Congresso tem de barrar emenda que fere papel
do STF
O Globo
PEC estabelecendo possibilidade de Parlamento
rever decisões da Corte criaria desequilíbrio entre Poderes
Precisa ser rechaçada de imediato a Proposta
de Emenda Constitucional (PEC) 50/2023, protocolada no fim de setembro na
Câmara. A PEC, de autoria do deputado Domingos
Sávio (PL-MG), pretende alterar o artigo 49 da Constituição
para permitir ao Congresso, mediante maioria de três quintos nas duas Casas,
“sustar decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que tenha transitado em
julgado e que extrapole os limites constitucionais”. Trata-se de iniciativa
descabida, que só encontra paralelo em regimes autocráticos ou nas tentativas
de involução para autocracia.
A Constituição do Estado Novo, ditadura de Getúlio Vargas, estabelecia a possibilidade de o presidente da República submeter decisões do Supremo que não lhe agradassem a um Congresso dócil, onde elas poderiam ser derrubadas por maioria de dois terços. O expediente servia para emprestar legalidade a arbítrios do Executivo. Numa democracia, mecanismos do tipo introduzem um desequilíbrio evidente na relação entre os Poderes republicanos. Basta ver a revolta despertada por um dispositivo semelhante proposto na reforma judicial do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, depois obrigado a recuar diante da rebelião popular. Ou a controvérsia em torno desses mecanismos nas raras democracias onde se atribui ao Legislativo algum poder de rever decisões da Justiça, como Canadá ou Austrália.
A Carta de 1988 é clara ao estabelecer que
compete exclusivamente ao STF o dever de interpretar a constitucionalidade das
leis e de decisões da Justiça. No equilíbrio que ela estabelece entre os três
Poderes, o Judiciário não pode legislar, e o Legislativo não pode aplicar as
leis a casos concretos.
Programa para segurança pública exigirá
persistência do governo federal
O Globo
Iniciativa é positiva por traduzir atitude
responsável, mas é apenas a semente de um projeto duradouro
Os indicadores de segurança pública continuam
a envergonhar o Brasil. A taxa de homicídios até caiu nos últimos dez anos, mas
continua elevada: 23,4 por 100 mil habitantes. Esse índice na Zona do Euro é 1.
Nos países árabes, 4. No mundo inteiro, a média é 6. No ranking das sociedades
mais seguras do Instituto de Economia e Paz, o Brasil é o 150º classificado
entre 163 países. Estamos mais próximos do Afeganistão, o
pior colocado, que do Chile, país mais
seguro na América do Sul. Os maiores responsáveis pela situação são
organizações criminosas com ramificações internacionais, que ameaçam o Estado
de Direito. Mas há também décadas de políticas públicas ineficazes no combate
ao crime.
Na semana passada, bandidos lançaram uma
bomba dentro de um ônibus em plena Avenida Brasil, principal acesso à cidade do
Rio. O Fantástico divulgou imagens de aulas de tática de guerrilha dadas por
traficantes no Complexo da Maré. Na Bahia, uma disputa
entre grupos criminosos rivais, agravada pela violência policial, desencadeou
uma escalada de mortes. Diante desse quadro, o ministro da Justiça, Flávio Dino,
lançou nesta semana o programa Enfrentamento às Organizações Criminosas
(Enfoc), com apoio do governador do Rio, Cláudio Castro.
O Enfoc terá, segundo Dino, cinco eixos:
integração institucional e informação; eficiência policial; portos, aeroportos,
fronteira e divisas; eficiência da Justiça criminal; e cooperação entre os
entes federativos. A promessa é que serão investidos R$ 900 milhões até 2026.
Em resposta aos episódios recentes, Dino falou em R$ 247 milhões destinados ao
Rio e R$ 20 milhões à Bahia. Também assinou autorização para envio ao Rio de
300 agentes da Força Nacional e 270 policiais rodoviários federais.
A iniciativa é positiva porque revela uma
atitude responsável do governo federal, ao se colocar no papel de indutor e
organizador de políticas de segurança pública. Embora a Constituição determine
que a responsabilidade primordial por ela é dos estados, só a União pode
desenhar os programas com escopo nacional necessários para enfrentar grupos
criminosos que atuam sem levar em conta qualquer fronteira. Parte do fracasso
das últimas décadas pode ser atribuída à omissão federal ao longo de vários
governos.
