Valor Econômico
Normalização do diálogo entre Lula e Campos
Neto é, mais do que nunca, uma notícia que não pode ser desprezada
Roberto Campos Neto chegou na tarde da última
quinta-feira, dia 28 de setembro, ao Supremo Tribunal Federal e encontrou um
plenário apinhado. A concorrida posse do ministro Luís Roberto Barroso na
presidência do STF estava para começar. Jornalistas aproveitavam a concentração
de autoridades para atacar, ávidos por bastidores da República, até que o
presidente do Banco Central pisou sobre o carpete bege que já virou marca
registrada do principal palco do Poder Judiciário.
Não era um alvo qualquer. E como era de se esperar, Campos Neto logo foi cercado. Afinal, na véspera ele havia se reunido com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pela primeira vez desde a posse. Um encontro muito esperado, depois dos ataques pessoais desferidos contra ele pelo mandatário.
Horas antes do encontro com Lula, o
economista participara de uma audiência pública na Câmara dos Deputados: foi
bem tratado pela oposição e duramente criticado pelo PT. Mas isso faz parte do
jogo. Aliás: se o partido avocar a missão de cobrar a autoridade monetária e o
chefe do Poder Executivo persistir no caminho de tornar sua relação com o
presidente do Banco Central menos conflituosa, ganham os que torcem pelo avanço
do processo de normalização institucional do país.
Naquela tarde de quinta-feira, contudo, pouco
se sabia sobre a reunião intermediada pelo ministro da Fazenda, Fernando
Haddad.
Bombardeado por uma série de perguntas, o presidente
do BC resistia à pressão. “Eu combinei de não falar [depois da reunião]. O
Haddad ia falar e ele já falou. Se eu quero construir uma relação de confiança
[com o presidente], eu não posso falar”, respondeu ao reportariado, reduzindo a
zero as expectativas daqueles que esperavam vê-lo descumprir o acertado com
Lula e o ministro da Fazenda.
Ao programa “Conversa com Bial”, da TV Globo,
avançou um pouco. Mas, ainda assim, evitou dar detalhes.
Questionado sobre a diferença entre as
conversas com Lula e com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que o indicou
para o cargo, relatou que o petista passa mais tempo prestando atenção no que o
interlocutor fala. “Só conversei com o Lula duas vezes, uma no fim do ano
passado e mais recentemente. O Lula gasta mais tempo prestando atenção no que
você fala, dedica mais tempo e tem mais paciência para as conversas”, comentou.
“O Bolsonaro era mais rápido. Eu sabia que, quando tinha uma conversa com ele,
eu tinha três minutos para falar alguma coisa. Depois dos três minutos, seria
mais difícil porque ele ficava mais disperso”, comentou.
É precisa a descrição. Sabe-se, desde os seus
primeiros mandatos, que Lula gosta de colocar frente a frente pessoas com
opiniões divergentes antes de anunciar alguma medida.
Em seu processo decisório, o presidente
escuta com atenção cada lado. Deixa a discussão correr solta. Analisa a reação
da sociedade em relação ao que é tornado público, quando então tem mais
conforto para adotar uma posição. A partir daí, exige que esta seja a diretriz
perseguida pelo conjunto do governo.
É positiva, portanto, a perspectiva de que
Roberto Campos Neto passe a ser convidado a participar das discussões internas
do governo sobre o cenário externo, a agenda legislativa de interesse do
Executivo, os efeitos dos fenômenos climáticos sobre a inflação, os impactos
econômicos de medidas em gestação em algum dos Poderes e, claro, a simbiose
entre as políticas fiscal e monetária. Ou qualquer outro tema de sua área de
atuação.
Isso não coloca em xeque a autonomia do Banco
Central, garantida por lei. Mas pode, por outro lado, representar um reforço
aos integrantes da equipe econômica que precisam arregimentar apoios, dentro e
fora do governo, na defesa da meta de zerar o déficit fiscal em 2024.
Horas antes de se reunir com Lula, durante
audiência na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara, Campos Neto estava
justamente do outro lado da Praça dos Três Poderes defendendo a persecução
desse objetivo. Disse ser importante persistir na meta, a despeito dos
questionamentos quanto à obtenção de receitas adicionais e das dificuldades
históricas em cortar gastos. “Mesmo que a meta não seja cumprida, os agentes
econômicos vão ver o esforço para cumprir”, pontuou.
Esse é exatamente o argumento que vem
ganhando força entre integrantes da equipe econômica.
No começo do ano, a fixação de uma meta de
déficit fiscal zero não era unanimidade no governo. Havia, inclusive dentro da
equipe econômica, quem defendesse uma trajetória menos desafiadora para a
política fiscal. Argumentava-se que o problema de uma meta muito audaciosa é
que a decisão posterior de mudá-la tem, inevitavelmente, um custo em relação às
expectativas do mercado.
Porém agora, diante da perspectiva de que ela
não deve ser de fato alcançada, integrantes da área econômica sublinham ser
fundamental mostrar aos agentes econômicos que o governo está, sim, fazendo o
máximo para atingir esse objetivo e assegurar a sustentabilidade da dívida
pública.
Nessa terça-feira (3), com a forte queda da
Bolsa e alta considerável do dólar, o cenário internacional adverso mostrou
como é capaz de penalizar o mercado doméstico. A normalização do diálogo entre
Lula e Campos Neto é, mais do que nunca, uma notícia que não pode ser
desprezada.
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