O Globo
Militares que aderiram à ideia de golpe
tentam apagar as digitais e desfazer a cena do crime
É impressionante a irresponsabilidade com
que militares da ativa, de alta patente, aderiram à ideia do golpe para impedir
o presidente eleito, Lula, de tomar posse. Mais impressionante ainda é a
tentativa de desfazer a cena do crime, ressignificando o sentido das próprias
palavras, escritas com todas as letras em mensagens de WhatsApp.
O ex-presidente Bolsonaro, aliás, é a fonte
dessa atitude cínica utilizada por seus seguidores, pois nega até mesmo vídeos,
como se tivessem sido produzidos pela tecnologia deep fake. Uma das mensagens
entre o coronel Jean Lawand Júnior, que trabalhava no setor de projetos
estratégicos do Estado-Maior do Exército, e o tenente-coronel Mauro Cid,
ajudante de ordens do então presidente Bolsonaro, revela o estado de espírito
deste em relação às Forças Armadas.
O que, por si só, é demonstração de que em nenhum momento o Alto-Comando aderiu ao golpe que era tramado. O coronel Lawand apela por uma decisão de Bolsonaro por um golpe, e Cid afirma que o presidente não dará a ordem “porque não confia no Alto-Comando do Exército”. Ao que o coronel Lawand responde:
— Cid, pelo amor de Deus, o homem tem que
dar a ordem. Se a cúpula do EB não está com ele, da divisão para baixo está.
Assessore e dê-lhe coragem.
Na CPI, o coronel golpista tentou convencer
os deputados de que seu apelo era “pelo apaziguamento do país”. Não é preciso
ter sido graduado na Academia Militar de Agulhas Negras nem pós-graduado em
ciências militares pela Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais para entender o
que ele escreveu. Sua explicação na CPI é uma afronta à sociedade e uma
tentativa canhestra de enganar os parlamentares.
Mesma atitude de seu ídolo, o próprio
Bolsonaro, quando tenta naturalizar sua atitude infame de enviar aos governos
estrangeiros, por meio de seus embaixadores e embaixadoras, um apelo mal
disfarçado de apoio a sua atitude contrária às urnas eletrônicas. Esquece
propositadamente que era o presidente da República, e não um político qualquer
como Carlos Lupi ou o falecido Leonel Brizola. Finge que sua posição hoje é
semelhante à do então presidente Michel Temer, julgado e absolvido pelo
Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Só que, naquela ocasião, a presidente Dilma
já havia sido impedida de continuar governando, e Temer já assumira a
Presidência. Sua cassação causaria um transtorno institucional que precisava
ser evitado. Bolsonaro já está fora do poder, derrotado em eleição avalizada
pela Justiça. Sua condenação, ao contrário, será uma punição exemplar em defesa
da democracia.
Outro caso exemplar é o tenente-coronel da
FAB Igor Rocha, que fez uma postagem no início do ano, só agora amplamente
divulgada, torcendo pela morte do presidente Lula. Ele é da ativa, trabalha no
setor de comunicação da Aeronáutica. Alegou que era sua conta particular e que
o sugerido no post era “uma opinião pessoal”. Como se fosse normal qualquer um
desejar explicitamente a morte de alguém nas redes sociais, além do mais um
presidente da República. No caso dele, um militar graduado da ativa da
Aeronáutica.
Não se esqueceu de dizer que se arrepende
de ter feito o que fez, como se isso resolvesse a questão. Se não for punido
exemplarmente, a atitude de seus superiores será entendida como, no mínimo,
leniência, se não cumplicidade. Há diversas maneiras de encarar o uso das redes
sociais para orquestrar ações ilegais de derrubada de governos. Alguns países,
como os Estados Unidos, aceitam esses arroubos como parte da liberdade de
expressão. Outros, como o Brasil, procuram controlar a prática de crimes nas
redes sociais, prevenindo ações ilegais. Até agora, mesmo com exageros
constatados, a democracia brasileira deve ao rigor do Supremo Tribunal Federal
e do TSE sua sobrevivência.
3 comentários:
Excelente.
Especialmente vindo de um colunista muitas vezes criticado ( especialmente pelos de esquerda, leia-se petistas ) por ser " direitista ", " reacionário ", " bolsonarista " ou qualquer coisa do tipo.
MERVAL É BEM MAIS QUE QUALQUER COISA DO TIPO
Merval descendo o pau.
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