O Enfoc cobre as áreas corretas, mas a pequena quantidade de recursos desperta receios. O plano apresentado carece de detalhes e não tem apoio de um ministério exclusivamente dedicado ao tema. Soluções eficazes não virão apenas da chegada de reforços nem do anúncio de mais dinheiro. O Enfoc precisa ser a semente de um projeto duradouro, que não deve ser abandonado como aconteceu outras vezes. Para ter mais chance de sucesso, precisará ser detalhado e obter maior apoio institucional. Sem um trabalho persistente e abrangente, o Brasil continuará suscetível às ações de criminosos — e um dos países mais inseguros do mundo.
Alta de juros longos nos EUA inquieta
mercados
Valor Econômico
Com o ciclo de alta de juros nos EUA perto do
fim, é pouco provável que as taxas dos T-bonds disparem
Os mercados levaram agora a sério os vários
sinais, dados durante meses, de que os juros altos seriam mantidos por mais
tempo do que o previsto nos Estados Unidos, devido à relutância da queda da
inflação em ritmo adequado rumo à meta de 2%. A previsão dos membros do banco,
em sua mais recente reunião, de que uma nova alta de 0,25 ponto no juro poderia
ser necessária antes do encerramento do ciclo de altas deu ao prognóstico de
aperto prolongado uma dose de veracidade. Os juros de longo prazo dos títulos
do Tesouro quase não pararam de subir desde então. Ontem, o papel de 10 anos
atingiu 4,78%, maior taxa desde 2007. Os mercados estão nervosos, as bolsas
caindo e as moedas se desvalorizando em relação ao dólar. Há boas chances,
porém, de que a alta dos juros de longo prazo não terá vida longa.
Há vários fatores intervindo para a alta. O
primeiro é o forte aumento da dívida dos EUA. O déficit encostou em US$ 1
trilhão no ano fiscal de 2022 e dobrará para US$ 2 trilhões no atual, chegando
a 7% do PIB, algo incomum para o país fora de períodos recessivos. Os juros
longos tendem a subir na ausência de uma política estimulativa do Fed - que
está indo no caminho contrário e elevando o custo do endividamento público.
Vai na mesma direção a enxurrada de emissões
de títulos do Tesouro, após as sucessivas disputas no Congresso sobre a
elevação do limite de endividamento do governo. No trimestre encerrado em
setembro, o Tesouro emitiu US$ 1 trilhão. Ao mesmo tempo, o Fed prossegue com seu
aperto quantitativo, vendendo mensalmente US$ 60 bilhões em títulos do Tesouro
e US$ 35 bilhões em papéis lastreados em hipotecas. O aumento da oferta derruba
o preço dos papéis, mas eleva seus juros, pois ambos caminham em direção
oposta. Há ainda algum recuo na demanda por parte dos principais compradores
dos títulos, os governos da China e Japão, ambos às voltas com pressões de
desvalorização sobre suas moedas.
Além disso, no início de agosto a Fitch
rebaixou a nota de crédito dos EUA pelo aumento forte e constante da dívida
americana. Não é implausível que a radicalização da disputa política entre
democratas e republicanos, às voltas mais uma vez com a possibilidade de
paralisação dos serviços do Estado (shutdown), tenha acrescentado algum prêmio
de risco aos títulos soberanos do país - que tinham risco zero -, o que
contribuiria para a alta dos papéis.
Outra hipótese é a reprecificação feita pelos
investidores, que, otimistas, contavam com corte acelerado dos juros dos fed
funds no ano que vem. Agora, projetam apenas um par deles, com as taxas
estimadas entre 4,75% e 5%. Mais uma possível explicação é a perspectiva de que
a economia realizará de fato um pouso suave, com a inflação declinando sem que
a economia passe por uma recessão - na verdade, realizando uma breve
desaceleração para retomar o ritmo de crescimento. O aumento de postos de
trabalho não preenchidos acima das expectativas (9,6 milhões) divulgado ontem
mostra que a economia segue vigorosa e reforça a hipótese de manutenção de
aperto pelo Fed. Com a retração global, puxada pelo crescimento menor da China,
arrastando as principais economias da Ásia, e da zona do euro, e elevação
mundial do preço do petróleo, a volta por cima da economia dos EUA não parece o
cenário mais provável.
