quarta-feira, 4 de outubro de 2023

Fernando Exman - Uma boa notícia antes da tormenta

Valor Econômico

Normalização do diálogo entre Lula e Campos Neto é, mais do que nunca, uma notícia que não pode ser desprezada

Roberto Campos Neto chegou na tarde da última quinta-feira, dia 28 de setembro, ao Supremo Tribunal Federal e encontrou um plenário apinhado. A concorrida posse do ministro Luís Roberto Barroso na presidência do STF estava para começar. Jornalistas aproveitavam a concentração de autoridades para atacar, ávidos por bastidores da República, até que o presidente do Banco Central pisou sobre o carpete bege que já virou marca registrada do principal palco do Poder Judiciário.

Não era um alvo qualquer. E como era de se esperar, Campos Neto logo foi cercado. Afinal, na véspera ele havia se reunido com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pela primeira vez desde a posse. Um encontro muito esperado, depois dos ataques pessoais desferidos contra ele pelo mandatário.

Horas antes do encontro com Lula, o economista participara de uma audiência pública na Câmara dos Deputados: foi bem tratado pela oposição e duramente criticado pelo PT. Mas isso faz parte do jogo. Aliás: se o partido avocar a missão de cobrar a autoridade monetária e o chefe do Poder Executivo persistir no caminho de tornar sua relação com o presidente do Banco Central menos conflituosa, ganham os que torcem pelo avanço do processo de normalização institucional do país.

Naquela tarde de quinta-feira, contudo, pouco se sabia sobre a reunião intermediada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

Bombardeado por uma série de perguntas, o presidente do BC resistia à pressão. “Eu combinei de não falar [depois da reunião]. O Haddad ia falar e ele já falou. Se eu quero construir uma relação de confiança [com o presidente], eu não posso falar”, respondeu ao reportariado, reduzindo a zero as expectativas daqueles que esperavam vê-lo descumprir o acertado com Lula e o ministro da Fazenda.

Ao programa “Conversa com Bial”, da TV Globo, avançou um pouco. Mas, ainda assim, evitou dar detalhes.

Questionado sobre a diferença entre as conversas com Lula e com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que o indicou para o cargo, relatou que o petista passa mais tempo prestando atenção no que o interlocutor fala. “Só conversei com o Lula duas vezes, uma no fim do ano passado e mais recentemente. O Lula gasta mais tempo prestando atenção no que você fala, dedica mais tempo e tem mais paciência para as conversas”, comentou. “O Bolsonaro era mais rápido. Eu sabia que, quando tinha uma conversa com ele, eu tinha três minutos para falar alguma coisa. Depois dos três minutos, seria mais difícil porque ele ficava mais disperso”, comentou.

É precisa a descrição. Sabe-se, desde os seus primeiros mandatos, que Lula gosta de colocar frente a frente pessoas com opiniões divergentes antes de anunciar alguma medida.

Em seu processo decisório, o presidente escuta com atenção cada lado. Deixa a discussão correr solta. Analisa a reação da sociedade em relação ao que é tornado público, quando então tem mais conforto para adotar uma posição. A partir daí, exige que esta seja a diretriz perseguida pelo conjunto do governo.

É positiva, portanto, a perspectiva de que Roberto Campos Neto passe a ser convidado a participar das discussões internas do governo sobre o cenário externo, a agenda legislativa de interesse do Executivo, os efeitos dos fenômenos climáticos sobre a inflação, os impactos econômicos de medidas em gestação em algum dos Poderes e, claro, a simbiose entre as políticas fiscal e monetária. Ou qualquer outro tema de sua área de atuação.

Isso não coloca em xeque a autonomia do Banco Central, garantida por lei. Mas pode, por outro lado, representar um reforço aos integrantes da equipe econômica que precisam arregimentar apoios, dentro e fora do governo, na defesa da meta de zerar o déficit fiscal em 2024.

Horas antes de se reunir com Lula, durante audiência na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara, Campos Neto estava justamente do outro lado da Praça dos Três Poderes defendendo a persecução desse objetivo. Disse ser importante persistir na meta, a despeito dos questionamentos quanto à obtenção de receitas adicionais e das dificuldades históricas em cortar gastos. “Mesmo que a meta não seja cumprida, os agentes econômicos vão ver o esforço para cumprir”, pontuou.

Esse é exatamente o argumento que vem ganhando força entre integrantes da equipe econômica.

No começo do ano, a fixação de uma meta de déficit fiscal zero não era unanimidade no governo. Havia, inclusive dentro da equipe econômica, quem defendesse uma trajetória menos desafiadora para a política fiscal. Argumentava-se que o problema de uma meta muito audaciosa é que a decisão posterior de mudá-la tem, inevitavelmente, um custo em relação às expectativas do mercado.

Porém agora, diante da perspectiva de que ela não deve ser de fato alcançada, integrantes da área econômica sublinham ser fundamental mostrar aos agentes econômicos que o governo está, sim, fazendo o máximo para atingir esse objetivo e assegurar a sustentabilidade da dívida pública.

Nessa terça-feira (3), com a forte queda da Bolsa e alta considerável do dólar, o cenário internacional adverso mostrou como é capaz de penalizar o mercado doméstico. A normalização do diálogo entre Lula e Campos Neto é, mais do que nunca, uma notícia que não pode ser desprezada.

 

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