o que leva a sociedade a revolucionar sua organização social e política para conservar as transformações e a dinãmica de novas relações surgidas da experiência entre os agentes sociais.

Um Modo de Produção, sua Órdem estabilizadora e a Forma Social em como ocorre as relações entre os agentes econômicos e que determina a cultura e a ideologia é resultado de um processo histórico. Sendo um Modo de Produção um produto histórico, e como só há uma única história humana, só há um único Modo de Produção legitimo possível vigendo em cada etapa histórica, Sistema esse surgido quase naturalmente da dinâmica da sociedade, incorporando a natureza humana e as alterações culturais assimiladas pelo ser humano nas suas experiências econômicas e sociais cotidianas.

Assim, é do Sistema Econômico e Social anterior, do seu pleno êxito e de desenvolvimentos internos ao Sistema antigo que surge um novo Sistema, e não de formulações teóricas artificiais. Se houver mais de um Sistema Social coexistindo em uma mesma etapa histórica, um deles é autêntico e legitimo e qualquer outro que estiver com ele coexistindo é artificial, por existir uma só história, cujo processo demoradíssimo e generalizador da experiência humana leva a que as interações sociais sejam inerentes à experiência concreta e única daquela etapa, consideradas as subjetividades e a natureza do ser humano.

Nesta etapa historica atual, só há o Capitalismo. Como as sociedades são históricas, um dia o Capitalismo será superado, e eu espero que a superação do Capitalismo também leve à superação da lógica interna capitalista que produz exclusão econômica. Mas enquanto o Capitalismo não se desenvolver plenamente a Órdem que o estabiliza não será modificada, porque se a Ordem Social não é espontânea, isso não significa que uma Órdem artificial e formulada em escritórios por um ou mais formuladores "revolucionários" possam desenhar uma Órdem e ser colocada no lugar de uma Ordem legitima para submeter toda a sociedade humana à sua concepção de estabilidade e expansão material. Toda Órdem artificial fracassa ; toda Órdem legitima resulta em nova Órdem Social e Material que a substitui, sendo que até hoje o surgimento de uma nova Órdem significou progresso humano.

A hegemonização de uma Órdem Mundial artificial e policual que Xi Jiping quer liderar é incompatível com o modo mais eficiente de progresso que o Capitalismo significou e significa, mesmo com todas as suas contradições.

EdsonLuiz disse...

Os progressos materiais que a China experimentou nos últimos pouco mais de 40 anos, a partir acho que de 1972, após o falecimento do medíocre e truculento ditador Mao tse-Tung, esse progresso chinês recente foi propiciado pelo afastamento da China do sistema político artificial soviético, a aproximação da China com os Estados Unidos e com as outras democracias e pela implantação do Capitalismo na economia chinesa. Depois que implantou o Capitalismo na sua economia, a China retirou 850 milhões de chineses da míseria a que estiveram condenados pelo regime ditatorial de Mao tsé-Tung.

O que o ditador Xi Jiping está buscando é restaurar toda a truculêncua e controle econômico e social que vigorou no momento mais duro do Regime Politico artificial chinês a partir de 1949 até 1972, o maoísmo, que ele quer restaurar com as características de xijinpingismo, e busca também expandir essa truculência para controlar, de forma unilateral, outros Estados nacionais --Rússia e Brasil incluídos, se ele puder.

O Capitalismo na China, razão de seu sucesso econômico recente, não tem nenhuma chance se se perpetuar, porque o Capitalismo é um Sistema baseado nas liberdades, regras, direitos e deveres da doutrina liberal associada às ideias democráticas, doutrina e ideias essas que a China de Xi Jiping nega e que o ditador quer confrontar, estando Xi Jiping nos últimos tempos se articulando com outros ditadores, autocratas e populistas do mundo inteiro, sem se importar com o sabor ideológico que o autoritário que a ele se aliar professa, para conquistarem hegemonia e estabelecerem uma Órdem artificial e autoritária no mundo.

A China pode continuar por algumas décadas a apresentar crescimento econômico acima da média de crescimento mundial, mas como esse crescimento vem do Capitalismo, e o Capitalismo como modo de produção da realidade econômica e social é incompatível com um regime politico autoritário, como é o regime chinês, a China está fadada a acabar com a sua ditadura e se democratizar ou seu sucesso vai definhar e o país se fechar e aprofundar o controle policial e truculento de sua sociedade, ao custo da volta da miséria de seu povo.Eu espero que paises como o Brasil, a África do Sul, a Turquia e outros superem esta atual onda de populismos a que estão se ligando e não sejam embarcadas na aventura artificial e autoritaria de Xi Jiping.