Além de tudo, em nenhum momento do ciclo de
alta de juros executado pelo Fed a inflação de longo prazo ficou desancorada,
situação que justificaria taxas mais altas dos T-bonds.
Seja quais forem as causas, a alta dos juros
de longo prazo diminuiu a atratividade de papéis de países endividados, como os
emergentes e alguns desenvolvidos, como Itália, trazendo para os papéis do
Tesouro americano fluxos de capitais internacionais em busca de rendimento.
Esse movimento valoriza o dólar, o que é um problema para a maioria dos países
que, como o Brasil, têm ainda a inflação distante das metas e que estão em
ciclo de corte de juros, encurtando o diferencial de taxas vis a vis à americana.
Só há problemas graves à vista se as taxas de
juros longas nos EUA continuarem subindo por um bom tempo e a desvalorização
das moedas diante do dólar for intensa. Isso aumentará os preços domésticos
pelo repasse cambial, diminuirá o fluxo de recursos externos para pagamento das
dívidas e piorará o balanço de pagamentos.
O Brasil está em boa posição para suportar
turbulências financeiras. Até agora, apesar de ter perdido valor diante do
dólar nos últimos dias, o real ainda tinha se valorizado 4,1% diante da moeda
americana (até dia 2 de outubro) e variado -0,73% no mês. Até o fim de agosto,
a saída líquida de US$ 17,2 bilhões no câmbio financeiro no ano foi compensada
pelo saldo do câmbio comercial, uma enormidade: US$ 39,5 bilhões. Captações
externas tendem a ficar mais caras se os prêmios de risco subirem, mas isto até
agora não ocorreu. O CDS, que mede o risco de calote, estava em queda até
ontem.
Com o ciclo de alta de juros nos EUA perto do fim, é pouco provável que as taxas dos T-bonds disparem e que o movimento de elevação seja algo mais que temporário.
O teste do Desenrola
Folha de S. Paulo
Aprovado pelo Congresso, programa passará
pela etapa da adesão de devedores
O programa de
renegociação de dívidas patrocinado pelo governo federal tem
surtido efeito até agora.
Criado por medida provisória e recém-aprovado
pelo Congresso, o Desenrola Brasil incentiva bancos a refinanciarem
dívidas de pessoas físicas e credores —instituições financeiras, serviços de
utilidade pública e empresas de varejo e serviços em geral— a oferecerem
descontos para débitos inscritos no cadastro de inadimplentes.
A adesão ao programa pode ser feita em duas
faixas. A faixa 1 pode atender a devedores com renda de até dois salários
mínimos (R$ 2.640 mensais) ou a inscritos no Cadastro Único de Programas
Sociais (CadÚnico), excluídos débitos com garantia real e de crédito rural ou
imobiliário.
Nesse caso, os credores ofereceram as dívidas
em leilão, no final de setembro, no sistema do Desenrola. Aqueles débitos com
maior desconto foram selecionados para a etapa do programa que conta com
garantia de até R$ 8 bilhões do Fundo Garantidor de Crédito (FGO), com recursos
do Tesouro —o uso de
dinheiro público é um aspecto problemático.
Escolheram-se dívidas no total de R$ 151
bilhões, com desconto de R$ 126 bilhões (83% de redução média) para cerca de
21,5 milhões de CPFs. Segundo a Serasa, a inadimplência cadastrada no país era
de R$ 355 bilhões em agosto.
Até aqui, o elevado percentual de desconto
oferecido é a melhor notícia para o programa.
De 9 de outubro a 31 de dezembro, os
devedores que se inscreverem no Desenrola e tiveram dívidas contempladas
poderão pagar as contas em prestações de 2 a 60 meses, com juros de até 1,99%
ao mês e parcela mínima de R$ 50. O valor médio das dívidas, depois do
desconto, ficou em R$ 421.
No total, houve ofertas de desconto para 32,3
milhões de CPFs. No caso das ofertas não selecionadas, não há garantia do FGO,
mas o devedor pode pagar a dívida pelo desconto oferecido no leilão, à vista,
com recursos próprios.
A faixa 2 do programa começou em julho, para
devedores com dívidas de até R$ 20 mil com bancos, em negociação direta entre
as partes. O incentivo eram facilidades tributárias para instituições
financeiras. Até 29 de setembro, foram renegociadas dívidas de 1,79 milhão de
clientes, no total de R$ 15,8 bilhões.
O teste maior e final do Desenrola terá
início na próxima semana. Então será possível verificar se os devedores vão se
inscrever no programa a fim de obter os descontos oferecidos —isto é, se terão
disposição e capacidade de pagar.
Privatize-se
Folha de S. Paulo
Greve política em SP reforça motivos para
vender estatais sob regulação eficaz
A greve desta
terça (3) nos trens de Metrô e CPTM, que circulam sobretudo na
capital paulista, e na Sabesp teve a motivação apenas política de opor-se a
planos do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) de privatizar as
empresas.
Assim como ocorrido em março, quando o metrô
não circulou por 34 horas em ato por reivindicação salarial, o ir e vir na
capital foi drasticamente prejudicado: ônibus apinhados, engarrafamentos,
longas e caras esperas por carros de aplicativo, ausências no trabalho e
suspensão de aulas.
Os grevistas descumpriram
a determinação judicial que exigia 100% do contingente
trabalhando no horário de pico e 80% nos demais períodos. O Estado democrático
de Direito implica obediência a decisões da Justiça não só quando elas oneram
adversários políticos.
São Paulo já convive com gestões privadas no
transporte público. São 2 das 6 linhas do Metrô e 2 dos 7 ramais de trens da
CPTM.
Se a intenção dos grevistas era chamar a
atenção da população para eventual piora dos serviços com as privatizações, o
efeito tende a ser o oposto. As quatro linhas administradas pelo mesmo grupo
empresarial privado não aderiram ao movimento paredista, assim como em
manifestações anteriores.
Ao contrário do que ocorre no metrô, os
ramais concedidos da CPTM enfrentam falhas desde que deixaram o comando
estatal, e mais uma vez um deles parou por problema técnico nesta terça. Era
deficiente o cardápio de exigências na concessão, o que precisa ser consertado
depressa.
O que interessa num serviço público é ele
atender aos cidadãos de modo eficiente, universal e ao menor custo possível. O
setor público brasileiro deu reiteradas mostras de inaptidão para essa tarefa,
por exemplo na vergonhosa cobertura do saneamento que companhias estatais
legaram ao país
Clientelismo, aparelhamento político, inchaço
salarial, aversão à inovação, ojeriza à otimização de custos e corporativismo
são algumas das chagas que explicam esse fracasso histórico. As empresas
controladas pelo governo paulista ora alvo da greve não estão imunes a esses e
outros vícios.
Por isso a privatização de Sabesp, Metrô e
CPTM é um caminho promissor para elevar o nível de serviços aos cidadãos a que
essas companhias servem, num regime tarifário justo e acessível.
Resta saber se a gestão Tarcísio estará à altura do desafio de apresentar modelagem eficiente, capaz de convencer com argumentos técnicos das vantagens econômicas e sociais da privatização.
Responsabilidade com a segurança pública
O Estado de S. Paulo
O tema é prioridade nacional, mas governo
Lula o trata como se fosse mera questão política. Criação de uma pasta
específica significaria insistir em olhar equivocado sobre o problema
A segurança pública é uma área especialmente
sensível para a população. Ao mesmo tempo, sempre foi desprezada pelo PT, que,
com sua visão enviesada e ideológica do problema, acha que a prevenção e o
combate à criminalidade são sinônimos de truculência a serviço das elites
nacionais, e não um assunto essencial para a vida de todos. Segundo a lógica
petista, bastaria o Estado cuidar da educação e da saúde que a violência se
resolveria num passe de mágica.
Diante desse histórico, é natural que haja
especial pressão política para que o governo Lula cuide da segurança pública.
Nas últimas semanas, o tema ganhou destaque em razão de situações especialmente
graves na Bahia – com altíssimas taxas de letalidade policial – e no Rio de
Janeiro – com extensas áreas dominadas por facções. Mas, verdade seja dita, a
questão da segurança pública não é uma crise em alguns Estados. Ela afeta todo
o País. Recente pesquisa do Instituto Atlas mostrou a segurança como a área com
pior avaliação no governo Lula.
Nesse cenário de insatisfação por parte da
população – e pressionado politicamente para apresentar algum resultado –, o
ministro da Justiça, Flávio Dino, anunciou o programa de Enfrentamento às
Organizações Criminosas, com a previsão de investimento de R$ 900 milhões ao
longo dos próximos três anos.
Ainda que haja pontos positivos – como o
incentivo à integração das polícias e às atividades de inteligência no combate
aos grupos criminosos –, o programa é bastante genérico e não enfrenta as
causas das crises. Pior: expressa uma visão de fundo equivocada, como se
segurança pública fosse apenas uma questão de mais polícia (e como se a própria
polícia não fosse, muitas vezes, parte do problema).
O País está cansado de respostas populistas
na área de segurança pública, respostas essas que não enfrentam e ainda agravam
o problema. Basta ver a questão do encarceramento massivo de jovens por tráfico
de drogas, em processos com baixíssima qualidade investigativa. Prende-se
muito, mas prende-se mal. O efeito é conhecido: o Estado oferece continuamente
novos contingentes de mão de obra às organizações criminosas nos presídios.
Outra resposta populista, criticada por este
jornal, foi a intervenção federal na área de segurança pública no Estado do Rio
de Janeiro, durante o governo de Michel Temer (ver o editorial Uma intervenção
injustificável, de 17/2/2018). Passados cinco anos e meio da medida, vê-se com
nitidez seu completo fracasso, bancado com os recursos de toda a Federação.
Logo após a intervenção federal no Rio de
Janeiro, o governo Temer criou, por meio de uma medida provisória, o Ministério
Extraordinário da Segurança Pública, desmembrando-o da pasta da Justiça. Era a
mesma compreensão populista acerca do problema, como se o que precisasse ser
resolvido fosse uma questão política. Sob essa lógica, o decisivo era o governo
aparentar preocupação com o tema.
Agora, uma vez mais surgem vozes pedindo a
criação de um Ministério da Segurança Pública, como se a pasta pudesse
representar, por si só, melhoria efetiva para a população. A segurança pública
demanda políticas públicas responsáveis, implementadas e acompanhadas de forma
coordenada com Estados e municípios ao longo do tempo. Basta de jogadas de
marketing que invariavelmente insistem em ações espetaculosas e nem sequer
tocam nas causas dos problemas.
Mais do que simples punição, segurança
pública é prevenção, o que se relaciona diretamente com o cumprimento da lei e
com o respeito ao Estado Democrático de Direito. O funcionamento das polícias,
por exemplo, nunca é meramente operacional. Ele tem sempre forte dimensão
institucional. Por isso, é muito recomendável que a segurança pública esteja
sob a alçada do Ministério da Justiça.
As gravíssimas situações de crise atuais na
segurança pública devem servir de alerta. Chega de populismo. É tempo de mudar
a forma como o poder público enfrenta e previne a criminalidade. O tema demanda
planejamento e responsabilidade.
Uma greve ilegal e antidemocrática
O Estado de S. Paulo
Caos gerado pela greve do Metrô e da CPTM
revela truculência dos grevistas, que não respeitam direitos básicos dos
cidadãos, e o despreparo do poder público para lidar com crises do tipo
Pela enésima vez, os paulistanos viveram um
dia de caos ontem provocado pela greve unificada dos funcionários da Companhia
do Metropolitano de São Paulo (Metrô) e da Companhia Paulista de Trens
Metropolitanos (CPTM). Ainda que fosse justa a reivindicação dos grevistas – o
que não era o caso –, as categorias não poderiam causar tantos transtornos à
população. Por ordem da Justiça do Trabalho, 100% do efetivo das duas
companhias deveria estar operacional nos horários de pico (entre 6 e 9 horas e
entre 16 e 19 horas) e 80% nos demais horários. Mas, mesmo com a fixação de
multa de R$ 500 mil para cada um dos sindicatos em caso de descumprimento, a
decisão judicial foi olimpicamente ignorada pelo movimento paredista. Para essa
turma, os cidadãos que se danem.
Os grevistas cruzaram os braços em protesto
contra estudos – por ora, apenas isso – conduzidos pelo governo estadual para
privatizar o Metrô e a CPTM, além da Companhia de Saneamento Básico do Estado
de São Paulo (Sabesp), que também aderiu à paralisação. É difícil imaginar que
a população, submetida à truculência de uma greve ilegal, haverá de se
solidarizar com o pleito dos grevistas contrários à eventual privatização do
transporte metroferroviário. Basta dizer que as linhas do Metrô (4-Amarela e
5-Lilás) e as linhas da CPTM (8-Diamante e 9-Esmeralda) que já foram concedidas
à iniciativa privada permaneceram operando quase sem falhas durante a
paralisação das demais. Mas talvez seja pedir demais esperar inteligência
política ou, menos ainda, atenção ao interesse público de grevistas que não
respeitam nem a Justiça.
Milhares de cidadãos tiveram de pensar em
meios alternativos de transporte, a um custo financeiro muito alto, para
cumprir seus compromissos profissionais ou pessoais. Deslocamentos por carros
de aplicativo chegaram a custar o triplo do que custariam normalmente, de
acordo com relatos de usuários dos trens e do metrô ouvidos pela reportagem do
Estadão. Pessoas fotografando a entrada de estações do Metrô e da CPTM fechadas
para enviar as imagens a seus empregadores viraram cenas comuns. Consultas e
exames agendados pela rede pública de saúde para aquele dia terão de ser
remarcados – sabe-se lá para quando. Em suma: um inferno para muitos
paulistanos que não desejavam muito mais do que apenas uma terça-feira normal.
Além de ilegal, a greve simultânea dos
funcionários do Metrô, da CPTM e da Sabesp é antidemocrática, pois não respeita
a decisão da maioria dos eleitores paulistas que, ao votar em Tarcísio de
Freitas (Republicanos) para o governo de São Paulo, escolheu um modelo de
governança para o Estado que tinha entre suas premissas iniciar estudos de
concessão de alguns serviços públicos à iniciativa privada, ou mesmo a
privatização de empresas estatais. Não será à custa do bem-estar dos cidadãos,
sobretudo desrespeitando acintosamente seus direitos básicos, como o de ir e
vir, que os grevistas haverão de sustar a realização desses estudos. É bom
enfatizar: nada está decidido ainda, o governo apenas anunciou análises de
cenários para a eventual concessão dos serviços ou venda das estatais para a
iniciativa privada.
Se, por um lado, a greve revelou a
truculência de servidores mais ocupados com a defesa de uma agenda
político-ideológica derrotada nas urnas do que com a qualidade do serviço que
prestam à população de São Paulo, por outro, mostrou, mais uma vez, a
incapacidade do governo estadual e da Prefeitura da capital paulista para lidar
com a paralisação do modal de massa. Evidentemente, haverá transtornos em
qualquer grande cidade do mundo que se veja privada de seus meios de transporte
metroferroviário, seja por greves, panes ou intempéries. Mas o caos que se
instala em São Paulo, sempre que isso acontece, é de outra ordem – é fruto de
despreparo e da ausência de planos de contingência dimensionados para a demanda
gigantesca da capital paulista.
É lamentável que tantos cidadãos tenham
passado por tantos transtornos por uma greve para lá de abusiva. E, mais ainda,
que não tenha sido pela primeira vez e nem tampouco pela última.
Manobra diplomática
O Estado de S. Paulo
Conselho de Segurança da ONU supera
polarização e aprova envio de força multinacional ao Haiti
Em situação de paralisia desde a invasão da
Rússia à Ucrânia, o Conselho de Segurança das Nações Unidas aprovou o envio de
uma força multinacional ao Haiti sob o comando do Quênia no último dia 2. Não
se tratará de uma operação clássica de paz e estabilização da ONU, mas de alternativa
para remediar a violência descomunal de gangues contra a população civil. Nada
indica o êxito pleno da missão no mais pobre do Hemisfério Ocidental, alvo de
seis operações da ONU no passado. Porém, há de se ressaltar como notável o fato
de ter havido uma primeira trégua nas trincheiras do Conselho em favor de uma
causa emergencial.
O pedido do primeiro-ministro haitiano, Ariel
Henry, de envio de missão das Nações Unidas dormia no Conselho de Segurança
desde o ano passado. Solicitações como essa nunca vêm à toa e sem expectativa
de resposta expedita. A deterioração do ambiente político, marcada pelo
assassinato de seu antecessor, Jovenel Moise, em 2021, e a impossibilidade de
realização das eleições previstas somaram-se ao terror promovido pelas gangues
além dos limites de Porto Príncipe. O caos agravou-se neste ano, quando se
registraram mais de 3.000 assassinatos e a fuga de 200 mil civis de suas casas,
sob a inação de um Conselho travado pela polarização.
Deve-se a um esforço diplomático, no qual o
Itamaraty teve ascendência, a manobra inédita de se constituir o Apoio de
Segurança Multinacional (MSS na sigla em inglês) – uma operação policial e
militar de países voluntários que não replica o modelo das 72 missões
realizadas pela ONU desde 1948. A iniciativa do Quênia de conduzir o MSS no
Haiti abrandou o potencial veto da China e da Rússia, que se abstiveram de
votar.
O mandato do MSS no Haiti estará concentrado
na preparação de forças policiais, na segurança de escolas e hospitais e na
infraestrutura e, especialmente, na proteção aos civis. Já será um bom começo
se o Quênia, criticado por abusos aos direitos humanos e uso excessivo da força
em casa, respeitá-lo. A principal dúvida está no fato de o novo modelo
desobrigar o país africano a se reportar à ONU.
O governo Lula da Silva decidiu corretamente
não pôr a mão na massa desta vez. Embora jamais seja ignorado pelo Brasil, o
Haiti já não habita sua área de influência. Se vier a participar do MSS, será
pontualmente e com envio de poucos soldados, avisou o Itamaraty. O Brasil saiu
escaldado dos seus 13 anos à frente da Missão das Nações Unidas para a
Estabilização no Haiti (Minustah). Não se esquece que o apoio financeiro
internacional, essencial para fomentar uma mínima estrutura econômica e social,
não passou de promessa.
Fato é que, seis anos após o fim da Minustah, o Haiti não deixou a miséria e retomou o ambiente catastrófico que quase o expôs a uma guerra civil. Há quem questione se há salvação para o país caribenho. Também há os que veem com ceticismo a ação dos capacetes azuis da ONU nas últimas décadas. As discussões são válidas. Não aceitável seria a inação do Conselho de Segurança por mais tempo.
O desafio do deficit de moradias
Correio Braziliense
Mais de 16 milhões vivem em 11 mil favelas,
236 mil em situação de rua e 5 milhões abrigados em moradias irregulares
Com um deficit habitacional da ordem de 6
milhões de unidades, o Brasil convive ainda com cerca de 16 milhões de pessoas
morando nas mais de 11 mil favelas existentes no país. Para completar, dados do
Censo 2022 apontam que mais de 236 mil pessoas vivem nas ruas das cidades
brasileiras. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
revelam também que existem em todo o país mais de 5 milhões de moradias
irregulares. São casas em favelas, invasões, comunidades e loteamentos
irregulares sem acesso a saneamento básico e luz elétrica. Pelo menos um em
cada mil brasileiros não tem onde morar.
Os números mostram a discrepância do cenário
habitacional brasileiro e ganham destaque no Dia Mundial do Habitat, comemorado
na última segunda-feira. A data, celebrada desde 1986, sempre na primeira
segunda-feira de outubro, chama a atenção para o acesso a moradia adequada e
como cuidamos de nossas cidades para as próximas gerações. Este ano, a
organização Habitat para a Humanidade Internacional lançou uma campanha global
para, em cinco anos, mudar políticas locais, nacionais e globais para que
famílias que residem em assentamentos informais tenham garantia de moradia
adequada.
No Brasil, o problema da moradia precisa ser atacado de forma mais firme.
A reativação do programa Minha
casa Minha Vida agora ajuda a encaminhar o equacionamento de forma a
amenizá-lo. Apenas neste ano, o programa já viabilizou 300 mil unidades. E no
Orçamento do próximo ano o governo reservou R$ 13,7 bilhões para o Minha casa,
valor mais de 40% superior ao deste ano. Em tese, serão mais unidades
construídas. O governo também isentou das prestações dos imóveis as famílias
que recebem o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e o Bolsa-Família. Ao
custo de aproximadamente R$ 300 milhões, a iniciativa ajuda a estimular a busca
pela casa própria pelos menos favorecidos e na outra ponta aumentando a oferta
de imóveis.
O programa ajuda a resolver parte do problema
e precisa ser visto como ação de estado para evitar interrupções ou o
esvaziamento da política habitacional para a população de baixa renda, mas é
insuficiente para dar conta de todas as necessidades habitacionais do país.
Além disso, é preciso dar condições para a retomada firme do crédito
imobiliário para classe média, a começar pela continuidade da política de
redução da taxa básica de juros.
Necessidades habitacionais passam por questões de saneamento, mobilidade e até mesmo conforto. Claro que, para muitos, ter apenas um teto, um local para morar é mais do que suficiente, mas é importante que as ações focadas em moradia contemplem também aspectos que levem em conta investimentos em melhoria da qualidade de vida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário